Ninguém pode escrever convenientemente sobre bolas de Berlim na praia sem sentir os dedos a afundarem-se na massa fofa, envolta numa fritura suave. Impossível entender o frenesim à volta deste doce – o terceiro mais vendido por cá, depois do pastel de nata e do croissant – se não acabarmos de o saborear, lambendo as pontas dos dedos, uma a uma, lentamente, para prolongar a sensação do açúcar a derreter nas nossas papilas gustativas.

Uma bola de Berlim na praia, bem doce, tem o encanto de fazer match perfeito com o sal que trazemos colado à pele sempre que saímos do mar. Já reparou como os tais grãozinhos de açúcar que teimam em ficar nos dedos e à volta da boca no final deste pecado nutricional têm a mesma consistência e tamanho dos grãos de areia que se mantêm entranhados nos pés enquanto aproveitamos as maravilhas de um dia de verão?

Tradição a Norte As bolas de Berlim d’Anémona, em Matosinhos, fazem parte de um negócio familiar com mais de 50 anos. Já as do Norte vendem-se entre as praias de Salgueiros e Miramar, em Gaia

Por isso, confessamos: enquanto pesquisávamos sobre este assunto, para melhor o informar, seguimos o conselho que a nutricionista Iara Rodrigues deixou na sua página de Instagram para os mais de 300 mil seguidores, debaixo do chapéu “Troque isto por (versão praia)”, em que apresenta pequenas escolhas que provocam grandes diferenças, porque, como assume “o verão não precisa de extremos.”

Então, no capítulo Bola de Berlim, um piteuzinho que representa algo como 400 ou 500 calorias de uma só vez, dependendo da versão escolhida, a nutricionista sugere que se substitua o hábito de a comer todos os dias das férias por fazê-lo uma só vez por semana, saboreando-a como se fosse uma estreia. “O prazer não está na quantidade, mas na atenção com que se saboreia. Dê valor ao momento”, aconselha.

Faça a sua bola

Receitas há muitas – esta foi retirada do livro As Doces Receitas da Minha Avó Bherta Rosa-Limpo, de Nuno Alves Caetano

Ingredientes

→ 9 ovos
→ 150 g de açúcar
→ 690 g de farinha
→ 30 g de fermento de padeiro
→ 125 g de manteiga
→ 2,5 dl de leite
→ Açúcar para polvilhar q.b.

Preparação

Dissolver o fermento em 0,5 dl de leite tépido e adicionar os ovos batidos, o açúcar e a manteiga já dissolvidos no resto do leite morno.

Aos poucos, juntar a farinha e amassar bem até a massa ficar ligada e homogénea. Tapar o recipiente com um pano, abafá-lo com um cobertor e deixar levedar num sítio quente durante quatro horas.

Tender em bolas sobre uma tábua enfarinhada. Fritar em óleo, em tacho fundo. À medida que saem da fritura, pôr em papel absorvente e envolver no açúcar.

Foi isso que fizemos, nos extensos areais da praia do Meco, Sesimbra, apesar de o facto de termos desembolsado €2,5 por uma bola (aumentou 50 cêntimos de julho para agosto) ter beliscado o tal valor do momento. Adiante.

No entanto, verificámos, não foi o disparar do preço que travou os veraneantes na sua procura por este pecado permitido, como se estivéssemos dentro de um parêntesis dietético. O cenário repete-se um pouco por toda a costa portuguesa: Sempre que passa um vendedor, de lancheira recheada, o bolo de origem alemã, e bem adaptado aos vícios portugueses, provoca uma pequena concentração à sua volta e suscita até dois dedos de conversa entre os compradores, com frases de ocasião como: “É a primeira desta época?”

As variedades de recheio – antes havia apenas “com creme” e “sem creme” – fazem crescer a versatilidade do bolo. Este ano, o creme de pistácio (alô, chocolate do Dubai?) é a novidade mais fresquinha e fica bem, dizem, com a massa densa da bola de Berlim. Mas, na praia do Burgau, por exemplo, que ganhou o concurso da NIT do ano passado de Melhor Bola de Berlim, André Carmo, dono da empresa Olha a Bolinha, recheia os doces ao momento, guardando para cima de 20 sabores dentro da carrinha que estaciona à entrada da praia algarvia. A fila que se forma pelo areal fora, diariamente, é a prova mais visível da qualidade do seu produto.

Se considera tudo isto uma heresia em relação aos primórdios desta receita, caro leitor, imagine o que pensaria a refugiada alemã que é dada como responsável pela introdução do doce na vida nacional, nos anos 1940, se hoje sucumbisse às modernices deste pecado?

Até os nazis as comiam

Para chegarmos aos primórdios desta história, é importante caminharmos até ao mar, lavar bem as mãos da gordura açucarada, pegar no livro Judeus em Portugal Durante a II Guerra Mundial, da historiadora Irene Flunser Pimentel, e descobrir que no dia 6 de outubro de 1935 chegaram a Portugal Ruth Davidsohn, a irmã e os pais, fugidos de Hamburgo, do norte da Alemanha, quando a II Guerra Mundial se tornava cada vez mais evidente.

Portugal apareceu como escolha óbvia para o exílio desta família judia, pois já tinham mais parentes em solo português. No entanto, tal como lembra a investigadora, foi também fundamental a existência de um acordo luso-alemão que dispensava vistos nos passaportes de cidadãos dos dois países, desde 1926.

Mas a vida de refugiado iria tornar-se mais difícil, à medida que Salazar escalava no poder. “Estávamos a atravessar um período de desemprego e, a partir de 1933, eles ficaram impedidos de trabalhar cá, especialmente pessoas que tinham licenciaturas.”

As Bolas de Berlim do Norte vendem-se entre as praias de Salgueiros e Miramar, em Gaia

Apesar de Portugal aparecer apenas como país de trânsito e de passagem para outros continentes, alguns acabavam por ficar cá mais tempo, tal como os Davidsohn. Ora, sem conseguirem empregar-se, tiveram de dar largas à imaginação e dotes culinários, neste caso, para conseguirem sobreviver.

A matriarca da família, sediada em Lisboa, pôs-se a confecionar pequenos bolos, redondos, de massa fofa e fritos, com recheio de frutos vermelhos, a que chamava Berliner Pfannkuchen (bolo berlinense de frigideira) ou simplesmente Berlineer Ballen, para vender à comunidade alemã que na altura vivia em Portugal. “Não eram necessariamente refugiados. Entre eles haveria até pró-nazis que não se importavam de comprar os bolos à judia”, ironiza Irene Flunser Pimentel.

A partir daí, a história fica nublosa. Não se sabe bem como é que a bola ultrapassou as fronteiras da comunidade alemã para a sociedade portuguesa, disseminando-se.

Sabe-se sim que, pelo caminho, a receita se modificou. No início da adaptação nacional, o bolo podia ser recheado com creme de pasteleiro, numa incisão transversal. Na versão original, a chamada berlinense, não se vê nem sente o recheio antes da primeira dentada, porque a compota de fruta é injetada para dentro do bolo e só se revela quando este já não está inteiro.

Porquê na areia?

Há relatos que dão conta da presença das bolas de Berlim em praias nacionais já nos anos 1940. No entanto, os registos acerca da altura em que este bolo se tornou no doce de eleição no areal são escassos.

Há meio século, os vendedores ambulantes levavam uma caixa de lata, muitas vezes à cabeça, com duas ou três prateleiras lá dentro, onde se arrumava a pastelaria mais diversa (ai os barquinhos de doce de ovos…).

Apesar da variedade, a bola de Berlim estava sempre melhor representada e provocava ávida procura por parte dos gulosos veraneantes. Hoje, quem vai à praia vender, leva apenas o doce de origem alemã. E pode ter de ir reabastecer as polarbox várias vezes por dia, dependendo das praias e da época do ano.

A melhor explicação até ao momento encontra-se no livro Fabrico Próprio, a materialização de um projeto dos designers Frederico Duarte, Rita João e Pedro Ferreira, que se debruçava sobre a doçaria semi-industrial enquanto produto.

Além dos 92 bolos que analisaram, decidiram dedicar um capítulo à rainha dos areais, e um ensaio fotográfico de Pedro Garcia nas praias algarvias, no seguimento de um episódio que marcou o verão de 2007 – a ASAE ameaçou acabar com as bolas de Berlim na praia, depois da apreensão de quatro mil exemplares, numa operação que envolveu também a Marinha e o então SEF.

Nessas páginas, e depois de os designers falarem com dezenas de pasteleiros, explicam que este é o único bolo que, por ser frito, passa do cru ao cozinhado num ápice e sem ter de se recorrer a grandes equipamentos culinários, além de uma frigideira. Rita João esmiúça a questão: “A sua confeção é prática e rápida, o que facilita o abastecimento ao longo do dia. A cadeia de produção está toda pensada para aquilo fazer sentido.”

Part-time Fabiana Muge é assistente social, mas há uma década que adora passar os verões na praia do Furadouro, a vender bolas de Berlim a clientes habituais

Mania da higiene

Faça-se aqui um parêntesis para esclarecer a história desta exagerada morte anunciada. “A ação de fiscalização da ASAE relativamente às bolas de Berlim incidiu sobre o seu processo de fabrico e não sobre a sua comercialização na praia», justificou o então Ministério da Economia e Inovação. O comunicado esclareceu ainda que “o que a ASAE detetou foram situações de fabrico desses bolos sem quaisquer condições de higiene e com óleos saturados e impróprios para consumo. As consequências para a saúde humana do consumo destes óleos são sobejamente conhecidas”.Quanto à venda nas praias, o primeiro Governo de Sócrates fez questão de lembrar que “o que a legislação determina é que esses produtos devem estar protegidos de qualquer forma de contaminação. Se as bolas de Berlim forem produzidas num estabelecimento devidamente licenciado e comercializadas de forma a que esteja garantida a sua não contaminação ou deterioração, podem ser vendidas na praia sem qualquer problema”.

É o caso das bolas de Berlim da Felismina Domingues. O seu “laboratório” está de portas abertas em Casa Alta, perto de Altura. Quando lá fomos, vimos como esta algarvia de 76 anos ainda as amassa à mão, conforme se viu obrigada a inventar quando o seu marido foi para a Guerra Colonial, em 1966, e ficou com a vida do avesso.

Acabou então por abrir uma pequena fábrica onde fazia dezenas de bolas à mão, sem recorrer a qualquer equipamento. Depois, foi vendê-las para as praias das redondezas, dando início, assim, a essa tradição nos areais do sul. Atualmente, o negócio cresceu e os filhos ajudam a que as bolas da Felismina continuem muito populares nas praias entre Altura e Vila Real de Santo António.

De pregão na voz

Mais a norte, na Praia do Furadouro, o casal Sónia e Miguel está à frente da marca Bolinhas.come, que nasceu da nostalgia das férias no Algarve, onde as bolas de Berlim sempre foram uma tradição nas praias.

Notando que na zona de Ovar, Torreira, Furadouro e Esmoriz esse hábito não existia, decidiram investir num negócio que levasse estes bolos que tanto apaixonam os portugueses para os areais mais frescos.

Miguel é quem as confeciona. Depois de muita experimentação, encontrou a receita ideal para fazer a diferença: óleo de qualidade, temperatura controlada e farinha selecionada para garantir uma bola leve, sequinha e sem sabor a frito, sem a inflação a sul (aqui custam uns mais justos €1,75).

Fabiana Muge é o rosto da Bolinhas.come junto dos veraneantes. Assistente social, trabalha à noite no verão para poder vender bolas de Berlim durante o dia na praia. “Isto faz-me bem. Ajudou-me a pagar o mestrado e agora as formações de que preciso na minha área. É também motivador para os meus utentes – mostro-lhes que tenho de me esforçar para alcançar os meus objetivos.”

Quando não aparece, perguntam logo pela “loirinha das bolas”. Muitos são emigrantes e ligam-lhe quando chegam a Portugal só para lhe dizerem: ‘Estamos cá!’ Ao longo da década que já leva num constante vaivém na areia, com a sua caixa pela mão, tem acumulado muitas memórias boas. A sua preferida é a do dia em que perdeu a voz devido às mudanças de temperatura e aos pregões que grita para se anunciar e o sr. Manuel, de 92 anos, que tem uma barraca na praia, lhe ofereceu um sino, dizendo-lhe: “Isto é para te ajudar na tua caminhada”. Desde então, nunca mais lhe faltou o pio. “Olha a bolinha!”

A evolução da construção em Portugal tem seguido um caminho bastante distinto em relação a outros países europeus, especialmente no que se refere à sua estrutura produtiva. Esta pode ser subdividida e analisada em dois segmentos principais: a construção nova, que envolve a criação de estruturas a partir do zero; e a reabilitação, que engloba a intervenção em edifícios já existentes, com o objetivo de melhorar o seu desempenho e/ou alterar a sua funcionalidade (como, por exemplo, em obras de alteração, reconstrução ou conservação).

Em Portugal, a reabilitação de edifícios tem representado menos de 12% da produção total do setor da construção, situando-se, portanto, cerca de quatro vezes abaixo da média da União Europeia. Esta fraca expressão do segmento, especialmente no que respeita à habitação, pode ser justificada por vários fatores, entre os quais se destacam a facilidade de acesso a financiamento para projetos de construção nova, a ausência de um mercado de arrendamento suficientemente dinâmico e competitivo, bem como o valor social tradicionalmente atribuído à propriedade imobiliária.

Não obstante, com a maior maturidade do ambiente construído e o aumento da necessidade de adaptar as construções existentes às novas exigências (de conforto, segurança e tecnologia), esta realidade tende a inverter-se.

O segmento da reabilitação em Portugal tem registado, assim, um crescimento cada vez mais significativo, que tenderá a intensificar-se com a degradação dos edifícios – estima-se que mais de 35 % dos edifícios em Portugal precisem de obras no imediato, principalmente os construídos antes de 1990 – e com as políticas públicas de intervenção no parque edificado, ao abrigo de programas municipais e concessão de benefícios fiscais e financeiros para a conservação de edifícios.

A saber, enquanto antes do ano 2000 os estímulos à reabilitação urbana eram esporádicos ou limitados às sociedades de reabilitação urbana para áreas históricas e a legislação respetiva era fragmentada, depois de 2000, especialmente com a aprovação do regime jurídico da reabilitação urbana (Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro), a reabilitação ganhou um enquadramento legal mais sólido, com regimes integrados, programas estratégicos e instrumentos fiscais específicos. Este cenário foi reforçado com a publicação, em 2014, do regime excecional e temporário para a reabilitação de edifícios (Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro) e, em 2019, com o respetivo regime definitivo (Decreto-Lei n.º 95/2019, de 18 de julho), que introduziram adaptações legislativas em áreas como a acessibilidade, segurança contra sismos e incêndios, acústica, térmica e telecomunicações.

Os desafios para a reabilitação de edifícios são, contudo, variados.

Em geral, as intervenções implicam um diagnóstico prévio, ações sobre sistemas ocultos, coordenação com o património construído e adaptações num quadro legal complexo. Fundamentalmente, as reabilitações devem ser proporcionais, obedecer a uma abordagem gradual e manter um equilíbrio custo-benefício; preservar e valorizar os elementos arquitetónicos, estéticos e socioculturais do existente; e minimizar o impacto ambiental, reutilizando componentes, valorizando materiais reciclados e reduzindo emissões e resíduos.

Deste modo, as obras de reabilitação, especialmente no caso de estruturas de alvenaria, tendem a ser mais complexas e o conhecimento técnico disponível para a sua conceção e execução é geralmente escasso.

Neste sentido, ao longo dos anos, para adaptar os edifícios a novos usos e funções têm sido cometidas várias irregularidades, aumentando a sua vulnerabilidade (e.g. em termos energéticos e contra incêndios e sismos), como a aplicação de materiais inapropriados e a eliminação de paredes ou pilares estruturais. Muitos edifícios antigos não cumprem assim também a legislação em vigor, o que pode implicar penalizações (e.g. ao nível do exercício da profissão de arquitetura e engenharia, incentivos fiscais e reputação) e, no limite, processos criminais.

Adicionalmente, os custos associados à reabilitação tendem a ser superiores aos da construção nova – geralmente entre 20% e 25% a mais por metro quadrado – e apresentam maior imprevisibilidade, em grande parte devido à escassez de mão-de-obra especializada e à complexidade técnica inerente à intervenção em edifícios antigos, frequentemente degradados ou sujeitos a proteção patrimonial. Deste modo, do ponto de vista económico, a reabilitação justifica-se sobretudo quando estão em causa a preservação da identidade urbana, a valorização do património edificado, a promoção da sustentabilidade ambiental, bem como a possibilidade de aceder a benefícios fiscais e a fundos europeus. Em contrapartida, quando os edifícios apresentam deficiências estruturais graves, riscos sísmicos ou de incêndio significativos, ou níveis muito baixos de eficiência energética, a construção nova pode revelar-se uma solução mais económica, segura e tecnicamente viável.

Posto isto, várias medidas governamentais e organizacionais podem e devem ser adotadas para incentivar à realização e boa execução de obras de reabilitação.

Ao nível governamental, destacam-se diversos mecanismos de incentivo financeiro e fiscal dirigidos a obras realizadas em zonas de reabilitação urbana e devidamente certificadas pelas autarquias. Entre estes, incluem-se o acesso a fundos estruturais, a aplicação de uma taxa de IVA reduzida (6%), isenções de IMT e IMI, bem como deduções no IRS para investimentos privados. A estas medidas juntam-se o alargamento das áreas de reabilitação sob gestão de unidades de intervenção integrada – como as sociedades de reabilitação urbana -, a simplificação de procedimentos administrativos e o apoio à certificação profissional de técnicos especializados, nomeadamente através do financiamento de formação ao abrigo de programas europeus.

Ao nível organizacional, torna-se essencial recorrer a empresas e profissionais qualificados, realizar diagnósticos e auditorias especializadas em conformidade com as normas técnicas e legais aplicáveis nas principais áreas de intervenção (tais como estruturas, segurança sísmica e contra incêndios, desempenho térmico e acústico, e sustentabilidade ambiental). Igualmente importante é fomentar a coordenação entre arquitetos, conservadores de património, entidades licenciadoras e reguladoras, bem como promover práticas de benchmarking e a divulgação de projetos de reabilitação bem-sucedidos, como forma de incentivar a replicação de boas práticas.

Neste contexto, a entrada em vigor da Diretiva Europeia 2024/1275 (EPBD – Energy Performance of Buildings Directive), concretizada em Portugal através da Estratégia de Longo Prazo para a Renovação de Edifícios (ELPRE), juntamente com a legislação nacional mais recente, como o Decreto-Lei n.º 95/2019, representa uma oportunidade estratégica para responder à crise habitacional, reduzir os riscos sísmicos e climáticos, salvaguardar o património edificado, mobilizar conhecimento técnico especializado e promover a transição da reabilitação de uma prática excecional para uma abordagem sistemática e preferencial, sempre que adequada.

Importa referir que, com mais de 1,3 milhões de edifícios – cerca de 35% do total – a necessitar de intervenção, será necessário aumentar significativamente a taxa de reabilitação, passando dos atuais 0,5% para 4% do parque edificado por ano. Só assim Portugal poderá alcançar os objetivos estratégicos definidos a nível nacional e europeu, nomeadamente nas áreas da sustentabilidade, eficiência energética e digitalização, com vista ao cumprimento das metas estabelecidas para 2050.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

O céu está carregado e a temperatura desceu um pouco. Uso o meu italiano enferrujado para perceber como estará o tempo e se preciso de ir comprar um casaco. Em menos de nada, depois de perceber que sou portuguesa, a taxista começa a falar sobre como os preços subiram e os salários estagnaram nos últimos 30 anos em Itália. Florença, diz-me, está demasiado cara, não é como a Lisboa que ela visitou há uns dez anos. Conto-lhe que essa Lisboa também já não é a mesma. O turismo, claro. Em Florença como em Lisboa. “As indústrias aqui quase desapareceram”, lamenta-se. A neta, que está de partida para uma semana de férias com os amigos em Portugal, dificilmente conseguirá comprar casa, apesar de estar na universidade.

Tenho à minha espera a casa de um conhecido de um amigo. Fica mesmo em frente ao palácio dos Medici, com janelas altas e amplas que se abrem sobre a Ponte Vecchio e me fazem acordar de manhã com os sinos da catedral. A casa, um apartamento feito num edifício de pedra que já foi um convento, era da avó. Agora, Frederico arrenda-a a turistas e, com isso, consegue uma vida desafogada, que lhe dá para passar bem os invernos quando não pode fazer os voos turísticos de balão de ar quente que são o seu trabalho de verão.

À porta de casa, no local onde antes havia uma daquelas antigas tabernas nas quais o vinho era vendido através de um orifício na parede, está uma gelataria, onde se concentram grupos de americanos rosados, procurando o frescor dos difusores de água que borrifam a entrada do estabelecimento. Por todo o lado se ouvem as pancadinhas das rodas das malas a rolar sobre as pedras e as explicações de guias turísticos ou os cânticos das excursões de católicos, numa mistura babélica de sons estranhos e de mau inglês. O cenário, feito de edifícios de pedra com centenas de anos, é bem diferente do de Lisboa, as personagens não. Em Portugal, como em Itália, os habitantes locais reduzem-se ao papel de estalajadeiros, em versão mais ou menos gentrificada.

Como durante centenas de anos apenas uns poucos conseguiram ser donos das terras na Toscana, agora os mais jovens dificilmente conseguem comprar uma casa. O problema da propriedade complica-se

O centro da cidade torna-se inabitável. Um café com leite custa €4,50, um croissant misto €6. Sentar-se em qualquer esplanada ou restaurante obriga a pagar uma taxa, que varia entre €1,50 e €2 por pessoa.

À volta, os campos da Toscana estão cheios de grandes propriedades, onde se produz sobretudo vinho e azeite. Os outros produtos, como as amêndoas ou as cerejas, já quase não se produzem. Não seria rentável. Não há quem trabalhe a terra. Um produtor de vinho queixa-se de como é difícil trabalhar com os paquistaneses que ali chegam sem saber como tratar a vinha. “É preciso explicar uma e outra vez.” Mas não há mais ninguém que ali queira trabalhar, muito menos por aquilo que os agricultores estão dispostos a pagar.

As grandes propriedades estão quase todas na mesma família, há centenas de anos. Tirando os terrenos que pertenciam à Igreja e que foram espoliados pelos franceses durante as invasões napoleónicas ou os estrangeiros ricos que foram chegando a partir dos anos 1970, as grandes quintas trocaram pouco de donos. A família Antinori estabeleceu-se ali há 600 anos e é bem o exemplo disso: há 26 gerações que produz vinhos na região de Chianti, quer com as uvas da sua propriedade, quer com as que compram aos produtores da zona.

O pai de Alberto tem quase 70 anos e toda a vida produziu uvas para os vinhos da família Antinori. Mas a vinha que trata há décadas não é sua. É de um americano rico, que lá aparece uma ou duas vezes por ano. Alberto nem sabe bem explicar o que ele faz. “Tem investimentos, fábricas. Trabalham para ele umas 25 mil pessoas em todo o mundo. É dono de quase um quarto da ilha de Santo Domingo”, diz-me, enquanto bebemos um vinho num restaurante no meio do campo aonde todos os anos vai a rainha da Holanda. Alberto já está habituado a cruzar-se com estas personagens. “Um dia, entrei ali”, diz enquanto aponta para uma casa de pedra, “e estava lá uma série de famosos, incluindo o Zuckerberg. Tutti stronzi.” Todos uns cretinos ou uns cocós, segundo as traduções.

Como durante centenas de anos apenas uns poucos conseguiram ser donos das terras na Toscana, agora os mais jovens dificilmente conseguem comprar uma casa. O problema da propriedade complica-se. Em Itália, como por cá, há um êxodo de jovens qualificados, que rumam a norte com os canudos pagos com os impostos do sul e assim desequilibram ainda mais a balança.

Um amigo que ali vive conta-me que leu há pouco uma crónica num jornal italiano na qual o pai contava como a filha, acabada de chegar a Londres para estudar, estranhou quando o dono do restaurante para onde foi trabalhar lhe ofereceu um contrato ao cabo de dois ou três dias de experiência. “Aqui é quase tudo pago em envelopes.” Muitos têm dois ou três trabalhos, mas poucos ou nenhuns descontos.

A Europa divide-se entre um norte próspero, ainda com algumas possibilidades de ascensão social e direitos sociais, e um sul que serve de recreio aos mais ricos e lhes fornece os trabalhadores de que precisam. Mas é só dar uns passos atrás para ver que a escala começa mais em baixo. Há sempre alguém mais a sul do que nós, alguém mais pobre que sonha com o norte. É tudo uma questão de perspetiva. Os de cima, temendo os de baixo, os de baixo querendo subir, numa escala que se estende pelo mundo.

E, acima de tudo isso, um punhado de gente, que não precisa de bússola, nem tem fronteiras que a trave. Os que compram herdades na Toscana ou em Santo Domingo e viajam em jatos privados, sabendo que o mundo lhes cabe no bolso. Alberto vê isto há décadas. “Se eu tenho uma casa, se tenho um punhado de terra, eu sou um problema. Fecho o portão e mando-os passear, não me interessam as regras deles. E é por isso que os jovens não vão ter casa, nem direitos, porque assim não poderão queixar-se e terão de se submeter”, conclui.

Susana, uma engenheira agrónoma italiana que já deu aulas na Dinamarca, também vê uma política pensada para criar quem não se oponha à opressão, quem não reclame direitos. “Não se investe em Educação. Temos em Itália uma falta enorme de professores e as escolas estão cada vez pior. As pessoas sem educação ficam alienadas, estão alheadas da realidade política”, queixa-se, enquanto me explica, a mim e a uma sueca, que, desde que Meloni chegou ao poder, se começou a pôr em causa o direito ao aborto. “Agora, até já se fala na possibilidade de reverter o direito ao divórcio. Não creio que vá acontecer. Mas a verdade é que antes não se falava nisso e agora sim.”

Sempre que viajo, vem-me à cabeça um poema de Fernando Pessoa: “Viajar! Perder países!” Os versos são sobre a sofreguidão de quem quer ser livre de amarras e fronteiras. Mas quando penso neles, penso sobretudo em como, a cada viagem, ganhamos a capacidade de perceber que o mundo é, afinal, muito mais igual do que parece à superfície. E que as nossas singularidades podem mesmo ser menos esdrúxulas e singulares do que nos parecem por cá. Não, amigos, isto não é só em Portugal.

A maneira como Maria da Luz Correia fala da sua “rainha” só não nos leva a comentar “incrível” porque acreditamos num amor como o dela. Mal vemos a fotografia que tirou aquela fêmea tigre, num dos muitos charcos de água do Parque Nacional Panna, no estado indiano Madhya Pradesh, percebemos quão fácil é uma pessoa apaixonar-se perdidamente por um animal selvagem – e mais ainda quando nos conta o momento em que a encontrou pela primeira vez.

Foi há um ano que Maria da Luz viu a jovem tigre deitada numas rochas, a olhá-la como se a observasse, antes de entrar na água com a elegância majestosa dos tigres-de-bengala. Por uma única vez, não usou a teleobjetiva, “uma irresponsabilidade”, admite agora, um ano depois. “Não posso contar como aconteceu, apenas dizer que não planeei, correu bem, já passou. Sei que estivemos muito perto uma da outra e que ficámos com uma ligação especial.”

A jovem tigre, nascida no Panna e descendente de animais vindos de dois outros parques, Kanha e Pench, situados também no estado Madhya Pradesh, tinha então 2 anos. Entretanto, deslocou-se uns 300 quilómetros, parando numa zona não visitável, e, como os parques não se encontram delimitados por vedações, poderá distanciar-se ainda mais.

Cresceu em Rio Tinto, onde em miúda levava para casa tudo o que era gato e cão, para quase desespero do pai. Há um pouco mais de duas décadas, viu pela primeira vez animais selvagens no seu habitat natural – e apaixonou-se. Mais recentemente, descobriu o fascínio dos tigres que não se cansa de fotografar

Graças à coleira de radiotransmissão, sabe-se por onde anda e que estará bem de saúde – e isso é quase tudo o que Maria da Luz quer ouvir. Falta telefonarem-lhe a dizer que a sua “rainha” foi avistada e logo se meterá num avião, a caminho da Índia. “Ela ainda é uma miúda e eu quero seguir um bocadinho a sua vida, vê-la com filhotes, de preferência”, diz, incapaz de disfarçar a emoção.

Abra-se um parágrafo para esclarecer que a autora de todas as imagens destas seis páginas tem, aos 54 anos, uma carreira profissional ligada à saúde, na área da administração, que corre paralela à sua paixão por animais selvagens.

O interesse de Maria da Luz por animais vem desde miúda. Em Rio Tinto, onde cresceu, levava para casa tudo o que era gato e cão da rua. O pai zangava-se um bocadinho, ela sentia que, quanto mais maltratados eles estavam, mais carinho queria dar-lhes e mais necessidade tinha de os proteger.

A primeira vez que viu um animal selvagem à sua frente, no Parque Nacional Kruger, na África do Sul, apaixonou-se redondamente. O mais cómico, recorda, é que nem queria especialmente visitar aquele conhecido parque onde se avistam com facilidade os Big Five (leões, leopardos, rinocerontes, elefantes e búfalos).

“Foi o meu marido a sugerir incluirmos o Kruger na nossa viagem a Moçambique”, recorda. “E bastou abrir-se a porta do avião, em Maputo, para o cheiro a África nunca mais sair das minhas narinas. África é a minha segunda casa.”

A estreia no Kruger foi em 2002 e, desde então, os dois viajaram por Moçambique, Botswana, Quénia, Tanzânia, Zâmbia, Uganda e Ruanda. “Em 2003, o Quénia não tinha nada que ver com o que é hoje, o turismo não estava tão massificado”, nota. “E o Uganda e o Ruanda, em 2015, foram a grande surpresa.”

Há dez anos, ainda não se falava tanto na hipótese de estar perto dos gorilas e Maria da Luz teve na sua presença uma “sensação inexplicável” que tenta explicar, a nosso pedido: “Sentimos que somos muito pequeninos e o resto é… olhar e ficar ali.”

Índia tem mais de 3 600 tigres

Hoje, Maria da Luz diz-se uma apaixonada por animais selvagens, particularmente os que estão em vias de extinção, e assim justifica dedicar-se a fotografá-los: “Sinto que devo registar para a posteridade aquilo que os meus olhos veem, que devo deixar um legado às próximas gerações, mostrar-lhes que estes animais existiram. E estou a pensar nos meus netos [tem cinco, entre os 15 e os 10 anos], apesar de esperar que ainda possam vê-los com os seus próprios olhos.”

A fotografia entrou na sua vida há muito tempo, nem sabe precisar quando, e durante anos apenas em modo automático. Até que se abalançou a fazer um curso com o fotógrafo Hugo Lima, em 2020, passando a fotografar “a sério”, manualmente, e com uma teleobjetiva no caso dos animais selvagens (exceto com a sua “rainha”, como se viu).

Depois de conhecer os Big Five, quis ver e fotografar tigres-de-bengala. Começou, então, a visitar a “Índia selvagem”, como lhe chama, que hoje ainda mantém um sabor a descoberta.

A Índia tem atualmente a maior população de tigres do mundo, embora tenha também a maior densidade humana. Segundo um estudo publicado em janeiro deste ano, na revista Science, em pouco mais de uma década a Índia duplicou o número de tigres para mais de 3 600 (o que representa 75% de todos os animais desta espécie no planeta). O mais surpreendente é que a ocupação do território por parte dos tigres aumentou 30% (2 929 quilómetros quadrados por ano) nas últimas duas décadas, coabitando hoje com cerca de 60 milhões de pessoas numa área de cerca de 138 mil km².

Isso é possível graças à proteção destes grandes felinos contra a caça furtiva e a perda de habitat, à garantia da existência de presas para a sua alimentação e à redução dos conflitos entre as pessoas e a vida selvagem – que depende muito da melhoria das condições de vida das comunidades locais, lê-se no estudo liderado por Yadvendradev Vikramsinh Jhala.

“Pensamos que as densidades humanas são prejudiciais para a conservação dos grandes carnívoros [como os tigres], mas, mais do que a densidade, é a atitude das pessoas que importa”, disse à BBC o conhecido cientista e conservacionista indiano que trabalha há mais de 20 anos no Projeto Tigre, da Autoridade Nacional de Conservação do Tigre.

“O silêncio é o melhor”

“Em 2009, descobriu-se que o Parque Nacional Panna não tinha tigres devido à caça furtiva”, acrescenta, por sua vez, Maria da Luz. “Isso levou a um grande esforço de conservação, incluindo a translocação de tigres de outras reservas para restabelecer a população, e, em 2014, nasceram os primeiros filhotes, marcando uma reintrodução bem-sucedida.”

A sua “rainha” é descendente de animais levados para o Panna, como já se escreveu. Graças ao programa, ela terá dezenas de parentes espalhados nas reservas de tigres que existem em vários parques nacionais.

Além de querer seguir a sua miúda preferida, Maria da Luz faz por captar momentos especiais dos tigres-de-bengala, sempre com a ajuda de um guia privado, o naturalista Narayana Rangaswamy, que lidera expedições há mais de 20 anos e dá formação a outros guias. Com ele, aprendeu a usar o verbo “tentar”, conta. “Nós nunca dizemos ‘Amanhã, vamos observar isto ou aquilo’, dizemos sempre que vamos tentar, porque não estamos num jardim zoológico, não é?”

Se a saída for de manhã, arrancam pelas 5h e continuam depois de as outras pessoas se irem embora, por volta das 9h da manhã. “Eu tenho paciência, consigo estar sossegada durante muito tempo”, ri-se. “E o silêncio é o melhor para os bichos aparecerem.”

Em maio, viu uma mãe a dar de mamar aos filhotes, em espaço aberto, o que foi um privilégio, porque as tigres fêmeas normalmente recolhem nessa altura para a selva. “É mesmo raro, porque elas têm de se sentir muito seguras”, sublinha, “mas também na véspera tínhamos estado dez horas à espera que isso acontecesse”.

Em dezembro, já tem planeada uma expedição aos Himalaias, em busca de leopardos-das-neves, animais que, à partida, já sabe serem difíceis de ver e de fotografar. “Eles não estão à nossa espera”, brinca. Desta vez, viajará com um fotógrafo da revista National Geographic e um dirigente de associações de proteção de animais. “Vamos fazer uma doação à população local, que tem estado sensibilizada para a sua proteção.”

Quanto à sua “rainha”, há uns dias Maria da Luz vendeu uma fotografia em grande formato dela e a sensação que teve foi: “Vou ficar sem ela…” Sabe que tem o original, mas sente que há uma parte de si que se vai embora, tal é a paixão.

Os elementos da Polícia Marítima, no local, “constataram que as pessoas apresentavam sinais de saúde débil”, tendo prestado auxílio de imediato.

O alerta foi dado pelas 20h05 e o socorro envolveu a GNR, a Proteção Civil de Vila do Bispo, o INEM e os Bombeiros voluntários de Vila do Bispo e Lagos.

A história das relações diplomáticas entre Portugal e Israel revela um intrincado jogo de hesitações, pragmatismos e cálculos geopolíticos. O “bailado diplomático” entre Lisboa e Telavive – ou, como Israel preferiria, Jerusalém – é revelador das tensões entre ideologia, interesses e alinhamentos internacionais.

Israel proclama a sua independência em 1948 e, no ano seguinte, é admitido nas Nações Unidas com o apoio da União Soviética, que seria o primeiro país de grande importância a fazê-lo. Portugal apenas ingressaria na organização em 1955, após o levantamento de um persistente veto soviético. Ainda em 1948, o recém-formado governo israelita dirige-se a Lisboa, solicitando o reconhecimento diplomático. A resposta portuguesa é o silêncio.

A razão para esta recusa não é inteiramente clara. A tese de que se trataria de uma manifestação de antissemitismo por parte do regime salazarista carece de sustentação robusta. Também não parece plausível atribuí-la a um qualquer alinhamento com Madrid. O mais provável é que Lisboa temesse represálias por parte dos países árabes, num momento em que o futuro das possessões coloniais portuguesas começava a ser objeto de crescente preocupação. A independência da Índia e os primeiros sinais de contestação em África tornavam um potencial apoio árabe um ativo diplomático relevante. O reforço da presença portuguesa em algumas capitais árabes durante este período parece confortar esta leitura.

Em 1953, perante nova insistência israelita, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português volta a negar, pelo silêncio, o reconhecimento formal. A lógica dominante é a da prudência: reconhecer Israel seria, na ótica de Lisboa, tomar partido num conflito regional em plena escalada. O imobilismo, marca distintiva da diplomacia portuguesa da época, prevalece.

No entanto, em 1954, Portugal vai autorizar a abertura de um consulado israelita em Lisboa, embora sem reciprocidade imediata. Com este gesto, cuidadosamente calibrado, Lisboa pretende dar um sinal de um reconhecimento implícito, mas não formal. A reflexão na sede diplomática portuguesa é clara: a autorização “far-se-á sem ser precedida ou seguida de qualquer forma de reconhecimento expresso, que, nas circunstâncias atuais, não seria conveniente”. Era o máximo que Lisboa estava disposta a conceder.

Apesar desta contenção, o mundo árabe não retribui com a expectável simpatia. Pelo contrário, evolui para uma posição favorável à autodeterminação dos povos coloniais, frustrando as expectativas portuguesas. A Conferência de Bandung (1955) e a emergência de uma lógica de solidariedade entre países do Sul justificam esta tendência.

Em 1959, Portugal e Israel assinam um “acordo comercial e de pagamentos”, regulando relações económicas que já vinham sendo estabelecidas. No ano anterior, depois de algum atraso na decisão de Lisboa, é finalmente acreditado o primeiro cônsul israelita na capital portuguesa. O despacho de Salazar que autoriza essa acreditação é revelador da realpolitik que orientava a política externa portuguesa: “Os países árabes não mudarão de posição quanto a nós seja qual for a decisão que tomarmos. Israel votará a favor.” A preocupação com os votos nas Nações Unidas, onde Portugal enfrentava sucessivas condenações desde 1955, tornara-se central.

A posição israelita face à política colonial portuguesa sofreu, entretanto, uma inflexão. Não tanto por desagrado com as hesitações diplomáticas de Lisboa, mas por uma tentativa de se alinhar com os processos de independência africanos, em consonância com os interesses estratégicos de Washington. Com o início das guerras coloniais portuguesas, a tensão entre os dois países agrava-se.

Em 1967, Portugal protestou informalmente contra a atribuição de bolsas de estudo por Israel a líderes independentistas das suas colónias, e denuncia a presença de armamento israelita nas mãos da FRELIMO. Nesse contexto, Lisboa chegou a invocar até a proteção concedida a judeus durante a II Guerra Mundial, numa tentativa de sublinhar a “ingratidão” israelita. É quase irónico que as ações de Aristides de Sousa Mendes, até então punidas internamente, tenham acabado por ser instrumentalizadas como argumento diplomático.

A crescente hostilidade de Israel leva Portugal a abster-se nas votações sobre o conflito israelo-árabe nas Nações Unidas, numa tentativa – quiçá ingénua – de mitigar a animosidade israelita. Em 1973, durante a guerra do Yom Kippur, os Estados Unidos utilizam a base das Lajes para abastecer Israel. A reação do mundo árabe foi imediata: um embargo petrolífero é decretado contra Portugal. A decisão acabava por ser injusta: Portugal tinha agido sob pressão de um insuperável diktat americano.

E chegou o 25 de Abril de 1974. A transição para a democracia abriu novos capítulos na política externa portuguesa, cujos contornos nas relações com Israel serão abordados num artigo na próxima semana.

A Meta, dona de plataformas como o Facebook, o WhatsApp ou o Instagram, anunciou uma série de novas funcionalidades, mas há uma que está a levantar sérias questões sobre a privacidade dos utilizadores: o “Instagram Map” que permite descobrir novos conteúdos a partir da localização mais recente de amigos e criadores favoritos.

A partilha de localização está desativada por predefinição, o que significa que o mapa só irá mostrar a localização dos utilizadores que a tenham ativado, mas não o fará em tempo real, sendo atualizado sempre que a aplicação for aberta.

A rede social já explicou que a ativação desta função requer uma dupla verificação do consentimento, o que significa que, depois de os utilizadores optarem por partilhar a sua localização, a aplicação confirma se os utilizadores estão de acordo com os termos definidos.

“Estamos a rever tudo duas vezes, mas até agora parece que a maioria das pessoas está confusa e assume que, como podem ver-se no mapa quando o abrem, outras pessoas também podem vê-las”, informou o responsável da rede social, Adam Mosseri, citado pela Europa Press. Contudo, segundo a agência de notícias, desativar a localização tanto na aplicação como no dispositivo não fazia com que os utilizadores desaparecessem do mapa.

Além disso, à semelhança do TikTok, a rede social da Meta irá agora possibilitar a republicação de “reels” (vídeos curtos) e publicações, desde que tenham sido partilhados publicamente, tendo um separador próprio para o efeito, de forma a alcançar mais pessoas.

Passavam exatamente 15 minutos das oito da manhã do dia 6 de agosto de 1945, quando um bombardeiro B-29, acompanhado por mais duas aeronaves, sobrevoou a cidade japonesa de Hiroxima. A presença de apenas um bombardeiro com aquelas características não foi considerada suficiente para os militares nipónicos fazerem soar o alarme. Aliás, a maioria da população tinha acabado de sair dos abrigos, depois de, algumas horas antes, terem tocado repetidamente as sirenes, sempre que os radares detetavam esquadrões com dezenas e centenas de aviões. Afinal, nesse dia o mundo descobriu que bastavam uma aeronave e uma única bomba para espalhar a morte, a destruição e, ainda por cima, deixar sequelas para as gerações seguintes.

Sem aviso, o mundo entrava assim numa nova era: a do medo existencial da aniquilação nuclear.

Na verdade, a era nuclear tinha-se iniciado, sob grande secretismo, algumas semanas antes, a 16 de julho, quando os cientistas do Projeto Manhattan, liderados por J. Robert Oppenheimer, fizeram deflagrar uma bomba de implosão de plutónio, do mesmo tipo que, a 9 de agosto, matou instantaneamente perto de 100 mil pessoas em Nagasaki.

Desde aquele verão em Hiroxima e Nagasaki, passaram 80 anos. Oito décadas em que o mundo mudou de forma acelerada, a geopolítica transformou-se, a tecnologia alcançou patamares inimagináveis, a informação tornou-se tão rápida quanto global e os ciclos políticos continuam a alternar entre a euforia e o descontentamento. Algo, no entanto, permanece igual: a ameaça da destruição total, provocada pelo lançamento de uma ogiva nuclear que, em poucos segundos, desencadeie uma reação em cadeia, em qualquer lado.

Logo após Hiroxima, iniciaram-se os testes com bombas atómicas cada vez mais potentes. Dos desertos do Nevada aos atóis do Pacífico, passando pelas estepes do Cazaquistão e pelos confins da Sibéria, bem como na Índia e no Paquistão, foram realizados mais de dois mil ensaios nucleares até ao fim do século XX. E, já neste século, o mundo descobriu que a Coreia do Norte também já tinha a “bomba” e, ainda por cima, a capacidade de a fazer detonar muito longe das suas fronteiras. Cada explosão, mesmo em ensaios controlados, foi um lembrete de que o fim do mundo pode ser um ato deliberado de alguém, com acesso aos códigos de lançamento.

Vivemos, hoje, numa era em que a ameaça nuclear ressurge com força. Sempre que estala mais uma escaramuça entre a Índia e o Paquistão, há alarmes a soar. Bem como em relação ao Irão e a uma possível resposta de Israel. Ao mesmo tempo, desde a invasão da Ucrânia, Vladimir Putin tem aproveitado para, nos momentos mais quentes, recordar ao mundo a força do seu arsenal nuclear. Algo semelhante ao que fez agora Donald Trump ao ordenar as manobras de dois submarinos armados com ogivas para as proximidades da Rússia.

Algo, no entanto, sabemos todos há 80 anos: se as armas nucleares voltarem a ser usadas, como em Hiroxima e Nagasaki, desta vez ninguém ira celebrar a vitória. Seremos todos, enquanto Humanidade, derrotados.

Trinity Test – 1945
O princípio do fim?

A primeira explosão nuclear ocorreu a 16 de julho de 1945, num local desértico a 340 quilómetros a sul de Los Alamos, Novo México, EUA. Os cientistas do Projeto Manhattan, fizeram içar ao topo de uma torre de 30 metros um dispositivo de plutónio, chamado Gadget, que detonou precisamente às 5h30 da manhã, libertando cerca 20 quilotoneladas de TNT, vaporizando instantaneamente a torre e transformando o asfalto e a areia ao redor em vidro verde. A onda de choque foi sentida a mais de 160 km, tendo o cogumelo atómico chegado aos 12 km de altura. Três anos depois, numa entrevista à revista Time, J. Robert Oppenheimer, cientista líder do projeto, disse que depois do teste Trinity lembrou-se de uma passagem da escritura hindu, o Bhagavad-Gita: “Agora tornei-me a morte, a destruidora de mundos.”

Operação Crossroads – 1946
Mostrar ao mundo o poder destruidor

Série de testes de armas nucleares conduzidos pelos EUA no atol de Bikini, nas ilhas Marshall, em 1946, destinados a investigar o efeito em navios de guerra. Foram os primeiros testes a ser anunciados publicamente com antecedência e observados por um público convidado, que incluía muitos membros da comunicação social. As fotografias publicadas na revista Life mostraram ao mundo o verdadeiro efeito destruidor de uma bomba atómica.

Na primeira explosão, com o nome Able, a bomba errou o alvo por 800 metros, mas ainda afundou cinco navios da frota-alvo, que foi colocada no local. A radiação gerada pela bola de fogo teve um efeito significativo em muitos dos porcos, cabras e outros animais que estavam nos navios em redor. Na avaliação do Boletim dos Cientistas Atómicos, “um navio grande, a cerca de 1,6 km da explosão, escaparia do naufrágio, mas a sua tripulação seria morta pela explosão mortal de radiação da bomba, e apenas um navio-fantasma permaneceria, flutuando sem supervisão, nas vastas águas do oceano”.

Com a Operação Crossroads e os testes subsequentes, os EUA realizaram um total de 23 explosões nucleares em Bikini entre 1946 e 1958. Os antigos moradores, que tinham sido deslocados para o atol de Rongerik, a cerca de 200 quilómetros de distância, foram autorizados a regressar no início da década de 1970, mas foram novamente evacuados em 1978, devido aos altos níveis residuais de radiação. Em 1997, a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) declarou que as ilhas do atol de Bikini “não deveriam ser habitadas permanentemente nas atuais condições radiológicas”. O povo de Bikini nunca mais voltou ao atol, espalhando-se pelas outras ilhas do arquipélago Marshall e a maior parte imigrou para os EUA. Com as alterações climáticas e a subida do nível da água do mar, as ilhas Marshall estão em risco de desaparecer.

Operação Plumbbob – 1957
Perigo de radiação

Durante cerca de quatro meses e meio, entre 28 de maio e 7 de outubro de 1957, os EUA realizaram 29 testes nucleares no deserto do Nevada, libertando enormes quantidades de radiação para a atmosfera e para a região. Foi a maior e mais controversa série de testes nucleares alguma vez realizada no território continental dos Estados Unidos. As bombas atómicas foram detonadas em balões e em torres, mas também foi feita a primeira explosão subterrânea. Tudo fez parte de um estudo sobre os efeitos das explosões nucleares em estruturas, pessoas e animais. Cerca de 16 000 soldados americanos foram expostos.

Embora a maioria dos disparos realizados durante o Plumbbob visasse testar princípios de projeto para ogivas nucleares que seriam montadas em mísseis intercontinentais e de médio alcance, ogivas com menor poder de fogo também foram testadas para desenvolver e aprimorar sistemas de defesa aérea e armas antissubmarino.

Para estudar os efeitos da radiação, mais de 1 200 porcos foram submetidos a experiências biomédicas. Durante um dos testes, os porcos foram colocados em gaiolas e equipados com trajes feitos com diferentes materiais para testar quais ofereciam a melhor proteção. Embora a maioria dos animais tenha sobrevivido, muitos sofreram queimaduras de terceiro grau em 80% do corpo.

Documentos entretanto desclassificados revelaram que, durante os testes, mais de três mil militares foram expostos a níveis relativamente altos de radiação. Uma pesquisa com esses militares em 1980 encontrou taxas significativamente elevadas de leucemia.

Tsar Bomba – 1961
O grande estrondo soviético

Em outubro de 1961, a União Soviética lançou a bomba nuclear mais poderosa da História sobre uma ilha remota ao norte do Círculo Polar Ártico. Embora a sua detonação tenha ocorrido a quatro quilómetros de altitude, a onda de choque deixou a ilha completamente lisa. O clarão foi visto a mais de 965 km de distância e o calor foi sentido a 250 km.

“Na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional de hoje, que considerou inconstitucionais cinco disposições do diploma que submetera a fiscalização preventiva da constitucionalidade, o Presidente da República vai devolver à Assembleia da República, sem promulgação, nos termos do n.º 1 do artigo 279.º da Constituição, o Decreto da Assembleia da República que altera a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional”, lê-se numa nota oficial.

A decisão de Marcelo Rebelo de Sousa foi conhecida minutos depois de os juízes do Palácio Ratton terem anunciado o chumbo de cinco normas do decreto do parlamento que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.

A decisão do TC surge na sequência de um pedido do Presidente da República de fiscalização preventiva da constitucionalidade de sete normas deste decreto em 24 de julho.

O decreto foi aprovado em 16 de julho na Assembleia da República, com os votos favoráveis de PSD, Chega e CDS-PP, abstenção da IL e votos contra de PS, Livre, PCP, BE, PAN e JPP.

O diploma foi criticado por quase todos os partidos, com exceção de PSD, Chega e CDS-PP, com vários a considerarem-no inconstitucional e a criticarem a forma como o processo legislativo decorreu, sem ouvir associações de imigrantes ou constitucionalistas e com a ausência de pareces obrigatórios.

No requerimento enviado ao TC, Marcelo Rebelo de Sousa pedia a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas sobre direito ao reagrupamento familiar e condições para o seu exercício, sobre o prazo para apreciação de pedidos pela Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) e o direito de recurso.

Das sete normas para que o Presidente tinha pedido a fiscalização da constitucionalidade, o TC só não considerou inconstitucionais duas.

Entre as normas chumbadas, estão várias relativas ao reagrupamento familiar, designadamente a que prevê que cidadãos estrangeiros com autorização de residência válida e que residem legalmente em Portugal têm direito ao reagrupamento familiar apenas com membros da sua família menores de idade, desde que estes tenham entrado legalmente em Portugal e residam no país.

O presidente do TC, José João Abrantes, salientou que esta norma, “ao não incluir o cônjuge ou equiparado, pode impor a desagregação da família” e pode conduzir “à separação dos membros da família constituída desse cidadão estrangeiro”, o que disse traduzir-se numa violação de direitos constitucionais.

Da mesma forma, o presidente do TC disse ser inconstitucional outra norma do decreto que prevê que um cidadão, para pedir o reagrupamento familiar de membros da família que se encontrem no estrangeiro, tenha de residir legalmente no país há pelo menos dois anos.

José João Abrantes frisou que “a imposição de um prazo absoluto, isto é, de um prazo cego de dois anos”, é “incompatível com a proteção constitucionalmente devida à família, em particular à convivência dos cônjuges ou equiparados entre si”.

No entanto, o TC considerou constitucional a norma do decreto que estabelece que quem é titular de certas autorizações de residência, por atividade docente, de investimento ou cultural, tem direito “ao reagrupamento familiar com membros da família”, mesmo que não sejam menores, como sucede com outras autorizações de residência, o que o Presidente da República considerou potencialmente discriminatório.

O presidente do TC considerou que esta norma “não se afigura desproporcionada nem discriminatória” relativamente ao artigo da Constituição que prevê que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.


A Segurança Social paga esta sexta-feira as pensões de agosto por transferência bancária ou por vale de correio já de acordo com as novas taxas de retenção na fonte do IRS. Com o desagravamento fiscal, o montante líquido da pensão será superior ao dos primeiros sete meses do ano. Não se trata de um aumento do valor pago mas sim do resultado do menor desconto para o IRS.

Para refletir a descida das taxas do IRS do 1.º ao 8.º escalão aprovada em julho pelo parlamento, o Governo adaptou as tabelas de retenção na fonte, reduzindo as taxas que incidem mensalmente sobre os rendimentos pagos pela Segurança Social e pela Caixa Geral de Aposentações (CGA), que só entrega as pensões dia 19 de agosto.

Em agosto e setembro, as taxas são especialmente mais baixas, para compensar o facto de a cobrança do IRS nos primeiros sete meses do ano ter sido efetuada com base na versão dos escalões do IRS anterior à descida aprovada em julho na Assembleia da República. Nestes dois meses, alguns pensionistas terão uma retenção de 0 por cento. Quem recebe uma pensão bruta até 1.116 euros – um pensionista solteiro ou um pensionista que é casado com alguém que também aufere rendimentos – não irá entregar qualquer quantia de IRS, porque a tabela prevê uma isenção (uma taxa de 0%). Com isso, a pensão a receber na conta bancária será igual ao valor bruto.

Só haverá IRS a entregar pelos pensionistas que recebem mais de 1.116 euros brutos e, nos valores imediatamente acima dessa banda de rendimentos, a taxa continua a ser próxima de 0% ou inferior a 1%, como mostram simulações realizadas pela consultora PwC para a Lusa.


As pensões entre 1.117 euros e 1.581 euros vão reter menos de 10 euros de IRS em cada um destes dois meses.

Em setembro, adicionalmente ao valor da pensão do mês, os pensionistas que recebem até 1.567,5 euros brutos receberão um suplemento extraordinário que varia entre 100 e 200 euros. Embora conte para o cálculo anual do IRS, pois é considerado rendimento categoria H, o suplemento estará isento de retenção na fonte, porque o Governo decidiu consagrar uma isenção expressamente no decreto-lei que criou este pagamento extraordinário.

Nos meses de outubro, novembro e dezembro, as taxas de retenção mensais serão mais altas do que as de agosto e setembro, mas mais baixas do que as que se aplicaram de janeiro a julho.

Simulações da PwC citadas pela Lusa mostram que as novas tabelas vão, em regra, reduzir os reembolsos ou aumentar o valor a entregar pelos contribuintes na hora do acerto do imposto em 2026, já considerando as três versões das retenções.