No início do ano, a Sony apresentou-nos Concord: uma galáxia cheia de personagens únicas e ambientes futurísticos, com semelhanças ao adorado Guardians of the Galaxy. Tudo indicava que este jogo ia ser um sucesso…. Até nos partirem o coração anunciando que Concord seria um hero-shooter em primeira pessoa. Concord passou a ter que apresentar trunfos fortes para fazer os jogadores gastarem 40 euros num género que, habitualmente, é de graça. E, spoiler alert, não o consegue fazer.

A situação torna-se mais complicada após o mais recente anúncio da Sony, que decidiu retirar o jogo do mercado duas semanas após o seu lançamento. Numa publicação oficial no blog da PlayStation, Ryan Ellis, Diretor do Firewalk Studios, admite que alguns aspetos do jogo e o seu lançamento inicial não tiveram o resultado desejado. “Por esse motivo, e nesta fase, decidimos retirar o jogo a partir de 6 de setembro de 2024 e explorar outras opções, incluindo aquelas que cheguem de uma melhor forma aos nossos jogadores”, afirma o responsável.

Com as vendas de Concord a cessarem de imediato, e com o estúdio que pertence à Sony a anunciar que todos os jogadores que o compraram serão reembolsados, partilhamos na mesma a nossa experiência com este jogo.

 

Existem 16 personagens à escolha, os Freegunners, cada um com design, armas e habilidades diferentes. Desde as clássicas personagens tanques, que parecem impossíveis de matar, a feiticeiros voadores que disparam bolas de fogo. Apesar das diferenças entre si, têm todas uma coisa em comum: movimentos lentos. Concord tem baixa gravidade, o que parece fazer sentido passando-se no espaço, mas para um género naturalmente muito rápido, os saltos que se tornam pequenos voos são irritantes (é um bocado estranho jogarmos como um tanque e flutuarmos). As personagens médias parecem pesadas e as pesadas assemelham-se mais a calhaus. As armas de cada uma estão muito bem desenvolvidas, permitido, em conjunto com as diferentes habilidades de cada Freegunner, escolher a personagem perfeita para cada tipo de jogador e para diferentes estratégias de equipa. Infelizmente, ainda não temos maneira de as personalizar, era uma boa adição. Quando vimos o trailer, ficámos entusiasmados para descobrir mais sobre a história de cada Freegunner. Mas, infelizmente, nada nos é revelado durante o jogo, ficando todos sem personalidade e interações entre si. Há pequenas descrições num mapa chamado Guia da Galáxia, mas deixam muito a desejar.

Prós
– Variedade de modos de jogo
– Habilidades das personagens

Contras
– Preço considerando concorrentes
– Mundo pouco apelativo para explorar
– Poucos jogadores e tempos de loading

A Firewalk Studios promete adicionar uma cut scene todas as semanas, dando a conhecer um pouco melhor a galáxia e os Freegunners. No entanto, se forem como as que vimos até ao momento, não impressionam e, com certeza, não substituem a narração durante as partidas ou um eventual story mode.

Concord tem três modos de jogo multiplayer, muito semelhantes aos que já estamos habituados neste género. Dois com renascimento (Brawl e Takeover) e um com vida única (Rivalry). Brawl consiste em matar o maior número possível de jogadores da equipa rival, Takeover em conquistar e defender zonas do mapa. Rivalry está subdividido em Cargo Run, onde o objetivo é capturar cargo, plantá-la e defendê-la, e Clash Point, onde temos de capturar zonas e eliminar a equipa rival. Infelizmente, achamos que Rivalry não foi bem concebido. As personagens têm bastante saúde, e as rondas são muito rápidas, acabando por sobreviver a maioria dos jogadores, tornando-se um bocado inútil não haver renascimento. Há doze mapas no total, que achámos bastante interessantes. Com design futurístico, as arenas de Concord são bonitas e lógicas, com diferentes caminhos que fazem sentido para diferentes Freegunners.

Metade do jogo é esperar

Concord sofre bastante com falta de jogadores devido a uma receção extremamente negativa. Isto causa tempos de espera longos quando estamos a ser atribuídos a uma partida (chegámos a esperar quatro minutos). Este não é o único momento de espera, já que, quando finalmente somos atribuídos, ficamos presos num loading screen muito longo. Concord tenta disfarçar a espera com animações bonitas, mas quando já esperámos tanto tempo pela partida, estas não são suficientes para reduzir a irritação criada pelos tempos de espera.

Nota-se que Concord teve inspiração em jogos como Overwatch e Destiny. O problema é que estes títulos fazem o que Concord faz… de graça. Com uma receção à demo bastante triste, e um ódio crescente por boa parte dos jogadores do género, Concord não é de todo um jogo mau, mas nada indica que vá ter uma longa vida.

Tome Nota
Concord – PC, Steam

Global: 4

Plataformas PC (testado), PS5

Palavras-chave:

Da música ao cinema, passando pela política, a ecologia e a filosofia. Setembro ainda é mês de festivais, que acontecem de norte a sul do país.

Coimbra é uma lição (de jazz)

A 22ª edição do Festival Jazz ao Centro está de regresso a Coimbra. De 21 de setembro a 5 de outubro, espaços da cidade como o Convento São Francisco, o Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), a Imprensa da Universidade de Coimbra ou o Seminário Maior, entre outros, vão ser palco de 15 concertos realizados em vários formatos, do solo ao ensemble alargado.

Numa data única em Portugal, a pianista e compositora Satoko Fujii abrirá o festival, a 21, no palco do Teatro Académico de Gil Vicente. No dia seguinte, ao final da tarde, toca o trio de Pedro Ricardo, no Parque Verde (Entrada Poente).

A 23 é a vez de o Convento São Francisco receber a estreia de Aether – Cruzamento, um espetáculo que junta o trio “Bode Wilson”, de João Pedro Brandão, Demian Cabaud e Marcos Cavaleiro, às bailarinas Ana Rita Xavier e Wura Moraes, com desenho de luz de Cárin Geada.

Nos dias 26, 27 e 28 de setembro, a Casa das Artes Bissaya Barreto (em parceria com o Festival Apura), o Salão Brazil, o Museu Nacional Machado de Castro e o Seminário Maior de Coimbra recebem sete concertos onde serão apresentados os resultados de uma residência artística, realizada nos dias anteriores (23 a 28), que une cinco músicos britânicos a cinco músicos portugueses ou que estão a viver em Portugal.

Entre os participantes contam-se nomes como Gonçalo Almeida (contrabaixo), Hannah Marshall (violoncelo), Karoline Leblanc (piano), Luís Vicente (trompete), Marcelo dos Reis (guitarra), Mark Sanders (bateria), Olie Brice (contrabaixo), Pat Thomas (piano e eletrónica), Rachel Musson (saxofones) e Ziv Taubenfeld (clarinete baixo).

Também a 28, no TAGV, será apresentado o resultado da colaboração entre músicos dos grupos da Tuna Académica da Universidade de Coimbra, nomeadamente da Big Band RAGS e o maestro Luís Castro, da Associação Porta-Jazz. Espera-se um espetáculo que, por ser assente na improvisação e contemplar a participação do público, será único e irrepetível.

No último fim de semana de festival atuam, em quarteto, nas noites de 4 e 5 de outubro, no Salão Brazil, Rodrigo Amado (saxofone tenor), Samuel Gapp (piano), Hernâni Faustino (contrabaixo) e João Lencastre (bateria). E ainda a saxofonista americana Zoh Amba e o contrabaixista Carlos Barretto, respetivamente no Jardim da Imprensa da Universidade de Coimbra (4) e no Grémio Operário de Coimbra (5).

Arte e Ecologia em Montemor

Concertos, performances, dj sets, workshops, conversas, passeios na natureza e experiências gastronómicas, imersas no ecossistema do montado alentejano. De 13 a 15 de setembro o festival transdisciplinar Ponto D’Orvalho regressa ao Montado do Freixo do Meio, projeto pioneiro na agricultura regenerativa e na preservação da natureza localizado em Montemor-O-Novo.

Ao longo de dois dias e meio, através das perspetivas únicas de cada artista, cientista, agricultor, chef, filósofo, ativista, produtor e especialista local convidado, os participantes da quarta edição do festival poderão explorar rituais fundamentais da vida, de comer a caminhar, escutar, desacelerar, conviver ou coexistir.

Em 2024, tal como ocorre desde a sua criação, o Ponto d’Orvalho mantém o compromisso de criar uma programação híbrida e descentralizada, apresentando propostas artísticas locais, nacionais e internacionais que sensibilizem para as questões ambientais e que despertem uma maior consciência ecológica.

O preço do bilhete inclui, além das atividades do evento, todas as refeições, com menus pensados pelo chef Francesco Ogliari do restaurante Tua Madre de Évora e por artistas e coletivos do programa.

Festival de Ópera de Óbidos

E também este ano há ópera em Óbidos. De 6 a 15 de setembro a aldeia fortificada do Oeste será o palco de três espetáculos de ópera e uma gala dedicada a Giacomo Puccini, no centenário da sua morte.

A grande produção da edição de 2024, apresentada a 13 e 15 de setembro, no Convento São Miguel Gaeiras, é A Filha do Regimento, de Donizetti, uma comédia sobre uma jovem criada por um regimento de soldados, que desafia as convenções sociais com a sua vivacidade e independência.

A ela junta-se, no mesmo local, O Último Canto – Camões e o Destino, de C. Viana (7), que, tendo como ponto de partida um texto do dramaturgo russo do século XVIII, Vassili Jukovski, “exalta a poesia e a criação como elixires da vida e alicerces da condição humana”.

Na Praça da Criatividade, nos dias 6 e 8, é ainda apresentada a ópera-tango María de Buenos Aires, de Piazzolla, e, no Olho Marino, a 14 de setembro, uma Gala de Ópera dedicada a Giacomo Puccini, a qual contará com uma seleção de árias que vão da La Bohème à Tosca e Madama Butterfly.

Festa do Avante 2024

No ano em que se celebram 50 anos de 25 de Abril, a Festa do Avante mantém-se fiel à sua génese, prometendo um foco renovado sobre os desafios políticos e sociais atuais, nomeadamente as crises ambientais, os conflitos geopolíticos e as desigualdades crescentes.

Os milhares de participantes que se esperam na Quinta da Atalaia, de 6 a 8 de setembro, poderão assim dividir os seus dias entre concertos e debates, exposições e espetáculos de teatro ou de dança, e sessões de cinema, distribuídos em vários espaços temáticos, cada um dedicado a uma forma de expressão cultural ou a um tema de interesse político.

Entre os destaques musicais estão previstas atuações de bandas e artistas nacionais e internacionais, do fado ao rock, passando pela música popular e pela música do mundo.

Momento especial na edição de 2024 será a homenagem a Zeca Afonso, figura central da música de intervenção em Portugal. No dia 7 de setembro, um conjunto de artistas de diferentes estilos musicais e gerações, incluindo Sérgio Godinho e Ana Bacalhau, subirá ao palco para interpretar temas como “Grândola, Vila Morena” e “A Morte Saiu à Rua”.

Um Motelx arrepiante

De 10 a 16 de setembro o MOTELX – Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa regressa à capital com uma programação que inclui longas e curtas-metragens, retrospetivas, cinema infantil, microCURTAS e documentários, para além de uma série de atividades como festas, workshops, masterclasses e concertos.

Mais uma vez, o Cinema São Jorge será a morada oficial da grande festa do terror e o lugar por onde desfilarão os principais títulos contemporâneos do cinema de género, com passagens pelas suas raízes e coordenadas para o futuro.

Novidade de 2024, a programação especial A Bem da Nação, composta por filmes que foram proibidos em Portugal antes do 25 de Abril. Os títulos escolhidos pelo MOTELX foram ll Demonio (1963), de Brunello Rondi; The Plague of The Zombies (1966), de John Gilling; 10 Rillington Place (1971), de Richard Fleischer; Valeria and Her Week of Wonders (1970); e ainda uma sessão surpresa que irá acontecer na sala Rank.

A edição deste ano debruça-se também sobre o tema da Inteligência Artifical (IA), presente no filme ensaio Cartas Telepáticas (2024), de Edgar Pêra, o primeiro filme totalmente feito com o uso de ferramentas de IA, e no AI Horror Short Films Showcase, secção exclusivamente dedicada a curtas-metragens criadas com ferramentas de IA.

A abrir e fechar o festival, respetivamente, Speak no Evil, do britânico James Watkins, e The Surfer, com Nicolas Cage. Destaque para MaXXXine, de Ti West, com Mia Goth no papel principal, terceiro e último capítulo da aclamada trilogia “X”, e para The Substance, da francesa Coralie Fargeat, com Demi Moore.

Mas também para o mais recente e inesperado filme dos irmãos norte-americanos David e Nathan Zellner, Sasquatch Sunset (com produção executiva de Ari Aster), um retrato bizarro e rigoroso da vida quotidiana de uma família de criaturas, para o thriller do alemão Tilman Singer, Cuckoo, que tem por cenário um resort nos Alpes repleto de segredos obscuros, para o irlandês Oddity, pesadelo paranormal de Damian Mc Carthy – uma das revelações do último SXSW – , e para o francês Plastic Guns, de Jean-Christophe Meurisse, autor de Laranjas Sangrentas.

Primeiro ano de Clarão

De 12 a 15 de setembro, a Quinta da Ribafria, em Sintra, acolhe a primeira edição do Festival Multidisciplinar Clarão. Durante quatro dias, 150 artistas emergentes, formadores, associações e feirantes participam na construção de um programa composto por debates, performances, feiras, exposições, oficinas, instalações, um ciclo de cinema e concertos de músicos como iOLANDA, Nastyfactor, MAQUINA, Landim, YA SIN, RS Produções, Soluna e SUZANA.

O festival terá ainda sete oficinas de escultura, artesanato, música, moda, fotografia e desenho, para crianças, jovens e adultos, e uma feira de arte com mais de 50 artistas e artesãos.

É um projeto singular de quem tem orgulho numa vida feita de livros. É, por isso, uma casa de papel, que tanto veste as roupas de um escritório pessoal, como as de uma livraria. Nas traseiras da Avenida de Roma, em Lisboa, chama-se de “Os Livros do Jorge” e tem todos os livros que Jorge Reis-Sá já escreveu e editou.

Pela sua diversidade, é o melhor retrato de um percurso que, para o bem e para o mal, como reconhece, toca em vários territórios: a edição, a poesia, a prosa e o ensaio.

Na prateleira dos livros acabados de chegar está Prado do Repouso, volume em que recolhe 25 anos de poesia. Não se trata de uma poesia reunida, antes de um olhar sobre a sua produção poética, arrumada em função das várias vozes que foi explorando.

Inclui ainda um texto em prosa, dedicado ao seu pai, que rima com alguns dos poemas que não poucas vezes refletiram sobre a paternidade e a orfandade. Como acontece com os seus títulos mais recentes, assim como as reedições dos mais antigos, leva a chancela da sua nova editora, A Casa dos Ceifeiros, que criou sobretudo para se publicar, embora também já tenha lançado títulos de Eucanaã Ferraz, Fernando Pessoa, Cory Taylor e Françoise Sagan.

Mais do que recordar duas décadas e meia de versos, Prado do Repouso pode revelar-se uma despedida, já que deixou, há alguns anos, de sentir o impulso da poesia, andando hoje mais pela prosa. Um dos seus últimos livros de histórias curtas, A Hipótese de Gaia, recebeu aliás o Grande Prémio de Conto Branquinho da Fonseca da APE, em 2023, e para o futuro estão previstos muitos outros projetos. Todos de gestação lenta, uma marca da sua criação literária.

À semelhança do editor (foi fundador das Quasi, passou pela Ulisseia, colabora com a Imprensa Nacional Casa da Moeda e o Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto), o escritor, nascido em Vila Nova de Famalicão, em 1977, gosta de construir cada livro com tempo.

O meu percurso como escritor está tolhido pelo meu percurso editorial. Quer isto dizer que o meu trabalho é ser editor e só depois escrevo. Nos tempos atuais, ao não teres um compromisso com a escrita e com tudo o que lhe está associado, dificilmente consegues vingar

jorge reis-sá

No posfácio a esta poesia reunida, que assinala 25 anos de percurso poético, fala em lápides e não dá como certo que a poesia continue. É o fechar de um ciclo?

Muito provavelmente. Em 2009, organizei com o Rui Lage uma antologia de poemas portugueses, com 2152 páginas (ainda não esqueci o número) que me obrigou a ler se não toda, muita da poesia do século XX. Li coisas muito boas, outras menos boas, algumas más: foi uma overdose de versos e de poesia.

Ainda em 2009 escrevi os sonetos do livro Mulher Moderna que lancei em 2011, mas desde então devo ter escrito uma meia-dúzia de versos. Chegava ao poema e ficava tolhido, ainda hoje fico. Lembrava-me de tanta coisa que tinha lido que ficava assoberbado. E mantém-se. Não sei muito bem o que hei de fazer, como continuar uma ideia, como escrever poesia. É claro que outras coisas meteram-se pelo caminho e não ando a forçar.

Diz-se muitas vezes que antes de se ser escritor (ou poeta) é preciso ser-se um bom leitor. Haverá limites para essa curiosidade e aprendizagem do Outro?

Não há limite, ler poesia é um vício que faz bem. O problema foi mesmo a overdose, muito em pouco tempo. Não tive oportunidade de ser permeável às afinidades eletivas, aprofundar o que verdadeiramente queria ver, conhecer e pensar melhor. Não houve o ler e o responder com escrita própria.

Não houve síntese nesse processo?

Exato. Houve uma compreensão muito grande e forte que fez com que ficasse sem pé. E nunca mais o recuperei. Mas também não estou preocupado com a recuperação desse pé.

Mas houve um tempo em que a poesia era um exercício diário?

Não direi diário, mas houve um altura em que a poesia era o centro da minha escrita, o principal. Ou seja, na literatura e no que eu podia podia escrever, interessava-me mais um trabalho poético do que ficcional, ou no campo da crónicas e do ensaio, que entretanto também desenvolvi. O livro de 2009 desconstruiu esta relação e a poesia começou a ficar relegada para outro sítio.

Ainda no posfácio, refere-se a 2009 como o ano mais complicado da sua vida…

E foi, com o fecho das Quasi e a mudança para Lisboa com tudo o que isso acarretou, além de muitas outras questões pessoais. Mesmo os poemas do livro Mulher Moderna, escritos em sucessivas viagens de comboio, são uma projeção: eu não queria ser aquele sujeito poético quando tivesse a sua idade (cerca de 40).

Outro lugar-comum diz que os momentos difíceis são mais propícios à escrita e à poesia…

Não concordo nada com essa ideia. Há uns anos, um amigo escritor passou por uma dificuldade pessoal muito forte e eu disse-lhe para aproveitar para escrever, mesmo não acreditando no conselho. E a resposta dele só reforçou a minha convicção: “Tu bem sabes que não se escreve no meio da tempestade, só depois”. Quando se vive momentos complicados, não há poesia ou ficção que te salve. Apenas tens de os ultrapassar.

Nesta poesia reunida inclui os primeiros poemas. Quando se deu a sua aproximação à poesia?

A minha “história” enquanto escritor de versos começa no 7.º ano, quando, por preguiça, em vez de uma redação, escrevi um poema. Começava: “Se eu pudesse mudar o mundo…” [risos]. Tive um “Elevado” com “e” maiúsculo, porque também os havia em minúsculo [risos]. Foi um impulso que se associou à conquista da mulher amada, transformando-se depois numa forma de olhar e trabalhar com o mundo.

Ganha depois um prémio em 1998…

… que me dá um apoio para publicar um livro. Saiu fraco, como seria de esperar. Uma vez perguntaram ao Manuel António Pina se publicaria agora (na altura da entrevista) o seu primeiro livro e ele respondeu: “Não, ainda bem que o publiquei quando estava a começar.” É uma frase lapidar sobre muitos primeiros livros, que só fazem sentido no momento em que surgem.

Esse primeiro livro reforçou a relação com a poesia?

Sim, muito. E a ele seguiu-se o encantamento com a descoberta de mais poetas, novos versos, outras personalidades literárias. Neste âmbito, a edição também foi muito importante. O primeiro poeta maior que conheci pessoalmente como editor foi o António Ramos Rosa, uma figura encantadora a vários níveis.

Prado do Repouso – A Casa dos Ceifeiros, 320 pp, 19,95 euros

Ao olhar para estes 25 anos que pontos de viragem encontrou?

A organização do livro espelha um pouco as várias fases da minha poesia. Começa com uma voz de juvenilia, representada pelos volumes mais imberbes, muito devedores da leitura de Eugénio de Andrade, mais líricos e metafóricos, sobre o amor e o mar.

Por volta de 2003/2004, começo a escrever uma poesia mais discursiva e narrativa, com histórias lá dentro, que desemboca em Biologia do Homem, aquele que considero ser o meu primeiro livro. Foi a descoberta um sujeito poético mais confessionalista, ligado às minhas circunstâncias, quase terapêutico, o que foi muito importante para mim.

Quando esse momento se esgotou, escrevi uns textos em que me aproximava quase de um teatro em verso. Nos poemas mais recentes há talvez um regresso ao confessionalismo. São vozes diferentes que, ao correr dos anos, fui conseguindo identificar. E a consciência das suas diferenças permitiu-me arrumar esta poesia reunida.

O editor também ajudou nessa reflexão?

Vai ajudando. Quando uma pessoa também é editor tem uma consciência um pouco mais aguda do que faz. E eu acumulo ainda outra dimensão: edito-te. Há vários casos semelhantes na nossa poesia, como também há poetas-editores que nunca publicaram nas suas chancelas. Mas ao editar-me sei que não vou ter o crivo de outro editor. Por isso, quando estou a escrever ou a preparar um livro tenho de me pôr noutra pele para tentar compreender se aquilo faz ou não sentido (incluindo o de editar).

Nunca procurou publicar noutras editoras que não a sua (Quasi e A Casa dos Ceifeiros) ou naquela em que trabalhava (Ulisseia)?

Na poesia, não. Na prosa essa possibilidade ou opção surgiu naturalmente. Também é preciso ter a noção de que do ponto de vista editorial seres publicado é quase um favor que te fazem. Ninguém entra na edição de poesia para fazer dinheiro ou a pensar que vai iniciar um negócio. Não estamos a falar de mercado. E por conhecer bem o mercado não me sinto à vontade de perguntar a um editor se quer publicar a minha poesia.

A prosa foge a essa dinâmica?

Sim, tem uma dinâmica de mercado diferente e há até uma dimensão de marketing e de venda do livro e do autor que faz com que seja bom ter um editor. Além disso, na prosa, até certa altura, senti que precisava de um editor, alguém que lesse o original e me sugerisse cortes ou alterações. Mas também na prosa, há cerca de 8 ou 9 anos, depois de publicar A Definição do Amor, talvez por um certo desencanto, percebi que não valia a pena.

Porquê?

Porque o meu percurso como escritor está tolhido pelo meu percurso editorial. Quer isto dizer que o meu trabalho é ser editor e só depois escrevo. Nos tempos atuais, ao não teres um compromisso com a escrita e com tudo o que lhe está associado, como ir a eventos, fazer lançamentos, participar em encontros literários, dificilmente consegues vingar.

Hoje escrever não é só escrever?

Não é só escrever. Como editor também o sei. Dizendo-o meio a brincar, os escritores que agora vendem verdadeiramente livros são pessoas que passam metade do dia a escrever e a outra metade a dizer que escreveram. Ou a fazer projetos paralelos e a construir uma carreira. Nada do que digo é pejorativo, não estou a criticar, quando muito tenho alguma inveja disso, pois é um percurso que eu talvez pudesse ter feito, mas que por várias razões não aconteceu.

É uma profissionalização da escrita?

É precisamente isso. Há cerca de 15 anos, na altura dos blogues, escrevi um texto que teve um feedback brutal justamente porque era uma resposta às pessoas que diziam que não dava para viver da escrita. E já na altura defendia que viver da escrita não era escrever um romance e ficar sentado.

Também passava por o promover, escrever um peça de teatro, um ensaio para uma revista, um conto, etc, etc. O que não era possível há 15 anos, e continua a não ser possível hoje, é ser lírico a viver da escrita. Muita gente acusou-me de me estar a vender ao mercado.

A Casa dos Ceifeiros surge como resposta a essa realidade que tão bem conhece?

Sim. É a minha editora, na qual edito e me edito. Em relação aos meus livros, edito-os até de uma forma obsessiva, na medida em que cada livro demora anos a ser preparado. Andei a pensar no Prado do Repouso durante, pelo menos, três anos. Com A Hipótese de Gaia passou-me o mesmo, a que acrescentei muitos elementos extra, como fotografias, árvores genealógicas ou outras curiosidades. E faço-o também como um divertimento.

Ter uma editora para publicar os seus livros é assumir um espaço de liberdade?

Totalmente. É possível controlar tudo: a capa, o tipo de letra, o papel. Depois não vende nada, mas o processo passa todo por mim. É criar um projeto editorial que também é um projeto de escrita. Por vezes, pode começar por uma capa, noutras, pelo texto.

Sentiu que o Grande Prémio do Conto Branquinho da Fonseca da APE que recebeu, em 2023, com A Hipótese de Gaia legitimou a opção da auto-publicação?

O prémio foi muito importante por duas razões. Por um lado, revelou uma validação dos pares, o que para mim foi importante justamente por eu ser muita coisa. As pessoas da escrita acham que sou editor, as da edição veem-me como escritor, uns acham que sou biólogo e por aí em diante.

Por outro lado, também legitimou o processo de que tenho vindo a falar, de ter o controlo de tudo. E é curioso que, na sua justificação, o júri destacou a organização do livro, a sua lógica. Acredito que, em qualquer área artística, se nota quando és pertinente e relativamente obsessivo e quando és mais gratuito.

A Hipótese de Gaia é um dos muitos livros de prosa – romances, contos, ensaios – que tem publicado. A poesia não se ressentiu com o surgimento da prosa?

As primeiras tentativas de prosa a sério são de 2001, mas nunca ofuscaram a poesia. Na altura em que a poesia ainda era o centro do que eu escrevia, sempre que me desvia ela está ali ao lado. Na verdade, eu sentia que, na poesia, sabia o que estava e o que queria fazer no meio das lutas poéticas do início do século XXI. Hoje até percebo que, do ponto de vista estético, estava de um lado que não era o meu.

Em que sentido?

Vou parecer um velho a falar, mas não sei se a oposição entre lirismo e confessionalismo ainda faz sentido, não acompanho tanto o que se faz agora. Mas no início do século XXI era uma oposição forte. Era até mais fácil arrumar alguns poetas em cada lado.

Em antologias que organizei acho que fiz isso com facilidade, só que não me inclui. Eram duas formas de olhar o mundo, de editar, de ler e pensar a estética literária que se opunham, até com bastante polémica. E a principal diferença entre as Quasi e, digamos para simplificar, a Averno era justamente a forma como se via a edição de poesia.

Nas Quasi achávamos que a poesia era só uma, como dizia o João Cabral do Nascimento. E isso quer dizer que, enquanto editores, não professávamos uma estética. O outro lado achava, com toda a legitimidade, o contrário, que tudo o que não seguisse a estética escolhida devia morrer. Eu só não concordava com uma coisa.

Com o quê?

Com a agressividade usada contra quem publicava com outros critérios. Todos têm o direito a publicar. Não acho que se deva cancelar por motivos estéticos. E a diferença passava também pelas opções editoriais, como as capas. As da Quasi apresentavam-se berrantes. A ideia era “vamos pôr a poesia ao lado dos outros livros”, fugindo a uma lógica de gueto, que, sublinho mais uma vez, é totalmente legítima.

Mas onde é que a sua poesia ficava no meio dessa polémica?

Essa é a questão. Apesar do que nos diferenciava nas nossas opções editoriais, olho para a minha poesia e vejo-a mais próxima da do Jorge Gomes Miranda, Manuel de Freitas ou João Miguel Silva. Apesar da amizade e da ligação editorial que tinha com o Valter Hugo Mãe ou do Jorge Melícias, não partilhava a poesia deles, mais metafórica e imagética. A minha poesia navegava mais pelo quotidiano.

Para quem veio de uma forte influência do Eugénio de Andrade, o encontro com o quotidiano foi uma revolução?

Não sei se foi uma revolução, porque foi tudo muito natural. Sinto que foi mais um encontro, a descoberta da minha voz. O Vasco Ferreira Campos, um poeta que desapareceu mas que tem um livro de que gosto muito, O Coração Sabe, dizia: “Na poesia tens de ser honesto”. A honestidade, em poesia, é um conceito com muitas nuances. Julgo que ele não se referia apenas à dimensão confessional, mas também à honestidade que te leva a escrever o que é natural em ti, sem forçar o que pode ser mais conveniente.

Mas como surgiam os poemas dessa fase? Da observação do dia?

Era sempre uma construção, como se estivesse a escrever um conto. Tinha uma ideia para um verso, para uma situação, para uma história e o poema nascia a partir daí. Os poemas tinham algum, pouco, trabalho de correção, mas tinham muito trabalho prévio à escrita. Pensava muito sobre o que queria escrever ou sobre a lógica do poema.

Nunca foi um poeta de impulsos?

Não. Sempre tive um caderno para anotar um ou outro verso, para fixar uma ideia, mas o poema era elaborado sobretudo na cabeça, juntando peças e encontrando um fio condutor. Se calhar a poesia foi-se afastando porque deixei de pensar nessa construção. Os poemas mais recentes tentam recuperar essa dimensão de narrativa, sempre a partir de situações concretas. A poesia para mim sempre foi uma coisa que requer muito tempo.

A prosa é mais fácil de pensar enquanto se escreve?

Nem por isso. A prosa também é um trabalho demorado. Ainda assim, sei perfeitamente quando estou a escrever prosa e quando estou a escrever poesia, mesmo quando esta é narrativa. O processo é sempre o mesmo, pensar longamente, mas a forma de entrar na prosa e na poesia são diferente. Não sei explicar muito bem.

Tanto num caso, como no outro, não sei se consigo estar à altura das expectativas que essa longa reflexão prévia cria. Mas quero sentir que pus no livro todo o trabalho possível que estava ao meu alcance. De outra forma, o livro torna-se, como disse há pouco, gratuito e sem sentido.

Há algum verso seu que resuma a sua abordagem à poesia?

O Jorge Luis Borges dizia que qualquer poeta medíocre tem dois versos bons. Eu também [risos]. No meu caso são: “Vou para casa esquecer que parti”. Escrevi para um sujeito poético que não sou eu, nem para as minhas circunstâncias. Mas é um verso que me diz muito. No início da Quasi, o Valter e eu falávamos muito de poesia.

A certa altura ele argumentava que poemas com a palavra casa são fáceis, porque é uma palavra, uma imagem e um espaço com muito significado. E tinha razão. É uma palavra linda que carrega tudo o que somos. E associá-la à ideia de alguém que quer esquecer que um dia partiu agrada-me particularmente.

Sempre tive um caderno para anotar um ou outro verso, para fixar uma ideia, mas o poema era  elaborado sobretudo na cabeça, juntando peças e encontrando um fio condutor

jorge reis-sá

A Google revela que o Android 15 vai chegar aos smartphones Pixel elegíveis nas próximas semanas, sendo que os restantes fabricantes terão de aguardar alguns meses. Antes disso, a tecnológica vai disponibilizar o código fonte para que os programadores possam começar a preparar as suas aplicações e assegurar a compatibilidade.

Entre as novidades do Android 15 estão um Private Space – uma porção do sistema operativo protegida para guardar informação sensível; a possibilidade de guardar as combinações de apps a partilhar ecrã para um acesso mais rápido; e a opção de fixar a barra de ferramentas permanentemente no ecrã.

O Android 15 vai estar disponível no Android Open Source Project, que dá aos programadores a informação e código necessários para criar versões personalizadas do Android OS. Esta versão vai permitir mais opções para melhorar a compatibilidade das aplicações e acessórios, com a Google a anunciar melhorias numa série de áreas, incluindo na experiência de utilizador, privacidade e segurança.

A Google vai organizar séries educativas chamadas Spotlight Weeks onde irá aprofundar temas técnicos com os programadores. Matthew McCullough, vice-presidente do Product for Android Developer, afirma que “o Android 15 continua a missão de construir uma plataforma privada e segura que ajuda a melhorar a produtividade, ao mesmo tempo que dá novas capacidades de produção de apps bonitas, experiências de media e câmara superiores e uma experiência de utilizador intuitiva, particularmente em tablets e dobráveis”, cita o Tech Crunch.

Numa outra publicação no blogue, a Google revela que que há também novas funcionalidades a chegar ao Android:

– Descrições detalhadas de imagens – o TalkBack, que lê o ecrã para pessoas cegas ou com pouca visão, vai ser alimentado por modelos do Gemini para fornecer descrições mais detalhadas das imagens;

– Circle to Search aplicado às músicas – identificar imediatamente a música que está a tocar, sem ter de sair da aplicação, invocando o Circle to Search;

– Ouvir páginas web – é possível ouvir as páginas abertas no Chrome, definindo a velocidade de dicção, tipo de voz e idioma;

– Expansão do sistema de alerta de sismos nos EUA, com tecnologia que fornece também dicas sobre o que fazer depois do terramoto;

– Explorar novas cidades com o Google Maps no relógio com Wear OS – descarregar um mapa para o telefone e depois ter acesso imediato a partir do relógio, para orientação sem ter de tirar o telefone do bolso, além de pesquisa de destinos por voz.

Prolongando a estação das Feiras do Livro, que animaram o país de norte a Sul, a Festa do Livro da Amadora tem a sua 9.ª edição nos dias 13, 14 e 15, na Biblioteca Municipal Fernando Piteira Santos, na Amadora.

Além de conversas, espetáculos, oficinas e um jantar literário, o encontro integra ainda as comemorações do 45.º aniversário da Amadora a concelho, o primeiro criado depois do 25 de Abril.

A festa arranca a 13, às 18 e 30, com uma conversa com Ana Markl e Hélder Gomes, seguida de um debate sobre “Criatividade e Humor em Tempos de Censura”, com Rui Cardoso Martins, Rita Taborda Duarte e Sara Figueiredo Costa. À noite, a partir das 20 e 30, o espetáculo “Sinfonia da Natureza” de Miguel Berkemeier.

A 14, o dia começa com a cerimónia de Entrega do Prémio Literário Orlando Gonçalves, às 11 e 30, com duas mesas com escritores à tarde: “Literatura Jovem Adulto”, com Daniela Rebocho, Diogo Simões e Raquel Almeida, às 16; e “Literatura e Redes Sociais”, com Bruno Leão, Filipa Fonseca Silva e Rita da Nova, às 17.

No último dia, 15, um debate sobre Banda Desenhada, com Filipa Beleza, Joana Afonso e Sandy Gageiro, às 16, e outro sobre Literatura Lusófona Atual, com Rafael Gallo, Tatiana Salem Levy e Luís Ricardo Duarte, às 17.

Entretanto, a Feira do Livro do Porto, uma iniciativa da câmara municipal, prolonga-se até ao próximo domingo, 8, nos jardins do Palácio de Cristal, com uma intensa programação cultural.

Poeta homenageado este ano, Eugénio de Andrade será ainda lembrado nas Quintas de Leitura, a 5, às 22, no Auditório da Biblioteca Almeida Garrett, com a participação de Pedro Mexia, Ana Zanatti, António Durães, Francisca Bartiotti e Emília Pimentel, entre outros.

Nas conversas entre escritores e artistas, também na biblioteca, destaque para “Descobrir Terreno”, com José Luís Peixoto, Marta Pais Oliveira e Daniela Dias Carvalho, a 6, às 17; “Rente ao Dizer”, com Teresa Lim, Mónica Garcez e Daniela Brito, a 7, às 15; ou “Sinédoque – Piano, Poesia e Outras Simbioses, com Ivo Canelas e João Vasco”, dia 8, às 15.

Nos concertos, refiram-se as participações no ciclo “É a Música, Este Romper do Escuro”, sempre às 19, na Concha Acústica, de Nunca Mates o Mandarim, a 4, Milhanas, a 5, Lina_, a 7, e Amélia Muge e Sopa de Pedra, a 8. Pelo Lago dos Cavalinhos passam ainda, às 11, Novas Trovas do Cancioneiro do Porto, a 7, e Luís Ribeiro com “A Invenção da Ficção”, a 8.

Em Lisboa, regressa também a Festa do Livro de Belém, promovida pela Presidência da República, e a APEL, de 5 a 8, nos Jardins do Palácio de Belém, em Lisboa. Participam 68 editores e livreiros, em 122 bancas,  representando 227 marcas editoriais.

Palavras-chave:

Estou em Viseu, num território de 12 hectares, onde para quer que caminhe e olhe vejo carvalhos (muitos com escaravelhos conhecidos como vacas loiras, indicadores de um lugar saudável), escuto águias e falcões acima de mim, e sinto com os pés um pequeno riacho de água límpida e saborosa que ainda corre durante o verão quente de 2024. Este território é nutrido por um casal guardião (e suas duas crianças) há cerca de 5 anos, e o seu projeto é conhecido por Origens. Começou com uma herança de família e tem crescido todos os anos com a compra de novos territórios para preservar o património natural que aqui existe.

Sinto alegria no meu coração quando, ao voltar para a minha caravana, olho para o pôr do sol e vejo as primeiras estrelas. E senti a vontade de escrever o primeiro de uma série de artigos sobre o caminho regenerativo que é fundamental acontecer em todos os lugares, territórios e comunidades, de Portugal, Europa e Mundo! No entanto, por decisão editorial e minha, este artigo vem agora trazer um pouco do que está por detrás do que eu e o Nuno da Silva temos a partilhar e tem sido publicado aqui na Visão a cada 15 dias.

Felizmente já há algum caminho feito em Portugal, com diversos projetos (como a Horta FCUL ou a Herdade do Freixo do Meio) focados nos sistemas socio-ecológicos (envolvendo a permacultura, agricultura regenerativa ou sintrópica, entre outras), fundos de investimento de impacto (como a 3XP Global) a apoiar projetos que vão além de reduzir impactos negativos e compensações através de algumas benfeitorias sociais ou ambientais, ou fundações (como a Fundação Terra Agora) que querem devolver à Terra o território e capacitar guardiões locais para desenvolverem o lugar de uma forma que se criem condições que as comunidades locais e os seus territórios prosperem.

Este ano (2024), a regeneração (com o tema da economia regenerativa trazida pelo John Fullerton) foi tema central da conferência da Business Council for Sustainable Development – Portugal. Por outro lado, a Presidência Belga da UE solicitou um primeiro estudo sobre como evoluir as suas políticas e apoios financeiros para ir além da sustentabilidade, e começar a enveredar por um caminho regenerativo. Ao nível da formação destas temáticas em Portugal, a Universidade Católica do Porto, com a Pós Graduação em Sustentabilidade e Regeneração, já refere o conceito de regeneração e tem criado curiosidade nos seus participantes por um aprofundamento neste tema. Na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, estão abertas inscrições para uma pós-graduação sobre como Transcender a Sustentabilidade, na direção do Desenvolvimento Regenerativo, que é a capacidade de pensarmos, sermos e agirmos mais alinhados com os sistemas vivos, permitindo uma maior viabilidade das organizações e sistemas às quais pertencem.

Num outro formato, e em forma de celebração, durante Setembro, entre os dias 11 e 15, irá decorrer um grande encontro em Ponte de Lima, designado de Gathering of Tribes, onde participarão vários dos promotores nacionais e mundiais de projetos regenerativos, como empresas, ecoaldeias, projetos agroecológicos, turismo rural, coworking, educação, artisticos, entre outros. O objetivo é estarem juntos, partilhar experiências e cocriarem um futuro regenerativo.

Einstein deixou-nos um alerta importante: tentar encontrar soluções no mesmo nível de paradigma de pensamento que criou os problemas, não é uma possibilidade válida. Temos tentado fazer isso durante as últimas décadas e temos criado apenas uma maior crise sistémica, que cresce no espaço (afastando cada vez para mais longe as externalidades negativas) e no tempo (vivendo de um crédito que deveria ser o sustento e prosperidade das futuras gerações). O Stockholm Resilience Institute, instituição reconhecida mundialmente, já declarou em 2023, num estudo, que sem transformar o paradigma societal em que vivemos não vamos atingir mais de 11 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em 2030, e nem mesmo em 2050. Por outro lado, a tentativa de atingir os 17 ODS, mantendo o business as usual, só nos irá levar a ultrapassar mais barreiras planetárias (atualmente já ultrapassamos 6 das 9 consideradas), como levará outras para zonas bem vermelhas (e perigosas), habitando nós numa Terra bem fora da zona operacional segura para a humanidade.

No entanto, como qualquer sistema vivo, emergem diversas tentativas de fazer o sistema ver-se a si próprio e de o capacitar a evoluir. Recentemente, foram criados e promovidos os Objetivos do Desenvolvimento Interior, que tem como propósito tornar claro que sem mudança interna não iremos atingir nenhuma sustentabilidade, muito menos regenerar os diversos sistemas dos quais fazemos parte.

Os povos indígenas contam que o afastamento da cultura ocidental da relação com a natureza, não só adoeceu os nossos corpos e espíritos, como nos afastou de uma forma de pensar, ser e agir alinhada de como os sistemas vivos realmente funcionam. E que esse afastamento é o que tem causado a crise sistémica e planetária onde nos encontramos. A citação de Gregory Bateson de que “Os principais problemas do mundo se devem à diferença entre a forma como a natureza funciona e a forma como as pessoas pensam” torna nítida esta tensão e suas consequências.

O conceito de pensamento de sistemas vivos surgiu nas décadas de 1950 e 1970, com pioneiros como Ludwig von Bertalanffy, que introduziu a Teoria Geral dos Sistemas em 1968. Outros pesquisadores, como Gregory Bateson e Howard T. Odum, integraram cibernética e ecologia. Nos anos 1970, o Instituto de Santa Fé tornou-se importante para estudos de sistemas complexos, e Fritjof Capra destacou-se com o livro “A Teia da Vida” (1996). Recentemente, autores como Daniel Wahl (“Design de Culturas Regenerativas”) e Leen Gorissen (“Natural Inteligence”) forneceram visões contemporâneas, promovendo uma profunda integração entre sistemas naturais e humanos. Daniel Wahl apresenta no seu livro um diagrama que torna bem claro e distintivo o que no dia-a-dia reduzimos a ações sustentáveis e não sustentáveis, dando-nos uma maior resolução e compreensão dos diferentes níveis existentes, permitindo uma maior reflexão sobre onde (e de/para onde) estamos a agir.

Ilustração de Design de Culturas Regenerativas, Bambual 2020

A ilustração mostra as diferentes mudanças de perspetiva à medida que nos movemos do business as usual (em baixo) para uma cultura regenerativa (acima). A maioria das ações das grandes organizações na Europa está no nível convencional, dado que seguem as legislações nacionais e europeias, ou o trend do mercado, como a não utilização de determinados componentes tóxicos ou não poder descarregar poluentes nos rios ou exportá-los para países com legislações mais fracas do ponto de vista de saúde humana e ambiental. Algumas organizações vão mais além implementam melhorias que tornam mais eficientes os produtos, ou a utilização de uma maior percentagem de material reciclado, entre outros. A sustentabilidade, atualmente, perdeu a sua força de pensar na consequência dos atos presentes nas próximas sete gerações, deixando-lhes um mundo viável, para a mera capacidade de sustentar o que existe (zero impacto negativo, ou pelo menos compensados por outros impactos positivos).

O objetivo de culturas regenerativas transcende e inclui sustentabilidade. O design restaurativo visa reconstruir a autorregulação saudável em ecossistemas locais, e o design reconciliatório dá o passo adicional de tornar explícito o envolvimento participativo da humanidade nos processos da vida e na união entre natureza e cultura. O design regenerativo cria culturas capazes de contínuas aprendizagens e transformações em resposta, e antecipação, à mudança inevitável. Culturas regenerativas salvaguardam e aumentam a abundância biocultural para as futuras gerações da humanidade e para a vida como um todo.

Carol Sanford e o Regenesis Group têm aprofundado, ao longo de mais de 40 anos, formas de promover a evolução de pensamento em comunidades de prática, quer comunitárias quer em organizações. Carol Sanford apresenta quatro paradigmas que podem ser utilizados para melhor compreendermos e distinguirmos os diferentes pensamentos, formas de ser e ações que vemos atualmente no mundo à nossa volta. O primeiro paradigma de pensamento, Extração de Valor, permite aos líderes o direito de maximizar os recursos humanos e materiais, utilizando trabalhadores como partes de uma máquina com foco em contratos transacionais e gerir comportamentos adequados. O segundo paradigma, Combate à Desordem, aplica o método científico para reduzir problemas, tratando as pessoas como entidades mecânicas que necessitam de intervenções externas para melhorar o desempenho, priorizando padrões e promovendo boas práticas. O terceiro paradigma, Fazer o Bem, fundamenta-se em normas culturais e morais para determinar o valor do trabalho, focando-se na filantropia, voluntariado e impacto positivo, com ênfase na restauração ambiental e conservação dos sistemas sociais e/ou naturais. O quarto paradigma, Evoluir Capacidades/Regenerar a Vida, promove o desenvolvimento contínuo das capacidades das organizações, seus colaboradores e ecossistemas, incentivando comunidades e indivíduos a serem saudáveis e evoluírem, potenciando a sua essência única.

Sinto-me contente por fazer parte de um movimento em Portugal, que reflete, testa e evolui a sua forma de pensar, ser e agir de uma forma mais alinhada com os sistemas vivos.

Para ancorar, no momento presente está a ser lançada a cooperativa Lúcida, que tem como objetivo promover o evoluir destes paradigmas de pensar, ser e agir nas comunidades e organizações em Portugal. Desde 2020 que os seus cooperantes promoveram na Europa mais de 5 cursos na área do Desenvolvimento Regenerativo e capacitando mais de 60 praticantes que vivem atualmente em Portugal, fora os restantes 110 participantes espalhados pela Europa.

Tal como o impulso da Vida é permanente, tendo já ultrapassado 5 extinções em massa, é nosso papel conseguir evitar a 6ª extinção em massa, e apoiar a humanidade, em relação com o planeta Terra, a evoluir para um novo equilíbrio dinâmico, alinhado com a forma como a Vida opera neste planeta.

Onde há vida, há esperança e vontade!!!

Palavras-chave:

Liderado pelo paleontólogo português Pedro Mocho, do Instituto Dom Luiz da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o estudo que acaba de ser publicado na revista científica Communications Biology resultou na descoberta de uma nova espécie de dinossauro saurópode que viveu em Cuenca, em Espanha, há 75 milhões de anos.

Os fósseis do Qunkasaura pintiquiniestra fazem parte de um conjunto de mais de 12 mil recolhidos desde 2007 7 durante as obras para a instalação das vias do comboio de alta velocidade (AVE) Madrid-Levante, uma das coleções de vertebrados fósseis mais relevantes do Cretáceo Superior da Europa.

“O estudo deste exemplar permitiu-nos identificar pela primeira vez a presença de duas linhagens distintas de saltassauroides na mesma localidade fóssil. Um destes grupos, denominado Lirainosaurinae, é relativamente conhecido na região ibérica e caracteriza-se por espécies de pequeno e médio porte, que evoluíram num ecossistema insular. Ou seja, a Europa era um enorme arquipélago composto por várias ilhas durante o Cretáceo Superior. No entanto, Qunkasaura pertence a um outro grupo de saurópodes, representado na Península Ibérica por espécies de médio-grande porte há 73 milhões de anos. Isto sugere-nos que esta linhagem chegou à Península Ibérica muito mais tarde do que outros grupos de dinossauros”, explica Pedro Mocho, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Processo de restauração de parte dos restos de Qunkasaura. @GBE-UNED

O Qunkasaura pintiquiniestra destaca-se por ser um dos esqueletos de saurópode mais completos encontrados na Europa – inclui vértebras cervicais, dorsais e caudais, parte da cintura pélvica e elementos dos membros.

Os dinossauros não-avianos da Península Ibérica são um grupo historicamente pouco compreendido, como explica, em comunicado, a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, acrescentando que a descoberta, pela morfologia única da espécie, oferece novas perspetivas sobre o grupo.

O Qunkasaura é identificado como um representante dos saltasaurídeos opisthocoelicaudinos, presentes no hemisfério norte (Laurásia). O nome é o resultado de várias referências geográficas e culturais próximas à jazida de Lo Hueco: “Qunka” refere-se à etimologia mais antiga do topónimo da área de Cuenca e Fuentes, “Saura” alude ao feminino do latim saurus (lagarto), mas também homenageia o pintor Antonio Saura, e “pintiquiniestra” faz referência à gigante “Rainha Pintiquiniestra”, personagem de um romance citado em Dom Quixote de la Mancha de Cervantes.