Abrimos as portadas do quarto com varanda e a Natureza envolve-nos com o mais generoso dos bons-dias. Havíamos chegado durante a noite ao Senhora da Rosa, na Fajã de Baixo, a quatro quilómetros de Ponta Delgada, e apesar de a decoração do hotel ser uma imersão na sustentabilidade e nas memórias da família de Joana Damião Melo, é com a luz do dia que a ilha de São Miguel melhor nos abraça.  

Deixamos para mais tarde o banho no tanque da estufa de ananás (um luxo), a aula de ioga ou de Pilates, e pomos pés ao caminho pelos três hectares desta quinta do século XVIII. A somar aos ananases, há outros frutos (bananas, laranjas, anonas, goiabas…) que amadurecem entre fetos, funchos, catos, canas de bambu, inhames e uma gigante araucária.

Além dos 33 quartos e suítes no edifício principal, aberto em 2021 (foi uma estalagem nos anos 90, do pai de Joana), o Senhora da Rosa tem dois refúgios de madeira escondidos entre a vegetação (o Cafuão e o Granel, com banheiras ao ar livre na varanda), inspirados nos cafuões onde se guardavam os cereais. Uma das novidades são os jantares aqui servidos pelo chefe Duarte Rodrigues, do Magma. O restaurante do hotel tem, aliás, nova carta com receitas típicas: risotto de lapas, pastéis de massa tenra, pica-pau de moreia, chicharrinhos casados, atum braseado com molho de vilão… Tudo fresco e do mar, como a cozinha asiática do Mirante Rooftop, agora com Pedro Rosa ao leme.  

Retomamos o caminho ao ritmo dos pingos de chuva. Cheira a terra molhada, a funcho e a lavanda. Mais adiante, no Spa Musgo, serão precisamente esses os aromas de óleos essenciais (feitos na ilha pela Essentia Azorica) que elegemos na massagem de relaxamento com vista para o verde. Não fosse a terapeuta ter-nos chamado ao ouvido, a sugerir um chá, e tínhamos adormecido ao som do chilrear dos pássaros. Abençoado lugar!

O Spa Musgo está imerso na natureza da quinta

Senhora da Rosa Tradition & Nature Hotel > R. Senhora da Rosa, 3, Fajã de Baixo, Ponta Delgada > T. 296 100 900 > A partir €150 (quartos), €280 (cafuões) 

Aqui à volta 

Centro de Interpretação da Cultura do Ananás Aberto desde 2016, na freguesia com o maior número de estufas de S. Miguel, ajuda a perceber a produção do fruto (demora 18 a 24 meses) e o seu contexto histórico (desde 1864, era exportado quinzenalmente para Portugal e principais cidades da Europa). Um documentário de João Pedro Botelho completa a visita. R. Direita, 124, Fajã de Baixo > seg-dom 9h30-12h30, 13h30-17h > grátis  

Vita Azores Tours A partir do centro de Ponta Delgada, a empresa nascida em 2023 organiza circuitos guiados de buggy e moto 4 pela Lagoa das Sete Cidades e pela Ribeira Grande. T.  91 375 3104 > a partir €69/pessoa, duração quatro horas 

The Gin Library Fundado pelo britânico Ali Bullock, o bar é considerado a maior biblioteca de gin na Europa, com uma coleção de 1 746 garrafas. A visita inclui prova (€15). Livramento, Ponta Delgada > T. 91 907 7260 

É com um sorriso que Pepetela nota a coincidência: o personagem principal do seu novo romance também é reformado, condição que o escritor, nascido em 1941, já goza há algum tempo. E essa ligação, numa narrativa que defende que tudo está em comunicação, é mais um sinal de como a sua escrita sempre espelhou as suas circunstâncias.

Com uma das obras mais marcantes da literatura angolana e da língua portuguesa, Pepetela já nos deu, em mais de 20 obras, a luta pela resistência, a construção de um novo país, a guerra civil, os hábitos e os costumes em transformação. Em Tudo-Está-Ligado regressa a um tema a que tem dado especial atenção: o mundo rural, os vários reinos do país, nomeadamente os do Planalto Central de Angola, e as muitas escolhas que os próprios angolanos podem fazer para o seu futuro.

Tudo-Está-Ligado é uma narrativa com muitas viagens ao passado e com vários (des)encontros, incluindo amorosos, protagonizados por um major que depôs as armas (Santiago) e uma bancária a contas com a vida (Ofeka).

Isto anda tudo ligado, como sugere o título do seu novo romance e se diz tantas vezes?

Não há como fugir a essa ideia. Vemos em diversas situações, com as pessoas (mesmo as que não se conhecem) e no mundo em geral: tudo está ligado a tudo, tudo tem influência sobre tudo. Mas não parti para o romance com essa ideia, ela só surgiu no decorrer da escrita.

É também essa sua experiência pessoal, para lá das notícias que vamos tendo de ligações no mundo?

Muitas vezes, sim. Há sempre uma ligação, embora por vezes seja muito ténue. E, em outras situações, não se encontra nenhuma, pois o mundo é vasto e muito povoado. Talvez seja até o mais comum, mas inevitavelmente valorizamos o que se liga.

Escrever um romance é estar sempre à procura do que nos liga a tudo?

Também, embora aqui tudo dependa do tipo de escritor. Há aqueles que gostam de planear bem o que vão escrever e outros, como eu, que não sabem para onde vão. Pode haver uma ideia, uma imagem, uma personagem (ou a aparência de uma) ou uma música e mais nada.

Muitas vezes ponho-me simplesmente a teclar no computador, completamente à toa, até que surge uma palavra que desencadeia tudo. A situação muda quando se quer tratar determinado tema ou período histórico. Aí não se pode confiar apenas no que poderá surgir sem qualquer procura. É preciso investigar.

No caso de Tudo-Está-Ligado, qual foi o seu ponto de partida?

Queria tratar a história e os mitos (com variadíssimas versões) da origem do estado Kyaka, mais conhecido como Tchiyaka, alguns associados a determinadas pedras e elevações, como há muitas no Planalto Central de Angola. Quando me interessei pelo assunto, há muito tempo, li os estudos e a tese de doutoramento de Mesquitela Lima, a que agora regressei. Enquanto andava às voltas com este universo, surgiram-me as personagens: Santiago e Ofeka.

O que o interessou nos Tchiyaka?

Em parte, porque nasci em Benguela, que tinha alguma ligação a todos os reinos do Planalto Central, embora seja uma cidade junto ao mar. Na verdade, ao longo da sua história, muitos tchiyakas acabaram por vir trabalhar para Benguela, primeiro como escravos, depois como contratados (uma escravatura encoberta).

Havia também rotas e caravanas que atravessavam os seus territórios e que passavam por Benguela. Estas múltiplas ligações permitiram-me criar uma família com raízes nessa região. Foi este o meu ponto de partida. Mas rapidamente percebi que a ação devia decorrer no tempo atual e regressar, de vez em quando, ao passado.

Ao abordar a história dos Tchiyaka, o romance aborda a sabedoria, por vezes ameaçada, das sociedades rurais. Numa época de cidades cada vez maiores, é preciso uma especial atenção ao mundo rural?

Sem dúvida. Essa é uma preocupação antiga, desde os tempos em que tive contacto com sociedades muito afastadas das cidades e da influência europeia, nomeadamente a portuguesa, ao nível da cultura e da língua. Nesses contactos, observei uma série de tradições que desapareceram completamente das sociedades urbanas.

Quer dar um exemplo?

Assim de repente, lembro-me da escrita de As Aventuras de Ngunga. Na altura, queria ter uma passagem numa língua do leste de Angola. E ao pedir ajuda para a traduzir, disse ao tradutor que a personagem principal era órfã, ao que ele me respondeu que não havia palavra para isso (acabou por ficar: não tinha pai, nem mãe que o fez nascer).

Em algumas destas sociedades não existe a ideia de órfão. Se os pais de uma criança morrem, são rapidamente substituídos por alguém da comunidade. Os seus pais são os parentes que vivem com ele. Mas hoje suspeito que o conceito de orfandade já deve ter sido assumido…

Sabendo que o futuro vai ter cidades cada vez maiores, teme pelo muito que se perderá?

Sim, sim. Neste romance aborda-se a possibilidade de se escolher a sociedade em que se quer viver, defendendo influências de outras terras. No fundo, é a antiga reivindicação que pede tempo para os africanos poderem pensar no que querem ser. É por isso que algumas personagens deste romance lutam.

Neste romance aborda-se a possibilidade de se escolher a sociedade em que se quer viver, defendendo influências de outras terras. No fundo, é a antiga reivindicação que pede tempo para os africanos poderem pensar no que querem ser

pepetela

Porque em muitos casos são sempre forçados a ter de copiar uma parte ou a totalidade de determinados sistemas sociais, económicos ou políticos. Por que razão é que isto acontece? Lá está: porque está tudo ligado, para o bem e para o mal. Mas estes são pensamentos que, como disse, surgiram no decorrer do romance.

Foi a personagem de Santiago, um antigo militar reformado, que fez o romance avançar, ligando ideias soltas?

Completamente. Já era altura de ter como personagem principal um reformado, como eu [risos].  Mais tarde escolhi que fosse um militar, que tivesse um acidente e regressasse à sua terra natal. Mas tudo começou pelo nome, lembrando-me do Hemingway e do seu O Velho e o Mar. A partir daí, foi jogar aos dados com tudo o que estava em cima da mesa.

Sublinhou a coincidência de ser reformado a escrever sobre um reformado. Pode dizer-se que os seus romances têm espelhado, de uma forma mais próxima ou mais distante (no primeiro plano ou em pano de fundo, numa personagem ou num pormenor), as circunstâncias da sua vida, desde a luta pela Independência até à atualidade, passando pela construção de um novo país?

Sim, claro. São passados tão fortes que podem imiscuir-se numa história. Na maior parte das vezes, não tenho essa intenção, mas as coincidências mais ou menos óbvias surgem, tal como outros interesses que tenho de ordem social. Forçosamente, estas coisas acabam por aparecer e eu digo: ainda bem. 

O Santiago também nasceu em Benguela…

É verdade. Regressa a casa para fechar o círculo. É nessa decisão que se vê como não coincidimos em tudo [risos]. Nunca consegui voltar a viver em Benguela e tentei várias vezes. A vida nunca me puxou para lá, mas para fora, para Luanda ou para as outras cidades em que vivi durante períodos mais pequenos. Talvez tenha sido essa saudade que me levou a escrever com Benguela e os Tchiyaka.

Em contraponto a Santiago, Ofeka representa o lado menos conhecido de Angola, a ligação (pela avó) às tradições ancestrais?

Num certo sentido, sim. Tenho encontrado até muitas obras que tratam deste assunto, sobretudo na ligação entre tradição e religião e na antiga questão da vida e do seu continuar depois da morte. De uma forma ou de outra, todos os angolanos têm essa preocupação, o que pode envolver religião, crenças, misticismos ou poderes sobrenaturais. Por isso, um romance que recua mais no tempo acaba sempre por abordar este tipo de questões.

A nível amoroso, as personagens deste romance também estão todas ligadas. Continua a interessar-lhe uma certa crónica social e de costumes, mais antigos ou contemporâneos?

É inescapável. Alguns aspetos podem até chocar alguns leitores, por serem pouco comuns ou por serem mal vistos numa sociedade que ainda é bastante patriarcal e machista. Neste sentido, Ofeka é uma mulher livre.

Tudo-Está-Ligado – Dom Quixote, 416 pp., 21,10 euros

Não publicava um romance há seis anos…

Depois de lançar Sua Excelência, de Corpo Presente, passei por uma fase em que não me apetecia escrever nada, apesar de ter sempre muitas ideias. E como escrever é sempre sinónimo de prazer, não apressei as coisas. Depois, quando a necessidade da escrita surgiu, veio a pandemia…

Muitos escritores não conseguiram escrever durante a pandemia.

Pois, eu também passei por essa dificuldade. Era como se estivéssemos demasiado isolados do mundo. Escrever, naquelas circunstâncias, reforçava e duplicava o isolamento. Com esse sentimento, foi difícil retomar a escrita mais tarde. Mas quando senti que já tinha passado demasiado tempo, disse: não posso adiar mais. Felizmente, as ideias ligaram-se naturalmente.

O escritor José Eduardo Agualusa também acaba de publicar um romance passado no Planalto Central de Angola, Mestre dos Batuques, próximo do ambiente de Tudo-Está-Ligado. Angola ainda tem muitas histórias e geografias para contar?

Angola tem centenas de microcosmos. E há regiões pouco tratadas ao nível do romance, sobretudo a parte oriental. O mesmo, diga-se, acontece no sul e no norte. É por isso natural que surjam mais histórias. Conheço muita gente dotada para o fazer, mas a concentração de histórias em Luanda é fácil de explicar: a maior parte dos escritores vive lá.

Mudar de região é entrar em realidades muito diferentes?

Em muitos casos, sim. Cabinda, por exemplo, é um mundo à parte. No sul, somos dominados pela floresta equatorial até ao deserto. Também no sul, ainda há populações nómadas até à Zâmbia. A colonização também teve impactos diversos, havendo regiões que praticamente não foram tocadas, exceptuando um ou outro comerciante. É uma variedade cultural extremamente rica.

A caminho dos 50 anos da Independência de Angola, podemos afirmar que o romance, ao revelar essa diversidade cultural, tem feito, em muitas circunstâncias, as vezes dos historiadores, dos antropólogos ou dos sociólogos?

Houve um momento, de facto, em que só o romance desempenhava esse papel, aprofundado a ligação das pessoas ao seu país. Hoje, o contexto é diferente. Felizmente, há académicos com muito trabalho desenvolvido, mesmo quando enfrentam dificuldades ou escassez de meios. O escritor já não precisa de sentir essa urgência, mas pode continuar a chamar a atenção para um nome esquecido na História ou para outro aspeto qualquer. Mas uma coisa é certa: o romancista modifica sempre as coisas, não se pode tomar por verdade absoluta o que está nas suas ficções.

No seu caso, sentiu a missão de contribuir, com os seus romances, para a construção de um país?

Foi a minha contribuição. Muitos fizeram muito, de outra maneira. A minha passou pela literatura. Mas nem sempre tive isso em mente. Foram contributos para a tal reflexão que todos temos de fazer no sentido de definirmos o que queremos ser.

A literatura como fonte de debate, dando voz a quem não a tem?

É um dos papéis da literatura. Não é necessariamente o único, nem obrigatório. Mas é um papel que a literatura tem vindo a desempenhar desde que surgiu.

Deverá também a literatura desafiar poderes, ideias feitas, olhares exteriores?

Todos os cidadãos têm um dever de participação na sociedade. Um deles pode ser o de chamar a atenção para determinadas coisas. Não é propor soluções para problemas que existem, mas pelo menos dizer que eles existem. A ficção tem a vantagem de tocar nos problemas ao mesmo tempo que convoca emoções e empatia. Nesse sentido, acredito que os escritores, como outros artistas, têm um papel social.

Todos os cidadãos têm um dever de participação na sociedade. Não é propor soluções para problemas que existem, mas pelo menos dizer que eles existem. A ficção tem a vantagem de tocar nos problemas ao mesmo tempo que convoca emoções e empatia

pepetela

Palavras-chave:

A principal linha de smartphones da TCL tem um novo modelo. Além das especificações melhoradas, vem com um ecrã e funcionalidades que tornam a experiência de leitura mais confortável para os olhos. Será o TCL 50 Pro Nxtpaper um bom investimento?

Assim que pegamos neste smartphone, percebemos que é diferente. O ecrã tem um acabamento fosco, que torna os conteúdos visualmente menos impactantes (as cores perdem um pouco de intensidade e os conteúdos alguma nitidez), mas que acaba por ter duas vantagens para os utilizadores que passam muito tempo a ver conteúdos no smartphone. Por um lado, é menos agressivo para os olhos, pois o nível de intensidade do brilho não é tão forte. Por outro, esta tipologia de ecrã elimina também grande parte dos reflexos oriundos das luzes à nossa volta, o que torna a experiência de visualização mais confortável. O objetivo da marca é claro – aproximar o smartphone dos leitores de livros eletrónicos (e-readers).

Para isso, a marca inclui, na lateral direita do equipamento, um botão que funciona como atalho para perfis de imagem que tornam o ecrã monocromático. O que se aproxima mais da de um leitor de um e-reader é o modo Máxima Tinta, que simula com um bom nível de eficácia a tinta eletrónica de outros dispositivos. No entanto, nota-se que os tons escuros não são tão profundos e que aquela iluminação de fundo típica dos smartphones ainda lá está. Além disso, neste modo agora referido, o smartphone também limita o acesso a notificações e ‘esconde’ algumas apps, para que o utilizador possa ter uma utilização livre de distrações. Já o modo Papel de Impressão assume um perfil monocromático, mas mantém a mesma interface. Por fim, o modo Papel Colorido reduz substancialmente a saturação e intensidade das cores, mas mantendo algumas tonalidades, quase como se fosse um e-reader a cores.

A parte mais gratificante destas trocas é vermos uma animação, no ecrã, que se vai espalhando lentamente pelo painel quando ativamos estes modos, o que dá um aspeto quase orgânico a esta operação.

No entanto, há uma ressalva importante a fazer. Apesar de o ecrã Nxtpaper funcionar muito bem quando estamos em casa ou no escritório, quando estamos na rua e com luz solar direta, torna-se muito difícil conseguirmos ver o que está no ecrã, sobretudo em situações nas quais o smartphone não está imediatamente à frente aos nossos olhos, como quando tentamos captar uma foto de um ângulo diferente. Outro elemento a considerar é que esta tipologia de ecrã tira alguma espetacularidade ao efeito de fluidez visual quando ativamos a taxa de 120 Hz. 

Uma das novidades do modelo Pro face aos outros TCL 50 é a integração de uma câmara principal de 108 megapíxeis. Se é verdade que não ficamos espantados com o nível de detalhe (seria de esperar muito mais definição e elementos num sensor com tantos píxeis), reconhecemos que a grande vantagem deste sensor está na versatilidade que traz ao smartphone. Por exemplo, podemos aplicar um zoom digital de 3x e captar fotografias de pormenor de boa qualidade (este modo funciona melhor do que o próprio modo supermacro do smartphone). Outro elemento que surpreendeu pela positiva na câmara principal é o efeito de desfoque progressivo, o que ajuda a captar retratos e outras imagens com um aspeto mais natural. Já as cores são convincentes, enquanto os contrastes deviam reter mais detalhe.

Apesar da experiência globalmente positiva com a câmara principal, o mesmo não pode ser dito das outras três câmaras (macro, ultra grande angular e selfie), com os resultados a deixarem a desejar sobretudo no capítulo da nitidez dos objetos fotografados.

TCL 50 Pro Nxtpaper: Truques na manga

No capítulo do desempenho, sendo competente para aquelas que são as principais tarefas do dia-a-dia (notícias, redes sociais, apps bancárias, entre outras), também é justo dizer que a experiência não é a mais rápida e polida das que já experimentamos, mas não nos parece desajustada para um smartphone deste nível de preço. Uma área na qual não deve esperar grandes ‘aventuras’ é nos jogos para smartphones.

Conseguimos jogar aplicações mais casuais como Lumber Inc e TopHeroes sem problemas, mas em jogos mais exigentes, como Diablo Immortal, estamos limitados a jogar nas definições gráficas mais baixas. Talvez pelo processador mais modesto, conseguimos no nosso teste intensivo mais de 13 horas de autonomia, o que significa que poderá usar este dispositivo até um dia e meio longe da tomada com uma utilização não muito intensiva de vídeo, jogos ou notificações.

Talvez não esperasse ler isto numa análise a um smartphone de gama média da TCL, mas um elemento que surpreendeu pela positiva foram… as funcionalidades de IA. Em vez de serem focadas na fotografia (o que provavelmente exigiria maior capacidade de processamento), são focados na geração de texto. E sabe que mais? São úteis e bem implementadas. Uma destas funcionalidades é um assistente de texto chamado “Ajude-me a escrever”. Basta passarmos três dedos para cima no ecrã para ‘ativar’ o assistente, que nos ajuda a escrever e-mails, planear eventos, fazer convites ou anotações para reuniões. Não gostou do texto gerado? Então basta pedir para que seja mais curto ou longo, mais profissional ou casual.

A outra função é a “Extração de texto para IA”. Imagine, por exemplo, que está a ler uma notícia em inglês e não percebe bem uma frase ou um parágrafo – basta selecioná-lo e arrastá-lo para a parte inferior do ecrã para ser traduzido automaticamente. Também podemos fazer um resumo ou pedir para que aquela mesma ideia seja reescrita de forma diferente. Mais uma vez, muito bem implementado, pois torna fácil e direta a utilização destas funções de IA. A grande questão é que apesar de funcionar em português, só está disponível por agora numa versão que apresenta ainda muitos brasileirismos, pelo que acabará por necessitar de fazer alguns ajustes.

Este é um smartphone que aposta tudo no módulo das câmaras para se diferenciar em termos de design. Incrustadas num vidro redondo de grandes dimensões, que ocupa uma parte significativa da traseira, difícil é não reparar nele. Só não conseguimos perceber é a decisão para este ‘bloco’ não estar totalmente centrado relativamente ao restante corpo do smartphone, o que cria um certo desequilíbrio visual. Dito isto, apreciamos o plástico suave usado na traseira e que tem padrões que replicam a sensação de um efeito rochoso, conseguindo garantir personalidade ao equipamento, mas sem ser demasiado espampanante. De resto, este é um smartphone de linhas mais retangulares (o que facilita o agarrar), mas que não é tão fácil de usar apenas com uma mão devido ao tamanho grande.

Tome Nota
TCL 50 Pro Nxtpaper | €299
tcl.com/pt

Benchmarks Antutu: 387931 • CPU 118522 • GPU 67986 • UX 103302 • Memória 98121 • 3DMark Wild Life 1355 (8,1 fps) • Wild Life Extreme 377 (2,2 fps) • Steel Nomad Light 146 (1 fps) •  PCMark Work 3.0 11039 • Autonomia 13h14 • Geekbench Single/Multi 738/1933 • GPU 1396

Ecrã Bom
Fotografia Bom
Construção Satisfatório
Autonomia Bom

Características Ecrã Nxtpaper 6,8″, 2460×1080 p, 120 Hz, 550 nits (máx.) • Proc. MT Dimensity 6300, GPU G57 MC2 • 8 GB RAM, 512 GB armaz. • Câmaras: 108 MP (f/1.67), 8 MP (ultra grande angular, 120°), 2 MP (macro), 32 MP (selfie, f/3,45) • Wi-Fi 6, BT 5.3, USB-C (33 W) • Android 14 • Bateria: 5010 mAh • 167,6×75,5×7,99 mm • 196 g

Desempenho: 3
Características: 3,5
Qualidade/preço: 4

Global: 3,5

O selénio está presente na generalidade dos suplementos multivitamínicos e em vários alimentos comuns, como carne, cereais ou cogumelos. Mas as células do cancro da mama triplo-negativo também “gostam” dele e, por isso, privá-las deste antioxidante pode ser uma forma de limitar a sua proliferação, sugere um novo estudo, financiado pela Cancer Research UK.

O cancro da mama triplo-negativo é subtipo da doença, caracterizado por ser um tipo raro mas mais agressivo, que afeta sobretudo mulheres jovens, com pior prognóstico e associado a uma maior taxa de recidiva a cinco anos. É tratável e operável, mas se se alastrar a outras partes do corpo pode acabar por limitar as opções de tratamento.

Até agora, acreditava-se que sendo o selénio um antioxidante valioso, seria útil no combate às células cancerígenas. A nova investigação, no entanto, descobriu que estas apresentam uma grande necessidade de selénio sobretudo as que não fazem parte de grandes tumores e estão mais dispersas.

Quando estão juntas, as células do cancro da mama triplo-negativo produzem um tipo de molécula que contém ácido oleico, que, por sua vez, as protege de um tipo de morte celular, denominado ferroptose  e que resulta da falta de selénio. Mas quando estão dispersas, como é o caso das que estão em movimento para outras partes do corpo, não podem sobreviver sem este elemento. Este efeito foi particularmente visível nas células em circulação na corrente sanguínea rumo aos pulmões.

“Precisamos de selénio para sobreviver, portanto retirá-lo da nossa dieta não é uma opção. Porém, se conseguirmos encontrar um tratamento que interfira com a absorção deste mineral pelas células do cancro da mama triplo-negativo, podemos potencialmente impedir este cancro de se espalhar por outras parte do corpo”, explica Saverio Tardito, que liderou a investigação.

O especialista sublinha que o maior problema neste tipo de cancro são as metástases, mais difíceis de controlar, pelo que se mostra entusiasmado com as possibilidades que esta descoberta oferece.

O debate inicia-se e encerra-se com uma intervenção do Governo, estando a abertura a cargo do primeiro-ministro, Luís Montenegro, marcada para as 15h00.

Seguem-se pedidos de esclarecimento de todas as bancadas, com resposta individual, iniciando-se pelo maior partido da oposição, o PS, a que se seguem os restantes partidos por ordem decrescente (PSD, Chega, IL, BE, PCP, Livre, CDS-PP e PAN).

Para hoje, estão previstos 257 minutos de debate, grelha idêntica à de quinta-feira para a fase de discussão, mas Governo, PSD e PS podem transferir para o dia seguinte ou antecipar até ao máximo de 30% do seu tempo, enquanto os restantes partidos podem gerir livremente os seus tempos.

O PS já anunciou a abstenção que permitirá a viabilização do documento na generalidade, com os votos favoráveis de PSD e CDS-PP, mas todos os restantes partidos da oposição deverão votar contra.

A abstenção do PS foi anunciada a 17 de outubro, depois de terem terminado sem acordo as negociações com o Governo sobretudo devido ao IRC, cuja descida generalizada foi recusada pelos socialistas mas o executivo insistiu em descer um ponto percentual no próximo ano (metade dos dois inicialmente previstos).

Na outra matéria central nas negociações, o IRS jovem, a formulação no OE2025 acabou por ficar mais próxima da atual desenhada pelo anterior governo PS.

O secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, já prometeu que vai fazer “alterações cirúrgicas” na especialidade, assegurando que não pretende transformar o documento, mas outros partidos, como o Chega e IL, já prometeram confrontar o Governo nessa fase do debate com propostas que faziam parte do programa eleitoral da AD.

No dia 4 de novembro arranca a apreciação na especialidade, fase que só terminará com a votação final global do documento marcada para dia 29.

A 1ª edição do Festival Impacto decorre até 17 de novembro no Teatro da Comuna, nos Edifícios Ageas Tejo e Porto, no bar So What Lisboa, na Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e na Fábrica Braço de Prata.

Com um programa que contempla ciclos de conversas, tertúlias, sessões de performance e de filosofia, workshops e encontros concebidos para fomentar a empatia, o evento pretende encontrar linhas de pensamento e de ação para promover os direitos humanos e uma sociedade mais informada.

O JL conversou com Ana Isa Guerreiro, uma das organizadoras do evento.

O que motivou a criação do Festival Impacto?

Numa altura em que toda a gente faz eventos rápidos, sucintos e com muita energia, quisemos fazer um slow-fest. A ideia principal deste festival é ser um lugar de reflexão e debate, onde há tempo para compreender e apreender tudo o que está a ser dito. Apesar da “velocidade” do nome, pretendemos ser ponderados, calmos.

Por que razão escolheram “preconceito” como o tema central da primeira edição?

Para começarmos e explicarmos quem somos, procuramos um tema que pudesse ser o mais abrangente e apresentar-se como lugar de pensamento. O preconceito é universal. Embora alguns grupos estejam mais sujeitos a ele, toca-nos a todos, todos temos ou sofremos. É também um tema que está a ser abordado de forma estanque e aquilo que pretendemos é apresentá-lo de forma abrangente, fugindo aos ismos, como o racismo ou o idadismo.

De que forma é que isso se reflete na programação?

Retirando a palavra preconceito, que é só o tema desta edição, o que nós queremos é trabalhar o tema de cada ano através de várias disciplinas práticas, tanto em palcos grandes como em mais pequenos. Procuramos, através da arte, ter uma narrativa visual do tema, de que forma é que ele é entendido. Por isso temos uma programação muito ampla, com mais de 40 eventos, que está dividida em “Palco Impacto”, onde o participante é passivo e absorve as apresentações, e “Laboratório Impacto”, no qual “obrigamos” o participante a ser também protagonista das atividades.

Quais?

Workshops de comunicação, dança, desenho, debate e teatro, criados para que as pessoas se possam envolver e trabalhar o tema das mais diversas formas.

Esta estrutura manter-se-á nas próximas edições?

Sim, embora queiramos alargar a outras artes. Mas o formato é este: participar ouvindo, participar praticando.

Que periodicidade terá o festival?

Acontecerá de dois em dois anos, sendo o próximo em 2026, sob o tema Ética. Em 2025, quando começarmos a lançar o Impacto Ética, queremos fazer itinerâncias com o ciclo de curta-metragem que fecha esta primeira edição e algumas pequenas conversas sobre o que se passou no Impacto Preconceito.

Qual gostariam que fosse o saldo desta primeira edição?

Adorávamos conseguir sair da bolha que já está connosco, que reconhece e está bastante interessada em abordar estes assuntos, conseguir penetrar noutras, que estão fechadas nas suas informações.

Uma pessoa foi detida na madrugada desta quarta-feira em Benfica, Lisboa, depois de cerca de 10 viaturas terem sido incendiadas. Os três carros foram incendiados na Estrada de Benfica, dois na Rua Barroso Lopes e um na Rua Julião Quintinha, próximo do Centro Comercial Fonte Nova. A detenção ocorreu perto das 2h da manhã.

Na semana passada foram registados vários incidentes na Área Metropolitana de Lisboa, na sequência da morte de Odair Moniz, baleado por um agente da PSP no bairro da Cova da Moura, na Amadora, na madrugada de dia 21 de outubro.

Segundo o Le Monde, vários agentes dos serviços secretos norte-americanos usam a aplicação Strava para os seus treinos nos tempos livres durante as deslocações em que acompanham os líderes a seu cargo e isso acabou por revelar movimentações, que deveriam ter sido mantidas em segredo, de figuras como Joe Biden, Donald Trump, Kamala Harris, Emmanuel Macron e até Vladimir Putin.

O Strava é uma das mais populares aplicações entre corredores e ciclistas, que permite aos utilizadores registar os seus treinos e partilhá-los com a comunidade.

O Le Monde seguiu, por exemplo, os guarda-costas de Emmanuel Macron, percebendo que o Presidente francês tinha passado uma semana num resort na Normandia, em 2021, uma viagem privada que nunca tinha sido divulgada na sua agenda oficial. Também a localização de Biden num hotel em São Francisco, em 2023, para um encontro com o Presidente chinês, foi revelada com recurso à mesma aplicação, neste caso porque horas antes da chegada de Joe Biden, o agente designado foi correr, com partida da porta do hotel, e usou o Strava.

Em declarações ao jornal francês, os serviços secretos dos EUA afirmaram não acreditar que o seu papel de garantir a segurança tenha sido posto em causa pela utilização da app. Os agentes não podem usar equipamento eletrónico pessoal enquanto estão de serviço mas a regra não se aplica nos tempos em que não estão em missão, esclareceram os serviços secretos, em comunicado. Também o gabinete de Macron desvalorizou, segunda-feira, as consequências da informação tornada pública, garantindo que a segurança do chefe de Estado não foi, de forma alguma, posta em causa.

Ao todo, o Le Monde identificou 26 agentes norte-americanos, 12 franceses e seis russos, responsáveis pela segurança dos Presidentes, todos eles com perfis públicos no Strava (o que quer dizer, como em qualquer outra aplicação, que não é preciso autorização para “seguir”).

Após a primeira edição, em 2023, Vale Perdido, o evento que procura afastar-se do chavão de festival, apostando num tipo de programação itinerante e propostas sonoras inusitadas, está de volta a Lisboa.

De 13 a 16 de novembro, deste “Vale” que se expande de uma ponta à outra da capital, farão parte locais tão diversos quanto o Armazém do Grilo, o B.Leza, o Centro Ismaili de Lisboa, a Sala LISA e um ringue de boxe no Cosmos CAC.

“Deliberadamente, criamos uma narrativa noite a noite, ao longo de quatro dias, com momentos, espaços e muitas ideias diferentes a ligarem-se entre si”, explica Joaquim Quadros que, com Sérgio Hydalgo, Gustavo Blanco e Ricardo Lemos, criou este “ciclo de programação”, como gostam de lhe chamar.

Deliberadamente, criamos uma narrativa noite a noite, ao longo de quatro dias, com momentos, espaços e muitas ideias diferentes a ligarem-se entre si

joaquim quadros – programador

“Não temos qualquer tipo de critério estilístico, não nos fechamos em absolutamente nada. Flamenco, música tradicional cabo-verdiana, techno, dub ou canto coral podem sempre articular-se e coabitar numa programação nossa”, revela Quadros.

O desejo de “emparelhar propostas da forma mais delicada possível” foi o mote para a definição de um programa de 12 “atos artísticos”, entre os quais há espaço para a performance, a música experimental, as canções, a música tradicional e contemporânea africana e o clubbing expansivo, entre outros.

É caso para dizer que, de Campolide ao Beato, a cidade será mergulhada numa enorme experiência musical, na qual músicos veteranos e jovens promessas apresentar-se-ão em registos e espaços inusitados.

A edição deste ano começa no Centro Ismaili de Lisboa, com o concerto da vocalista e compositora Maya Al Khaldi e da produtora e artista sonora Sarouna, precedido por uma performance livre de Tristany Mundo. Pela primeira vez em Portugal, a dupla plaestiniana apresentará “Other World”, projeto nascido de um trabalho de pesquisa em torno do arquivo áudio do Centro de Arte Popular de Ramallah, bem como um conjunto de canções de luto, passadas de geração em geração.

A 14, no B.Leza, é a vez da americana Jessica Pratt apresentar o seu último álbum, num concerto com primeira parte de Leonor Arnaut, nome em ascensão do jazz nacional. Logo depois, na Sala LISA, terá lugar a música eletrónica mais atmosférica, através dos americanos Purelink seguidos do DJ local emergente XCI.

O ringue de box do Cosmos CAC recebe, a 15, Sousa, artista que homenageia o kotxi pó, género musical cabo-verdiano, e Nuno Beats, um dos promissores produtores da sua geração.

Em jeito de chave de ouro, a partir das 18h de dia 16, uma festa no Armazém do Grilo, “onde se desconstrói a música de clube” com DJ Caring, Gamma Intel, Elena Colombi e Meibi, encerrará o Vale Perdido

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O que a Luz tem de mais fascinante é que não existe sem a Sombra. Os fogos ardem melhor durante a noite, já se sabe, e não se iluminam a si mesmos, mas ao que os rodeia. Ser luz é ser uma sombra que dá a ver. Os outros, uma paisagem, uma visão do mundo.

Neste sentido, poder-se-ia dizer que Fala Mariam de Lisboa (FML), e a sua pintura, são Luz. Com toda a sombra necessária a um tal modo de existir. A pintora é dona de um trabalho que José Augusto França definiu como “pintura-pintura” e de um percurso persistente e duradouro, porém feito na surdina de quem ilumina o que está para lá de si.

Não é dada a estrelatos, apesar dos 38 anos de carreira, dois deles como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris, do apoio que teve de nomes como Júlio Pomar e Fernando Calhau, e das três dezenas de exposições individuais e coletivas, a última das quais realizada em 2021, na Galeria Zé dos Bois, com curadoria de Natxo Checa.

Prefere o recato do atelier, da casa, daqueles que ficam por mais marés que passem. E assegura: “Ser pintor é um percurso muito solitário”. Encontramo-nos para conversar sobre Fala Mariam de Lisboa — Pintura 2003-2019, livro editado este ano pela Documenta, no qual são mostrados trabalhos de FML realizados sobre tela e papel, entre 2003 e 2019.

O assunto é “a própria pintura”, a qual, sendo “inesgotável”, combina-se com a vida e faz surgir ideias. A vida, no caso de FML, pautada pelo amor à música, à filosofia, à literatura, às palavras de Marcuse, ou de Tomás Maia, que assina o ensaio inicial do livro.

Há uma dignidade, hoje rara de encontrar, na forma como Fala Mariam vive, cria e fala do seu trabalho

Há uma dignidade, hoje rara de encontrar, na forma como FML vive, cria e fala do seu trabalho. Leva-se a sério.

Tem consciência de que habitar o mundo é poisar sobre ele com respeito, simultaneamente de forma delicada e contundente, procurando manter viva a chama de uma contra-cultura que “era consistente, tinha uma promessa transformadora da noção de consumo, de justiça social”. Como se existir, através de uma pintura ou do café que prepara enquanto conversamos, fosse sempre um gesto sagrado.

Olhando Lisboa, pela janela, recorda o tempo em que a cidade se movia mais devagar, às vezes demasiado devagar para uma adolescente curiosa com o Mundo, em plena década de 1970. Nessa altura, quando “as coisas tinham uma dimensão maior, porque havia pouca coisa significativa”, os dias eram passados em busca de tudo o que tocasse, ainda que levemente, o conceito de modernidade.

Aos 14 anos já vendia programas no Cascais Jazz a troco de bilhetes para os concertos, aos quais assistia acompanhada do eterno companheiro de arte e de vida, já então seu amigo, o jazzman Sei Miguel. Hoje, é com ele que nos guia através de algumas das suas obras.

XPTO, na origem de Vénus, melancolia, a luz das coisas. Uma após outra, poisadas sobre um cavalete ao centro da sala, surgem como pequenos pontos de encontro com a vida, feitos de cores, formas e planos que se sobrepõem. Onde se cruza tudo o que nos faz gente, o que se acumula sob a pele à velocidade do escorrer dos dias e das horas, da dança sincopada das experiências, alegrias, desilusões e procuras que dão forma à vida.

“A minha pintura é um corpo de obra que se vai definindo”, comenta. É precisamente sobre a evolução desse “corpo de obra” que conversamos, ele que vê a sua “forma” mais recente reunida e apresentada em Fala Mariam de Lisboa – Pintura 2003-2019.

Quando e como é que se descobriu pintora?

Fala Mariam de Lisboa: Aos 16 anos, quando absolutamente nada do que educação e família tinham a propor me interessou. Fascinaram-me então algumas – poucas – imagens pintadas, que mandavam em mim. Nitidamente. Quis saber pintar outras.

Que imagens eram essas e em que contexto se cruzou com elas? E o que tinham de tão forte ao ponto de “mandarem em si”?

É difícil dizer melhor aquilo que já disse, mas posso tentar. Talvez dizer-lhe que percebi a História da humanidade através da pintura. Dizer-lhe que a beleza assustadora do Retábulo de Isenheim existe no seu passado, no meu presente e no futuro. A pintura formou-me, ensinou-me a ser melhor, como pintora, claro, mas também como pessoa.

E na pintura procura, encontra ou perde-se?

Sofro. É um ofício demasiado trabalhoso. E também perco-me, sem dúvida, até porque parece a melhor maneira de encontrar-me.

Apesar de sofrer, continua a pintar. Diria que criar é algo inevitável na sua existência?

A minha “existência” acredita justificar-se na criação de um pensamento. É isso a pintura para mim. Sim, vivo atormentada. Mas com paciência. Pois nada disto parece-me inevitável: o decidi.

Como foram escolhidas as obras para esta monografia? Que história é que se quer contar?

Não se quer contar história nenhuma, quer-se mostrar, à boa maneira antiga e cronológica, um período. O de 2003 a 2019 abarca um conseguimento pessoal e técnico que corresponde a uma segunda ou terceira maturidade no curso do meu trabalho. Claro que, por vezes, na escolha das pinturas a reproduzir, influíram fatores meramente mecânicos, como a qualidade fotográfica infelizmente heterogénea do meu arquivo e/ou a indisponibilidade de uma pintura original.

Refere-se ao seu trabalho como figuração abstrata. É uma abstração do que vem de fora, do Mundo, ou do que vem de dentro, da alma?

Do ofício conheço certas técnicas que discriminei, que tornei minhas. Mas sinto que continuo uma tradição que passou pelo Modernismo do século passado, mas que vem de trás, de Mundos bem mais antigos. Este “exterior” de que estou a falar é a própria Pintura, para mim o assunto da máxima intimidade. A alma, mal ou bem, está em tudo que faço; aguente-se!

Quais são esses “mundos bem mais antigos”?

Mundos como este nosso de hoje em dia, mas em que o tempo já trabalhou, deixando-nos aparentes os sulcos artísticos daquilo que foi, escombros ou coisas intactas, o aparentemente acessível e o enigmático. Procuro, sempre procurei aí, boas fontes, busco a pedra de toque, por vezes a que se pôs de lado…

Fala Mariam de Lisboa – Pintura 2003-2019 (com ensaio de Tomás Maia), Documenta, 112 pp., 28 euros

As obras apresentadas no livro parecem mostrar-nos o vislumbre de alguma coisa e escondê-la logo de seguida e nós ficamos ali a olhar, e a olhar, a tentar vê-la outra vez para agarrá-la. É um “jogo” propositado?

Numa tela, para mim, existem vários planos. Estão lá mesmo antes do pintar. Tenho é que os acordar… a todos. A composição é esse pretexto difícil para obter a imagem completa, ou seja, a existência pintada dos planos em simultaneidade e transparência. Um quadro assim pode não ser fácil de perceber logo como um todo. Penso que ainda bem. Favorece a contemplação de tempo indeterminado. Mina o olhar dominador.

É preciso tempo para nos relacionarmos com uma obra?

Eu falei de um tempo indeterminado, de avaliação subjetiva. Mas um tempo, sem dúvida. Digamos: um tempo que “mede” a distância que separa uma Visão… da “medida” da nossa época.

Falou também em simultaneidade e transparência. Procura nos próprios materiais formas de expressá-las?

Os materiais que uso são restritos. Tela, pincéis e tinta acrílica. Sou uma pintora de cavalete. Nesse conforme, lido com quase ilimitada matéria, nada-nada abstrata, mas física até mais não. Precisarei de uma ética do procedimento para que surjam no quadro transparências e simultaneidade. Uma verdadeira negociata, digo-lhe, na qual abstração é somente uma das virtudes essenciais na feitura da imagem pintada. E, depois, na sua apreciação.

Tomás Maia dá o título “Templo da Luz” ao texto inicial. A pintura é, ou tem sido, para si um recinto sagrado?

Sinto simples e vulnerável orgulho no facto de o meu trabalho ter sido alvo do ensaio do Tomás Maia. Esse ensaio, relativamente pequeno, descreve um arco imaginativo tão surpreendente quanto fiel aos meus anseios e modos oficinais nas últimas décadas. O Tomás teve a perspicácia, entre outras, de identificar uma das formas de composição que uso – um dos planos da imagem, claro está – com a mística e artística necessidade de demarcar o que se quer da ordem do sublime.

Na verdade, quando pinto coisas que quase não me pertencem, circunscrevo-as, e sagro-as quase sem querer. Acho, portanto, que a pintura contém, pelo menos, uma equivalência do sagrado. Não a pintura como expressão de grandes ou pequenos egos na turba contemporânea. A turba é sempre contemporânea. Mas a pintura como consequência do Mistério que nos rodeia.

Esse mistério está encerrado na Luz, referência presente em tantos títulos da seleção de obras desta monografia?

Os títulos propõem uma cumplicidade entre o pintor e quem vê o quadro, uma cumplicidade puramente poética. Mas a “sombra universal”, conceito DaVinciano, permite a pintura. Na origem, os pigmentos. E a Luz é a maneira singela e rigorosa de dizer as cores, percecionadas nos seus contrastes e fusões, na absorção ou na projeção, em ondas curtas e ondas longas. A luz, saber essencial, emancipa a pintura da coisa poderosa que é o desenho, saber fundamental.

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