Há já alguns anos que costumo divulgar uma seleção pessoal de livros saídos no final do ano, que procuram beneficiar da maior procura que as livrarias têm nesta época do ano (agora até há cheques-livro para alguns jovens).
Embora o meu leque de leituras seja ecléctico – incluindo romance, poesia, história, banda desenhada, etc. – restringi esta lista a uma dúzia de livros de divulgação de ciência e tecnologia. A ordem é a alfabética do apelido do primeiro autor.
1- As Peças Mais Pequenas. Tudo o que vemos é feito do que não vemos (Alves, Miriam e Kono, Yara)
Uma jornalista portuguesa e uma artista brasileira fizeram um belo livro para crianças que explica que «tudo o que vemos é feito do que não vemos». Na ciência, o essencial é invisível aos olhos: os átomos formam tudo à nossa volta e dentro de nós. Mas, mais do que descrever a ciência, a primeira autora fala do processo de descoberta. E a segunda ilustra o texto esplendidamente.
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2 – A Ciência no Grande Teatro do Mundo (Baptista, António Manuel)
Para assinalar o centenário do autor, prof. de Física da Academia Militar, investigador na área da Física Médica no Instituto Português de Oncologia e comunicador de ciência pioneiro na rádio e televisão, a filha Cristina Ovídio preparou uma reedição de um livro que tinha saído na colecção “Ciência Aberta” da Gradiva, que foi enriquecida por um prefácio do neto do autor e por um apêndice em que o professor Baptista fala do que deve aos seus professores.
3 – Como o corpo feminino determinou (Bohannon, Cat. Eva)
200 milhões de anos de evolução humana, Objetiva. É o primeiro livro de uma escritora de ciência doutorada recentemente pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Qual foi o papel do corpo feminino na evolução biológica? A autora olha para a História Natural, revelando em 536 páginas as origens de órgãos como útero e funções como o aleitamento. Os 200 milhões de ambos do título justificam-se porque a autora olha para alguns vertebrados que foram antepassados remotos do Homo sapiens.
4 – Uma história substancial do nosso passado e futuro (Conway, Ed. Mundo Material)
Um premiado jornalista de economia inglês realizou uma viagem pelo mundo para nos contar os materiais que se extraem da terra e o modo como são transformados para formarem os objetos de que precisamos. Por exemplo, de onde vem o silício dos nossos chips de computadores=?
5 – Einstein no Tempo e no Espaço: Uma vida em 99 partículas (Graydon, Samuel)
Uma visão da vida e obra de Einstein através de pequenos fragmentos, escritos por um jornalista de ciência britânico. Revela não só o génio, que ganhou o estatuto de mito imortal, mas também a pessoa, com algumas das falhas e fragilidades que caracterizam a nossa espécie.
6- Inteligência Artificial, Esperança e o Espírito Humano (Kissinger, Henry; Mundie, Craige; e Schmidt, Eric. Génesis)
Um ensaio que nos dá ampla matéria de reflexão sobre os prementes desafios da Inteligência Artificial da autoria do político e estadista falecido em 2023 com cem anos, de um ex-diretor da Microsot e de um ex-CEO da Google. O primeiro e o terceiro autores já tinham analisado o assunto no seu livro, com Daniel Huttenlocher, A Era da Inteligência Artificial e o Nosso Futuro Humano (também na Dom Quixote).
7- O Nuclear (Lewandowski, Cédric)
Uma tradução de um livrinho da colecção francesa Que Sais-Je que resume o que é a energia nuclear, escrito por um quadro da EDF France, a empresa que gere um dos maiores parques de centrais nucleares do mundo.
8 – Como Perder Amigos Rapidamente e Aborrecer Pessoas com Factos e Ciência (Marçal, David)
O bioquímico e comunicador de ciência que escreve regularmente no Público disseca o mundo de hoje, largamente irracional, numa perspectiva eminentemente racional, baseada em factos e na ciência, neste livro com um título irónico e um prefácio meu. No mundo polarizado em que vivemos, é natural que alguns dos seus textos, bem escritos e documentados, sejam polémicos.
9 – Determinado. Uma ciência da vida sem livre-arbítrio (Sapolsky, Robert M)
O professor de Neurologia da Universidade de Stanford, na Califórnia, e autor de Comportamento. A Biologia Humana no nosso melhor e no nosso pior (também na Temas e Debates), analisa nesta sua nova obra a complexa questão da nossa liberdade individual, que nos permite tomar decisões. É um problema não só biológico como filosófico.
10- No Mundo dos Porquês. A ciência cantada e contada (Soares, Luísa Ducla; Carlos Fiolhais; e Daniel Completo, com ilustrações de Cristina Completo)
Livro infantil que apresenta cantigas sobre questões de ciência com poemas da primeira autora que o terceiro musicou (o código QR permite ouvi-las). Eu forneci respostas científicas simples. Só está acessível na editora.
11- Pessoas Ultraprocessadas, Porque comemos comida de plástico e não conseguimos parar de comer? (Tulleken, Chris Van)
O médico infecciologista inglês que é professor no University College de Londres e trabalha no Hospital de Doenças Tropicais dessa cidade insurge-se contra a indústria alimentar que coloca nos alimentos produtos químicos que criam habituação. Deveríamos talvez processar quem nos ultraprocessa!
12 – Para o Infinito e Mais Além. Uma viagem de descoberta cósmica (Tyson, Neil de Grasse e Walker, Lindsay)
O norte-ameericano Tyson, autor de Astrofísica para Gente com Pressa (também na Gradiva), é um dos divulgadores de ciência mais brilhantes da era pós Carl Sagan, com quem aliás contactou. Walker é uma comunicadora de ciência. Juntos fizeram um belo volume ilustrado que nos conduz aos mistérios do cosmos, alguns deles bem longe da Terra. A tradução é minha. Como os outros livros desta lista, pode ser um belo presente de Natal.
Durante uma semana perscrutámos as tendências do cinema grego através de quase duas dezenas de filmes recentes exibidos no histórico festival de Salónica, para atestar da sua saúde.
Entre as muitas características que Portugal e a Grécia têm em comum, desde a cultura mediterrânica à população, passando pelo nível económico, os países têm uma produção cinematográfica semelhante em termos de longas-metragens produzidas por ano. Há também uma prevalência do cinema independente, que é o único que tem um mínimo de visibilidade internacional. As referências, contudo, são diferentes.
Diferente também é o festival de cinema de Salónica, com uma dimensão e um orçamento superior a qualquer festival português e uma longevidade que o transforma em instituição, 65 anos (o mais antigo, em Portugal, é o Cinanima, com 48).
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Cada edição é um acontecimento mediático nacional. O festival concilia o estilo de passadeira vermelha, convidando algumas estrelas, como Juliette Binoche ou Matt Dillon, com uma certa informalidade condizente com a aposta em cinema independente.
Nestes novos filmes gregos Lanthimos é referência recorrente, enquanto Angelopoulos mal se vislumbra e Costa-Garvas só com muito boa vontade
Mas vamos aos filmes. Orfeas Peretzis, o jovem realizador de Riviera, confessou-nos que uma das suas maiores inspirações era a obra de Pedro Costa. Não encontrámos evidentes pontos de ligação. Quando muito haveria para Miguel Gomes, mas pareceu-nos muito mais próximo de George Lanthimos, a maior referência do cinema grego contemporâneo.
Aliás, diga-se, pensando nos mais internacionais nomes da cinematografia grega, que Lanthimos é referência recorrente, enquanto Angelopoulos mal se vislumbra e Costa-Garvas só com muito boa vontade.
Riviera, filme passado numa das baías ao largo de Salónica, que fala da gentrificação nas entrelinhas, foi uma das mais agradáveis surpresas entre os gregos, apesar de não pertencer ao conjunto de três nomeados para a Competição Internacional. Na sua primeira longa de ficção, Peretzis faz um coming of age, destemido e estival, com poderosas metáforas e personagens bem construídas. O filme arrecadou três prémios.
Se é difícil dirigir animais e crianças, como será dirigir uma árvore? Foi o que perguntámos a Peretzis, que logo nos falou no moroso processo de transportar e caracterizar aquela enorme palmeira, elemento essencial para a narrativa, que acabou por ser o décor mais caro da produção. Valeu cada cêntimo, sem a árvore o filme não seria o mesmo.
É uma árvore que adivinha o futuro, respondendo silenciosamente às questões que Alkistis lhe coloca, como se fosse o oráculo. A árvore está a desfazer-se, o seu fim eminente, mas como se sabe, as árvores morrem de pé.
A árvore padece ao mesmo tempo que a infiltração numa das paredes da casa que a mãe pretende viver atinge dimensões monstruosas. Tudo o que cresce, ou decresce por fora, também se passa por dentro de Alkistis, personagem insurreta, meio punk, que não aceita a morte do pai (e sobretudo o fim do luto da mãe) e acaba por se envolver numa relação impetuosa com um homem adulto. O filme tem um mis-en-scéne deslumbrante e está cheio de imagens fortes, bem ao estilo de Lanthimos de Canino.
Kyuka Before Summer’s End, de Kostis Charamountanis; Arcadia, de Yorgos Zois
Algo de Lanthimos também tem Kyuka Before Summer’s End, filme de um realizador ainda mais novo, Kostis Charamountanis, que recebeu diversos prémios (o palmarés do Festival de Salónica é imenso). Numa história mais diluída, também em ambiente estival, mas em torno do lago que a Grécia divide com a Macedónia do Norte, o filme faz-nos acompanhar dois irmãos que encontram a sua mãe biológica.
A construção é sempre bastante etérea e difusa, mas não tanto como a de Arcadia, de Yorgos Zois, talvez a obra esteticamente mais estimulante e ousada, com algumas (poucas) reminiscências de Angelopoulos. Um transcendente, sobre o luto, com a presença de fantasma, num universo rico, com Eros e Thanatos caminham juntos. Sobretudo é uma obra difícil, mas com planos magistrais e um cenário o servente.
O luto, a morte, a vida para além da morte, parece ser uma questão recorrente no cinema grego, observada noutros filmes, como Penny Panayotopoulou, uma das raras cineastas gregas em concurso. Ou Maldives, de Daniel Bolda, em que esta mania da transcendência acaba por estragar uma longa bem filmada, cuja principal trama se centra num professor de música que vivia pacatamente, nas montanhas, com o seu cão.
Meat, de Dimitris Nakos, outra das obras mais premiadas, conta uma história mais prosaica, com uma sombra de drama social. Fala-nos de um albanês, empregado de um talho, a quem é pedido que, em troco de dinheiro, assuma a culpa de um homicídio cometido pelo filho do dono. Um dilema moral e ético com contornos socioeconómicos que marcam a realidade grega.
Meat, de Dimitris Nakos
A questão da imigração é de resto um tópico importante, para um país que está a linha da frente no acolhimento de refugiados. Em Utópolis, assistimos a uma espécie de triângulo de relações e conflitos entre um migrante africano, um russo e um nacionalista grego, levados até a um limite.
Já em To a Land Unknown, filme do palestiniano Mahdi Fleifel, mas filmado na Grécia, é-nos mostrado, sem pudor, um reverso da moeda: a delinquência de jovens palestinianos que lutam pela sobrevivência ou por uma passagem para o centro da Europa nas ruas de Atenas.
Outro filme de um de um realizador palestiniano, Happy Holidays, de Scandar Copti, ganhou o prémio principal de uma competição internacional, onde também estava On Falling, da portuguesa Laura Carreira (Joana Santos ganhou o prémio para a melhor atriz).
De forma mais caricatural, The River, de Haris Raftogiannis, retrata um choque cultural, tendo como protagonista um engenheiro que tem como trabalho a colocação de autocolantes que afastam os pássaros da autoestrada e a sua paciente luta contra uma comunidade que montou o seu bairro de lata à beira da autoestrada e que se entretém a arrancar os ditos autocolantes. O plot promete mais do que aquilo que é capaz de oferecer.
Dentro das tipologias apresentadas há três filmes sobre realizadores a fazer filmes. Killerwood, de Christos Massalas, é o menos conseguido. The Philosopher. I Have Something to Say, de Stratos Tzitzis, que conta a história de um realizador e escritor que tenta editar um livro, tem a graça de terminar com o lançamento de um livro que realmente existe e se tornou um best-seller na Grécia.
O mais conseguido é The Sock, de Kyros Papavassiliou, filme de ritmo pausado. O início é forte e hilariante. O próprio realizador parte uma perna ao assistir a uma performance de uma artista alternativa. Restabelece a partir daí uma relação com a performer, mas também se aproxima de um primo, que se debate com uma escoliose múltipla, e por isso também vive numa cadeira de rodas.
Completamente fora dos eixos é She Loved Blossoms More, de Yannis Veslemes, um filme com pormenores gore, futurista e psicadélico, com elementos próximos de Jeunet & Caro. E houve ainda um filme de época, Giannis in the Cities, da veterana Eleni Alexandrakis, com alguns pormenores de interesse.
Do cinema grego que passou em Salónica – parte significativa da produção de ficção nacional – também há lugares para autênticos disparates, como Café 404, de Alexandros Tsilifonis, um Robert Rodríguez de terceira categoria, sem ponta por onde se lhe pegue.
E até para uma longa de animação futurista feita por computador, Magic Trap, de Nikos Vergitsis. Mas, nesse capítulo, diga-se sem pudores: a longa grega fica muito aquém das duas recentes longas de animação portuguesas. Mas, enfim, não estamos aqui a ver quem chega primeiro, o cinema não é uma modalidade olímpica
O ZX Spectrum é, sem dúvida, um grande nome na história dos videojogos e da computação pessoal no nosso país. Para muitos dos que viveram a juventude nos anos 80 do século passado, o Spectrum representou o primeiro contacto com o universo dos videojogos e da computação em geral. Não é difícil encontrar antigos utilizadores do pequeno computador com teclas em borracha que afirmam que foi esta a máquina que os levou para uma carreira na tecnologia. Muitos programadores de sucesso criaram as suas primeiras linhas de código no Spectrum, através da linguagem BASIC.
Agora, mais de 40 anos após o lançamento, o ZX Spectrum ganha uma nova vida numa pequena consola, o The Spectrum, da Retro Games. Será que esta versão moderna consegue capturar a magia do original? A resposta depende muito do utilizador e das expectativas.
À exceção das inscrições, em relevo, no topo superior esquerdo (“Retro The Spectrum”) é praticamente impossível distinguir o The Spectrum do ZX Spectrum original
Boa réplica
O primeiro ponto a destacar é a fidelidade com que o The Spectrum recria o ZX Spectrum. Não estamos a falar de uma versão miniaturizada ou de um simples produto plug-and-play, como temos visto com outras recriações de consolas clássicas. Não, o The Spectrum tenta capturar a verdadeira essência do dispositivo original, e por isso apresenta-se no tamanho exato do ZX Spectrum.
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Em termos de design, o aparelho é uma recriação precisa, com a exceção de um pormenor: o logótipo. Em vez da clássica marca Sinclair, temos a palavra “Retro” em letras grandes, o que pode causar algum desconforto nos fãs mais puristas. A construção mantém o aspeto simples, mas robusto, com as teclas de borracha a marcarem presença, o que nos transporta diretamente para os anos 80. O teclado é um dos aspetos que mais impressiona: é notável a precisão com que a experiência é replicada. Claro que a sensação das teclas de borracha não agradará a todos, mas para quem tem memória afetiva deste sistema, é um verdadeiro regresso ao passado.
Modernizado
A parte de trás do dispositivo revela as grandes diferenças entre o The Spectrum e o ZX Spectrum original. A começar pelas portas: HDMI, quatro portas USB-A e uma USB-C para alimentação, além de botões Power e Home. A conectividade moderna é uma das grandes vantagens desta versão. Embora não venha com um carregador incluído, o The Spectrum requer apenas um adaptador USB-C para funcionar, o que facilita a utilização em qualquer casa.
Há várias ligações na traseira: portas USB A, HDMI e USB C (para alimentação elétrica). Há, ainda, um botão para ligar/desligar o aparelho e um botão para carregar diretamente o menu principal do sistema operativo
Além disso, temos a possibilidade de carregar jogos diretamente para a máquina através de uma pen USB. O que significa que biblioteca de jogos pré-instalada (48 títulos) pode ser expandida com a sua coleção pessoal de ROMs do ZX Spectrum. E para os mais nostálgicos, ainda é possível simular o carregamento de fita, com o som característico e o processo lento, tal como era na época, embora esta opção possa ser desativada, caso o utilizador prefira uma experiência mais rápida.
Somos capazes de apostar que, ao criar o ZX Spectrum, Sir Clive Sinclair nunca antecipou a ligação a um televisor com 65 polegadas de diagonal e… 1 cm de espessura
A jogar
A emulação do The Spectrum é quase perfeita. A qualidade dos jogos é idêntica à do original, sem falhas ou distorções notáveis, o que é uma excelente notícia para os puristas. Mas nota-se uma melhoria na cor. A fidelidade ao áudio também se mantém intacta, o que significa que os sons digitais agudos e metálicos, que definem tanto os jogos do ZX Spectrum, continuam a fazer parte da experiência.
A navegação no sistema é simples e intuitiva, com um menu de carrossel, familiar para quem já utilizou as máquinas da Retro Games. A partir daqui, pode-se escolher o jogo desejado ou até mesmo carregar um estado de jogo previamente gravado. Esta funcionalidade de “save states” é uma das melhorias significativas em relação ao ZX Spectrum original, que não permitia esta facilidade. Outra ‘batota’ possibilitada na nova máquina: o Rewind que permite voltar atrás até 40 segundos, para tentarmos ultrapassar aquele desafio mais difícil num jogo.
Esta máquina permite escolher entre diferentes modelos de ZX Spectrum (48 k, 128 k/+2, +2A) e configurar os controladores, o que é uma opção importante para quem prefere jogar com um comando moderno.
A lista de jogos pré-carregados é um autêntico desfile de clássicos que marcaram a história do ZX Spectrum. Títulos como Ant Attack, Auf Wiedersehen Monty, The Great Escape e Manic Miner são apenas alguns exemplos do que o The Spectrum traz de volta. A maioria destes jogos está no seu formato original, mas alguns títulos mais recentes também estão presentes, como o Alien Girl: Skirmish Edition de 2021, um jogo moderno que captura a essência do que fez o ZX Spectrum ser tão especial.
Nostalgia
O The Spectrum não se limita apenas a resgatar os grandes títulos da época. Esta máquina traz novas funcionalidades que tornam a experiência mais conveniente e acessível. Criarmos e salvarmos os nossos próprios jogos em BASIC, por exemplo, ou acedermos a uma biblioteca de jogos personalizada via USB, são características que tornam o The Spectrum um produto que não é só para os fãs mais velhos, mas também para mais jovens que querem experimentar a história dos videojogos de uma forma prática. Pode, até, ser visto como uma ferramenta educativa na ótica de início à programação.
Não há dúvida de que o The Spectrum será um sucesso entre os fãs de longa data do ZX Spectrum. A sensação de nostalgia é forte e a experiência de jogo é quase idêntica à do original. Para os mais jovens, que talvez nunca tenham tido contacto com o ZX Spectrum, esta é uma boa forma de se familiarizarem com um dos marcos históricos da indústria de videojogos. Embora alguns possam achar que a interface e os jogos são demasiado simples, quando comparados com as produções atuais.
Em suma, se tem saudades do ZX Spectrum ou se é novo no mundo do retro gaming, o The Spectrum é uma boa forma de revisitar a história, ao mesmo tempo que desfruta da conveniência das tecnologias modernas. Mas fica o aviso: muitos jogadores, sobretudo os mais novos, não vão achar piada nenhuma à realidade dos jogos dos anos 80. De outro modo, o The Spectrum não é uma boa prenda para dar a uma criança ou a um jovem que quer uma consola ou um PC para correr jogos atuais. É uma máquina que precisa de ser contextualizada. Talvez seja uma melhor prenda para dar ao pai ou mesmo ao avô.
Construção Muito bom Conectividade Bom Usabilidade Muito bom Nostalgia Excelente
Características 48 jogos incluídos ○ 4x USB A (suporte para ficheiros TAP/TZX/PZX/SZX/Z80/SNA) ○ HDMI (720p, 50 ou 60 Hz) ○ Emula os modelos de 48 e 128 KB ○ 4 slots para saves automáticos
Os livros que preenchem as paredes do Salão Nobre da Academia de Ciências de Lisboa (ACL) impressionam, e em todas as salas desta instituição fundada em 1779 encontramos saber acumulado e testemunho de homens e mulheres que dedicaram as suas vidas ao conhecimento.
A ACL será sempre guardiã desses ecos do passado, mas é hoje um espaço cada vez mais aberto ao mundo. Com recurso às novas tecnologias e ferramentas, as coleções da Academia estão agora disponibilizadas on-line, os projetos são organizados em rede e a atenção à atualidade e aos desafios da contemporaneidade marcam a agenda de conferências e seminários.
A reconversão do papel da instituição esteve, nos últimos anos, a cargo de José Luís Cardoso, 68 anos, que assumiu a presidência da ACL em 2022 e termina o seu mandado no final de 2024.
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O especialista em História da Economia, prof. catedrático da Univ. de Lisboa e investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais tem procurado intensificar a ACL enquanto polo de divulgação do conhecimento, ao mesmo tempo que contribui para a projeção do Português como Língua de utilização universal.
Símbolo dessa vontade é a abordagem às comemorações do V Centenário de Luís de Camões: a exposição, que se inaugura hoje, 27, e o colóquio a organizar em 2025, sublinham o poeta como autor de uma obra global que convoca as mais diversas disciplinas científicas.
Qual a filosofia das comemorações do V Centenário do nascimento do Camões na Academia?
A ideia geral é celebrar Camões e, com ele, a Língua Portuguesa e a sua difusão no mundo. Procuramos também aprofundar o nosso conhecimento da obra deste poeta maior. Nesse sentido, vamos promover três iniciativas. Uma exposição que se inaugura hoje, 27, e que tem como tema “Camões Universal”.
Em que consiste a exposição?
O objetivo é mostrar justamente a difusão da obra do poeta, sobretudo de Os Lusíadas, nas diversas línguas em que foi traduzido e dessa maneira sublinhar como a língua de Camões é global. Publicado pela primeira vez em 1572, o poema épico teve um enorme impacto na cultura não apenas europeia, mas universal.
A nossa exposição é centrada nas traduções, com duas obras iniciais: a primeira edição de Os Lusíadas, de 1572, da qual a ACL tem um belíssimo exemplar, e a primeira edição do livro de Garcia D’Horta, Colóquios dos Simples e Drogas da Índia, de 1563, que tem o primeiro poema publicado de Camões, numa dedicatória ao vice-rei da Índia e que é também, de alguma forma, um tributo de homenagem de Luís de Camões ao seu amigo Garcia da Orta.
A projeção internacional de Camões começou logo na sua época?
A nossa exposição procura reforçar justamente isso. A curadoria, da responsabilidade da académica Isabel Almeida, grande conhecedora da obra de Camões e da literatura do Renascimento, destaca o roteiro das traduções, a começar pelo castelhano, depois em italiano e inglês, a seguir em francês e novamente em inglês, mais tarde em alemão e em muitas línguas orientais. São 24 idiomas no total e a ACL tem uma amostra muito significativa de primeiras edições destas traduções.
Uma coleção assinalável…
Sim. Na verdade, a coleção camoniana da ACL foi enriquecida há dois anos com a doação da coleção particular da família de Manuel Queiroz Pereira, que, de alguma forma, valorizamos nesta exposição. Além deste roteiro de traduções, teremos também um mapa, uma representação gráfica dos locais onde a obra foi traduzida e divulgada, porque 24 línguas cobre uma enorme área geográfica.
O que, da atividade da própria ACL, constará das comemorações?
Já está disponível em acesso livre a digitalização da memória camoniana na ACL, ou seja, o conjunto de monografias, comunicações e conferências realizadas na ACL desde a sua fundação, em 1779, à atualidade. Vamos organizar ainda um ciclo de conferências em torno da temática camoniana, que começa, a 12 de dezembro, com Isabel Rio Novo e Carlos Maria Bobone, autores de duas excelentes biografias publicados este ano. Outras sessões irão acompanhar a exposição, patente até ao final de fevereiro.
Numa Academia plural como é a nossa, homenageamos Camões como figura máxima da literatura portuguesa e universal, mas também como autor de uma obra que suscita a reflexão nos mais diversos domínios científicos
Referiu três iniciativas nestas comemorações. Qual a terceira?
Um colóquio em maio, com organização dos académicos Carlos Ascenso André e Isabel Almeida, dedicado ao tema “Camões e os Saberes”. A ideia é ver como a obra de Camões constituiu pretexto para estudos em diversos domínios científicos. Camões interessa sobretudo no âmbito dos estudos literários, mas também aos matemáticos, astrónomos, físicos, naturalistas, botânicos, economistas, juristas ou politólogos. Numa Academia plural, como é a nossa, a nossa forma de homenagear Camões é mostrar como ele é uma figura máxima da cultura, da literatura, da poesia épica portuguesa e universal, mas também autor de uma obra que suscita a reflexão e o entendimento de problemas que são discutidos nos mais diversos domínios científicos.
Procuramos, muitas vezes, definir um clássico. Será essa multiplicidade de olhares que uma obra convoca uma boa definição?
Sem dúvida. Um clássico é uma obra de âmbito universal. E esta universalidade não tem apenas a ver com a difusão da sua obra a uma escala global, mas também com a maneira como consegue suscitar o interesse intelectual de uma gama muito diversificada de disciplinas académicas e científicas. Camões faz isso de uma forma genial. Desde o início, a ACL teve nos seus membros os maiores camonistas e estas iniciativas são também uma forma de os homenagear. Para nós, isso é a melhor prova de que uma instituição pode, através dos seus membros, contribuir de facto para o fortalecimento da cultura portuguesa e da sua difusão a um público mais alargado.
Para lá dos constrangimentos que as comemorações têm tido, um dos eixos principais é a disponibilização on-line de estudos que foram feitos, ao correr dos séculos, sobre Camões. A ACL acompanha essa tendência?
Totalmente. Aliás, essa aposta vem, de algum modo, ao encontro de uma preocupação nossa dos últimos anos: partilhar o conhecimento que se produz e, sobretudo, envolver de uma forma mais direta e intensa o público em geral, o que acreditamos que tem acontecido. A ACL não é uma instituição de produção científica, mas os seus membros desenvolvem, nas suas universidades, uma intensa atividade de investigação. No entanto, a ACL é um lugar privilegiado para a difusão e partilha desse conhecimento acumulado. O que temos feito nos últimos anos é justamente mostrar a riqueza do património que a Academia conserva na sua Biblioteca, Arquivo Histórico e Museu. Património esse que pode e deve ser mais divulgado junto de um público que não frequenta diariamente a instituição. Uma dessas formas é torná-lo facilmente acessível.
Em concreto, o que tem sido feito?
A nossa coleção de manuscritos está integralmente digitalizada e disponível em acesso livre no site da ACL. O mesmo acontece com o Arquivo Histórico, com as pastas dos académicos também disponibilizadas. No site temos ainda um dicionário histórico da ACL, em construção, para que os interessados na vida institucional possam ter informações e conhecer os seus vultos mais salientes.
É toda uma atividade de valorização das nossas coleções, que passa igualmente pelo Museu da História da Ciência, com todos os seus instrumentos científicos, e o Museu de Antropologia, com uma fantástica coleção de objetos de culturas indígenas da Amazónia. Estamos a fazer um trabalho semelhante para os livros do século XV, de que temos um vasto espólio, neste momento a ser restaurado. A tudo isto está subjacente uma vontade de abertura e de partilha do saber acumulado.
”As Ciências e as Letras devem ser úteis, não num sentido utilitário, mas no de contribuir para o conhecimento do país que somos”
Tem havido muito trabalho invisível, de bastidores…
É verdade, realizado por uma equipa pequena que tem sido reforçada com estudantes de mestrado e de doutoramento, a quem atribuímos bolsas. Ao mesmo tempo, enriquecem a sua formação e trabalham nas coleções da ACL. Isto exige naturalmente uma captação de fundos mecenáticos e temos tido apoios extraordinários de diversos mecenas que, de uma forma regular, têm contribuído para que estas ações sejam possíveis. É um trabalho invisível que, no entanto, se torna visível a partir do momento em que é usado com mais eficácia.
Não só o arquivo está hoje muito mais organizado, como na sua arrumação descobriram-se documentos que se julgavam perdidos. Um deles foi um conjunto de desenhos que pertenciam ao antigo convento onde a ACL está instalada e que provam que houve aqui uma aula de desenho público, na qual se copiavam os grandes mestres do Renascimento italiano. Quando uma instituição mexe no seu arquivo e legado descobre sempre qualquer coisa.
Essa rearrumação e integração de bolseiro tem dado origem a novos estudos?
Sim, tem contribuído para uma renovação do conhecimento, que é feito na ACL, mas sobretudo pelas comunidades académicas e científicas que recorrem aos nossos arquivos. Temos tido ecos muito positivos e favoráveis sobre os efeitos desta nova atitude em relação às coleções da ACL.
A valorização do património e a sua disponibilização on-line era uma ideias-chave do seu mandato como Presidente da ACL. Há mais algum projeto em curso?
Temos dinamizado as nossas sessões académicas semanais e as organizadas pelo Instituto de Altos Estudos, com ciclos de conferências sobre temas atuais, em que as ciências são chamadas a uma intervenção muito direta. Estamos a falar, por exemplo, das alterações climáticas, inteligência artificial, transição energética, migrações ou o populismo, quer no âmbito mais das ciências, quer no campo das Humanidades. Recentemente organizámos uma sessão sobre a pobreza, no Dia Internacional da Erradicação da Pobreza, e procuramos em datas marcantes falar sobre temas que interessam não apenas aos académicos mas à sociedade no seu conjunto.
Fazer esta difusão e partilha de conhecimento é uma oportunidade para chamar a atenção para os problemas fundamentais do mundo contemporâneo e para os quais a ciência tem um papel importante em termos de aconselhamento independente. Na linha do que tem vindo a ser feito nos últimos anos, temos reforçado o papel da Academia enquanto instituição independente que pode contribuir para a definição e o acompanhamento de políticas públicas nas áreas centrais da sociedade portuguesa.
Em que sentido?
Esta não é apenas uma missão, mas uma obrigação que os académicos têm. Muitos já o fazem nas suas instituições universitárias, estamos a procurar que o façam também aqui, através de iniciativas que a Academia promove.
Temos produzido alguns relatórios, um que estará em breve disponível sobre os problemas da energia e da transição energética. Organizamos recentemente um ciclo de conferências sobre riscos sísmicos, uma preocupação que está na ordem do dia, com especialistas de diversas áreas.
A Academia procura acompanhar o que de mais importante tem sido suscitado no plano científico. Mais um exemplo: promovemos este ano duas sessões públicas sobre os vencedores dos prémios Nobel das ciências, da literatura, da economia e da paz. No fundo, é pôr a ACL no centro da difusão do conhecimento, sem esquecer o domínio da língua.
O que tem sido desenvolvido campo da Língua Portuguesa?
Tivemos este mês uma reunião com a Academia Brasileira de Letras para uma reflexão sobre os trabalhos lexicográficos em curso, sendo que a ACL tem um dicionário e um vocabulário online gratuitos. Temos mantido contactos com os diversos países e em dezembro realiza-se, em Cabo Verde, um encontro das academias de Língua Portuguesa justamente para discutir temas de interesse comum.
O que dentro dessa articulação em torno da Língua Portuguesa lhe parece prioritário?
Um dos temas prioritário é sem dúvida o uso de ferramentas de inteligência artificial na criação de corpus e de thesaurus que permitam, através de grandes massas de informação, obter um conhecimento mais aprofundado dos usos destas novas técnicas para efeitos práticos do ensino da língua ou de tradução. Há também matérias do Acordo Ortográfico que têm de ser vistas frontalmente.
A língua não se resume à ortografia e sabemos que nem sempre existe um consenso sobre estas matérias, mas acredito que as academias podem ter um papel importante no reconhecimento de que há temas que podem ser resolvidos através de um bom entendimento. Isto no sentido de projetar o Português como uma língua de utilização universal.
Não deve haver receio de falar do Acordo Ortográfico, reconhecer que é um tema que por vezes divide opiniões e perceber que a partir do que está em vigor é possível encontrar soluções para fazer do Português uma língua de utilização universal, sem entraves técnicos
Às vezes há receio de voltar a tocar no Acordo Ortográfico por ser um tema polémico. É necessário olhar para ele e ver o que pode ser melhorado?
Não deve haver receio de falar do Acordo Ortográfico, reconhecer que é um tema que por vezes divide opiniões e perceber que a partir do que está em vigor é possível encontrar soluções mais adequadas ao grande objetivo de fazer do português, como dizia, uma língua de utilização universal, sem entraves técnicos.
O edifício da ACL também vai ter algumas alterações no seu edifício histórico. Vão em que sentido?
Teremos uma nova entrada e relação com o exterior. No rés-do-chão da ACL havia um depósito de publicações que punha em risco, do ponto de vista da segurança, todo o edifício. Com a colaboração da Ordem dos Arquitetos, iniciámos um processo de abertura de um concurso para projeto de renovação desse armazém. Está tudo aprovado e aguardamos apenas o lançamento da empreitada de obra que vai começar no próximo ano
Já temos financiamento e esperamos que dentro de ano e meio possamos ter uma entrada direta para a rua com uma livraria, uma cafetaria, duas salas polivalentes para organização de seminários e conferências. Haverá também uma nova entrada para o Museu da ACL e novo percurso museológico.
Do ponto de vista simbólico, esta transformação será uma demonstração de como a ACL quer estar aberta ao país, à cidade, à rua – para mostrar as suas coleções e o reforçar o seu papel na difusão da cultura e da ciência em Portugal.
Sempre a cuidar do passado e olhar para o futuro?
Exatamente. É a reinvenção do próprio sentido com que a ACL foi criada em 1779. O nosso lema é: se não é útil o que fazemos, a glória é vã. Os fundadores já tinham esta ideia: as Ciências e as Letras devem ser úteis, não num sentido utilitário, mas no de contribuir para o conhecimento do país que somos, da realidade em que vivemos, com um olhar no futuro, tentando perceber como poderemos, a partir do conhecimento que temos, melhorar as condições de vida para o que se avizinha. Esta convicção pode ter algo de utópico, mas é uma missão que a ACL, com os seus altos e baixos e diferentes fases ao longo da sua história, nunca deixou de ter.
Diz-nos o 7 Margens que “há um grupo de mulheres judias e muçulmanas que se recusa a deixar que a guerra as separe”. Trata-se de uma rede criada em 2015 no Reino Unido, por um conjunto de mulheres judias e muçulmanas, denominada Nisa-Nashim (que significa “mulheres”, em árabe e hebraico). O objetivo desta rede é romper as “barreiras religiosas e culturais no seu país e em todo o mundo.”
Poder-se-ia pensar que o ataque terrorista do 7 de outubro, do qual resultaram milhares de mortos, feridos e reféns do Hamas, assim como a resposta desproporcional de Israel na Faixa de Gaza, que já conta mais de 40 mil mortos, 70% deles mulheres e crianças, a boa intenção da rede poderia ter ficado condenada ao fracasso, mas não. Estas mulheres terão ficado ainda mais unidas.
O ativismo da rede levou-as já a propor ao governo de Londres sugestões de melhores políticas governamentais, no sentido de potenciar o relacionamento entre as diferentes comunidades religiosas instaladas no país. A própria vice-primeira ministra Angela Rayner testemunhou, após o encontro com a Nisa-Nashim: “Recusaram-se a permitir que o aumento chocante do ódio e da intolerância em relação às suas comunidades se interpusesse entre elas e gerasse divisões. Em vez disso, voltaram-se para o que têm em comum e para os seus laços, mostrando que as comunidades podem viver em unidade e que são muito mais fortes dessa forma”. Rayner comprometeu-se: “Vou garantir que as suas vozes e experiências estejam no centro do nosso trabalho como governo para promover a coesão social e combater o ódio motivado pela religião em todas as suas formas”.
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Por muito que o sistema patriarcal as remetesse para segundo plano ao longo da história, as mulheres sempre estiveram na linha da frente, na religião e na luta pela paz. Os homens deste mundo têm muito a aprender com elas.
Quem não se lembra do movimento pelos direitos humanos desencadeado pelas corajosas Mães da Praça de Maio, em Buenos Aires, com os seus lenços brancos na cabeça, que assim se dispuseram a enfrentar a ditadura militar (1976-1983) bem de frente para o palácio presidencial? Mães que desde 1977 procuravam saber dos seus inúmeros filhos sequestrados e desaparecidos durante a ditadura e em pleno estado de sítio. A polícia mandava-as dispersar mas elas caminhavam então repetidamente, de braço dado em redor da Pirâmide de Maio, no centro da praça, numa clara atitude de resistência.
Quem não sabe que as mulheres constituem a maioria dos fiéis nas comunidades de fé cristã e a sua verdadeira alma, quando em muitos casos ainda lhes é vedado o acesso a cargos de liderança eclesial em nome do machismo dominante, embora sejam chamadas a tudo quanto é “trabalho secundário”? A diabolização do elemento feminino ainda rivaliza em muitas geografias cristãs, devido a uma catequese descontextualizada e ultramontana. Noutros casos a discriminação acontece não tanto na teologia mas na praxis quotidiana das comunidades e sobretudo na mentalidade, mesmo na de parte das mulheres.
Quem não sabe que a 8 de março de 1857, em Nova Iorque, uma manifestação coletiva feminina desencadeou uma greve a fim de reivindicar melhores condições de trabalho, uma jornada de dez horas diárias e melhores salários? E que, em resultado, os patrões mandaram atear fogo ao prédio, assassinando-as a todas, pelo que, em sua memória, a Conferência Internacional da Mulher, reunida em 1910, declarou o dia 8 de Março “Dia Internacional da Mulher”?
O exemplo britânico da rede Nisa-Nashim é eloquente. Diz a muçulmana Julie Siddiqi, uma das fundadoras: “Não podemos permitir que as vozes extremas sejam as únicas vozes, as vozes altas que muitas vezes tentam dividir mais do que unir. Nenhuma de nós está a dizer que temos que concordar em tudo, mas é muito importante que nos oponhamos ao ódio juntas e não sejamos levadas a sentir que temos que escolher lados.”
Por seu lado, outra das fundadoras, a judia Laura Marks, afirma: “Um ano depois, aqui estamos: o mundo parece um lugar pior. A nossa responsabilidade é garantir que faremos tudo para acabar com o ódio nas nossas ruas, para que elas sejam seguras para os nossos filhos, para os nossos netos, para que o mundo possa realmente tornar-se um lugar mais seguro para eles. Isso só pode acontecer se fizermos isto juntas.”
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
A Relais &Châteux sempre se destacou pela exclusividade e, em tantos casos, pela intangibilidade de algumas das suas unidades. Fazem parte desta associação alguns dos melhores hotéis e restaurantes do mundo, que só podem fazer parte deste grupo de elite depois de visitados por inspetores – que fazem visitas-mistérios – e de passarem no apertado crivo da lista infindável de requisitos que têm de cumprir.
Não apenas em termos de qualidade, comodidade e oferta dos produtos, mas também de serviço. A celebrar 70 anos de existência, a Relais & Châteux incorpora, atualmente, 580 hotéis e cerca de 800 restaurantes em 65 países. Todas as unidades são operadas por proprietários independentes, e não raras vezes são ainda detidas por empresas familiares, o que acaba por se traduzir nas ofertas mais intimistas, calorosas e com um serviço muito virado para um acolhimento diferenciado a cada cliente. Dentro dos requisitos da associação de elite estão muitas variáveis relacionadas com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que devem atravessar toda a governança de cada unidade que pertence à associação.
Foi, por isso, um passo quase orgânico esta parceria com a UNESCO, que posiciona a Relais & Châteux num patamar de exigência muito significativo, em relação aos seus pares. “Esta parceria com a UNESCO é um passo natural para a nossa Associação: o nosso propósito é apoiar e promover a mudança e continuar a repensar os modelos operacionais das nossas propriedades para que viajar – uma fonte de enriquecimento pessoal – se encaixe nos objetivos ambientais, sociais e económicos”, explica Laurent Gardinier, Presidente da Relais & Châteaux, em comunicado.
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A ambição de se tornar uma referência no que se refere à responsabilidade social e ambiental tinha ficado bem explícita durante um almoço com os responsáveis da associação, em Paris, em abril deste ano. Na ocasião, referiam à EXAME que a Relais & Châteaux estava cada vez mais comprometida com o reforço das políticas de sustentabilidade, numa altura em que tantas vezes o luxo e as viagens são apontados como grandes responsáveis pelo agravamento dos desafios ambientais que se vivem. À mesa do restaurante de Pierre Gagnaire, a poucos passos do Arco do Triunfo, os objetivos eram claros: continuar a crescer em membros da associação, sem nunca aliviar a exigência que se exigem a todas as unidades da Relais&Châteaux. “Preferimos ser menos, mas ser os melhores”, diria o responsável de comunicação da marca Lars Seifert.
Olho para a gastronomia como um extraordinário vetor de mudança e acredito que temos de repensar fundamentalmente a forma como abordamos os sistemas alimentares
mauro colagreco
“É uma honra ver a nossa estratégia apoiada formalmente pela UNESCO: a diretora-geral, Audrey Azoulay, assinou oficialmente o preâmbulo dos nossos compromissos”, reforça Gardinier, congratulando-se também pelo trabalho realizado por Mauro Colagreco, Vice-presidente de Chefs da associação, que durante a última década tem trabalhado os temas da sustentabilidade de forma séria e empenhada.
“Nos últimos dois anos, tenho trabalhado com a UNESCO para promover a biodiversidade e envolver o maior número de pessoas possível no que diz respeito à necessidade de proteger os nossos ecossistemas”, explica Colagreco. “Olho para a gastronomia como um extraordinário vetor de mudança e acredito que temos de repensar fundamentalmente a forma como abordamos os sistemas alimentares. Apercebi-me rapidamente de que precisamos de aumentar a quantidade de guardiões da biodiversidade em todo o mundo se queremos proteger o nosso planeta e as suas espécies. A rede Relais & Châteaux inclui 580 propriedades com um total de 800 restaurantes, por isso, pareceu-me evidente envolvê-las nesta iniciativa”, conclui.
“Jamais no decurso da História a natureza apresentou um declínio tão dramático. Um milhão de espécies, de um total de oito milhões identificadas até à data, enfrentam a ameaça de extinção. Unidas numa só voz, a UNESCO e a associação Relais & Châteaux apelam à mudança das nossas perspetivas e práticas no que diz respeito à alimentação e ao restabelecimento do equilíbrio entre os seres humanos e o ambiente”, afirma, por seu lado, Audrey Azoulay, diretora-geral da UNESCO.
.Estou entusiasmado para ver os nossos membros a colocar estes primeiros projetos conjuntos em prática
Laurent gardinier
“Na sua dedicação diária à gastronomia e à hospitalidade, os membros da Relais & Châteaux estão em contacto permanente com pessoas de todas as origens e de todos os tipos de comunidades, bem como com a natureza e a sua infinita riqueza e variedade”, continua Gardinier. “A UNESCO trabalha para proteger a biodiversidade que compõe o tecido vivo do nosso planeta, que sustenta o bem-estar atual e futuro da humanidade. Tendo em conta que a nossa Associação partilha deste valor – é, aliás, o princípio orientador de tudo o que fazemos – esta parceria com a UNESCO acabou por surgir naturalmente. É um prazer enorme para mim poder firmar esta colaboração. Estou entusiasmado para ver os nossos membros a colocar estes primeiros projetos conjuntos em prática”, reafirma. E concretiza:
“Em primeiro lugar, a UNESCO apoia os novos compromissos da Associação, “Em Harmonia com Todas as Formas de Vida Terrestres: Os Nossos 12 Compromissos em Matéria de Sustentabilidade”. Isto implica envolver todos os nossos membros na concretização de três grandes missões: preservar as tradições de hospitalidade e de gastronomia do mundo, contribuir para a proteção e o desenvolvimento da biodiversidade e, por último, implementar ações diárias para um mundo mais humano. Em segundo lugar, serão conduzidos diferentes projetos-piloto por membros da Relais & Châteaux que se encontrem nas proximidades de sítios classificados como Património Mundial da UNESCO. O objetivo será promover estes locais e as práticas tradicionais dos mesmos através da conservação da sustentabilidade e do uso da biodiversidade, bem como o respeito pelas culturas locais”.
Recorde-se que já em maio o L’AND Vineyard, no Alentejo, recebeu um jantar para assinalar o Dia Mundial dos Oceanos, e a resposta ao tema deste ano das Nações Unidas “Awaken New Depths”. Neste sentido, os membros da Relais & Châteux fizeram um apelo para a suspensão do consumo de espécies marinhas sobre-exploradas, baseado em dados concretos e validados pela Ethic Ocean – organização ambiental dedicada à preservação dos recursos piscatórios e ecossistemas marinhos. Na ocasião, esteve presente no Alentejo Elisabeth Vallet, diretora da Ethic Ocean. Em redor do mundo, todos os membros da associação foram convidados a organizar ações locais para celebrar -e apelar à necessidade de – a pesca sustentável.
Este ‘call to action’, que é também uma constante da Relais & Châteux – é a forma que a associação tem de manter ágeis e ativos e pertinentes os seus membros – continuará a fazer parte do modus operandi da associação, com esta nova parceria. E terá até direito a monitorização, para garantir que não são apenas intenções que não saem do papel, garante o presidente da entidade.
“As ações [dos membros] são monitorizadas através de dados quantitativos que são medidos e controlados com base em critérios do nosso Quality Charter. A qualidade é a componente central da estratégia da Relais & Châteaux e, até agora, avaliámos cada uma das propriedades com base em dois tipos de critério: técnicos e emocionais. Nas discussões exaustivas que decorreram a propósito da readaptação dos nossos Compromissos, foi proposto um terceiro critério qualitativo de análise: o coeficiente de sustentabilidade. Dessa forma, esta dimensão será também avaliada nas nossas propriedades a cada dois anos, a par de coeficientes emocionais e técnicos. Os nossos membros têm um timeline preciso a cumprir, e estamos a fazer de tudo para ajudá-los com novas práticas de gestão para a sua propriedade para que consigam atingir uma descarbonização gradual e bem gerida das suas atividades até 2040″.
E recua um pouco no tempo para explicar por que acredita no nível de compromisso de todos os membros da Relais & Châteaux: “No início, o principal cartão de visita de um proprietário Relais & Châteaux era presentar a sua extraordinária propriedade de família, passada de geração em geração. Uma estadia nessas propriedades dava aos hóspedes a oportunidade de aprender mais sobre a região, a história. Acredito que o objetivo dos proprietários atualmente vá para além disso, pois proporcionam uma forma distinta de explorar o mundo à volta da propriedade e de interagir com ele da forma mais consciente possível, ao mesmo tempo que usufruem de um contacto mais pessoal e próximo”, remata Gardinier.
E desengane-se se acha que a prória Relais & Châteux não está também empenhada em cumprir as mesmas exigências que faz às unidades que compõem a associação: ” Estabelecemos um Departamento de Sustentabilidade, responsável por implementar a nossa estratégia global abrangente e dar apoio direto aos nossos membros nas suas transições para um mundo mais sustentável”, diz Gardinier. A par disto, ” o Conselho de Administração da Associação decidiu, unanimemente, estabelecer um quarto órgão governativo: a Comissão de Sustentabilidade. Esta comissão foi criada em fevereiro de 2024 e é composta por sete membros proeminentes da Relais & Châteaux, conceituados no seu domínio. O seu propósito é encorajar, avaliar e aprovar todas as nossas iniciativas antes de serem votadas pelo Conselho de Administração”, garante.
“O ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, procede à assinatura da consignação das obras do terminal do Aeroporto Humberto Delgado”, lê-se numa nota de agenda enviada pela tutela. A cerimónia está marcada para as 1h00.
O ministro já tinha dito que, até ao final deste mês, seria assinado o auto de consignação das obras do aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, e que esse prazo é para cumprir.
Sobre os atrasos no arranque das obras, Miguel Pinto Luz tinha remetido para a ANA explicações sobre essa matéria, acrescentando que o Governo tem feito o que lhe compete, ou seja “pressionar no sentido de garantir que essas obras são feitas”.
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“Quem é utilizador hoje do aeroporto Humberto Delgado sabe que está absolutamente congestionado e que precisa de investimento que já não tinha há muito tempo. Agora tem investimento porque tem decisões, tendo decisões podemos obrigar positivamente, no sentido construtivo da palavra, o concessionário a fazer as obras a que está obrigado”, afirmou.
Contar histórias é condição inerente ao ser humano. Há milhares de anos que tecemos malhas densas de relatos para explicar o inexplicável, imortalizar heróis e entes queridos, embalar crianças, sonhar mundos utópicos e questionar os valores daquele onde vivemos.
Mitos, lendas, contos, parábolas, relatos de batalhas, de conquistas, de derrotas, de aventuras e desventuras, de amores e desamores, de procuras e encontros têm sobrevivido desde a alvorada dos tempos, adaptando-se aos mesmos, qual tapeçaria que, a cada ano que passa, ganha uma nova figura, uma nova árvore, um novo pássaro, um novo céu.
Contar uma história é, afinal de contas, dar forma a memórias, prestando-lhes um dos tributos mais dignos: o da imortalidade.
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Foi porventura com esta ideia em mente que o curador e historiador de arte Nuno Faria (NF) desenhou o projeto expositivo com o qual concorreu ao concurso público internacional que fez de si, desde março deste ano, o novo diretor do Museu da Fundação Arpad Szenes — Vieira da Silva (FASVS).
Oito meses mais tarde, as ideias tomaram oficialmente forma e, no mês em que comemora 30 anos de vida, o Museu da FASVS inaugura 331 Amoreiras em Metamorfose, que visa assinalar, não só o 30º aniversário da abertura do Museu, como o início da programação de NF à frente da instituição.
Projeto expositivo de mais de um ano, composto por cinco “capítulos”, 331 Amoreiras em Metamorfose visa assinalar não só o 30º aniversário da abertura do Museu da FASVS, como o início da programação de Nuno Faria à frente da instituição
E porque, como assegura, o objetivo é que “o museu conte histórias, não só as da História da Arte, mas também outras”, o próprio título foi pensado como a linha inicial de uma narrativa, contada até 31 de dezembro de 2025, ao longo daquilo que poderíamos chamar cinco “capítulos”.
Isto é, em vez de cinco exposições programadas ao longo de um ano, NF concebeu uma única exposição, com obras de 84 artistas, declinada em cinco momentos, divididos equitativamente até ao final de 2025. “De uns para outros, algumas obras são substituídas, mas outras permanecem, mantendo a continuidade do todo”, acrescenta o novo diretor.
“O projeto é, em si mesmo, uma metamorfose”, explica NF, sublinhando que o objetivo é “reencontrar a vocação oral do espaço Museu enquanto lugar onde as pessoas também vêm ouvir historias”.
A mesma casa, uma nova imagem
Com obras de mais de 28 artistas, Tecido do Mundoé então o primeiro momento expositivo de 331 Amoreiras em Metamorfose, inaugurado a 20 de novembro e patente até 9 de fevereiro de 2025.
As obras escolhidas e o diálogo que estabelecem entre si remetem para forma como o têxtil “impregna toda a nossa existência”, bem como para o facto das práticas a ele associadas estarem relacionadas com a narração de histórias.
A primeira que se quer contar é a das próprias instalações, inauguradas em novembro de 1994 no antigo edifício da Real Fábrica dos Tecidos da Seda, atribuído ao arquiteto Carlos Mardel.
Em frente desta, onde atualmente se encontra o Jardim das Amoreiras, reza a história que o Marquês de Pombal mandou plantar precisamente 331 amoreiras para alimentar a indústria da seda que então se fixara nesta zona da capital.
“Quisemos devolver a esta praça maravilhosa a fachada do edifício e inscrever ali o seu nome”, revela NF, apontando para as grandes letras de metal desenhadas por Pedro Falcão, designer responsável por redesenhar a identidade visual da Fundação e do Museu.
E porque “a relação entre o interior e o exterior é muito importante”, após deixarem para trás o Jardim das Amoreiras, atravessarem a porta de entrada e chegarem ao novo espaço da loja do museu, desenhado por Fernando Brízio, os visitantes são agora acolhidos por uma obra da artista têxtil Alice Aranha.
Centenas de fios de seda tingidos com folhas de árvores do jardim compõem uma autêntica membrana de ligação entre a arte que habita as paredes do museu e o jardim que floresce lá fora.
A arte de mudar de forma
Porém, Tecido do Mundo inicia-se apenas no primeiro andar, onde os visitantes são acolhidos por Le Retour d’Orphée, obra “sofrida”, nas palavras do diretor, pintada por Vieira da Silva após a morte de Apard Szenes.
O quadro divide a parede com parágrafos de Metamorfoses (8 d.C.), de Ovídio, intimamente relacionados com os valores defendidos pela nova direção. “Tal como a dúctil cera se molda sempre em novas figuras, e não permanece como era, nem conserva as mesmas formas e no entanto, é sempre a mesma, assim a alma é a mesma, é o que digo, mas transmigra para uma variedade de formas”.
A nova alma do Museu da FASVS é contemporânea, capaz de vir ao seu tempo, tempo esse marcado por um hibridismo que pede um “imaginário informe”, segundo NF, integrado num espaço com “leituras claras e lúcidas”, mas que não sejam dominantes.
“Quero que o discurso seja uma abertura e, quando falamos de abertura, falamos de possibilidades muito amplas de interpretação”.
O projeto é, em si mesmo, uma metamorfose. O objetivo é reencontrar a vocação oral do espaço Museu enquanto lugar onde as pessoas também vêm ouvir histórias
Seguem-se, entre outras obras, duas telas de Bruno Pacheco, artista que há vários anos tem vindo a dedicar-se ao tema da metamorfose, um desenho de Apard Szenes que retrata Vieira da Silva a metamorfosear-se em crisálida, uma tela de Rui Moreira, na qual a representação do têxtil tem grande relevância, e um vestido de Vieira da Silva bordado a seda, depois oferecido por esta à amiga Lourdes de Castro, que o usou na sua retrospetiva em Serralves.
Ainda na primeira sala, destaque para os bordados de Fernando Marques Penteado e Ilda David’, bem como numerosas representações de árvores da autoria de Apard Szenes, Vieira da Silva, Dominguez Alvarez, Ana Hatherly, Ângelo de Sousa e Maria Capelo.
De Lisboa para o Guggenheim
Na segunda sala somos recebidos por uma tapeçaria em ponto de Arraiolos, de Toma [Tomás Cunha Ferreira e Bárbara Costa Lima], dupla que se tem empenhado em criar uma rede de trabalho na região, recuperando um elemento fundamental da tradição.
A dominar o espaço, no entanto, são, inevitavelmente, Atelier Lisbonne (1934-35), uma das obras mais importantes de Vieira da Silva, nesta exposição acompanhada de seis estudos, e Composition (1936), também da sua autoria.
Após o dia 9 de fevereiro, ambas seguirão para duas exposições, a decorrer em abril de 2025, nos museus Guggenheim de Veneza e de Bilbau, no âmbito de um programa de internacionalização da obra da pintora portuguesa. “Parece que há uma curiosidade renovada em relação à artista. Isso poderá trazer novas leituras, o que é muito interessante”, comenta NF.
De seguida, naquele que pode ser considerado o espaço mais contemplativo da exposição, graças aos tons claros, às formas depuradas e ao conteúdo mais conceptual das peças ali apresentadas, surgem obras assinadas por nomes como Ana Harthely, Elisa Strinna, Helena Valsecchi, Ana Jotta e Fernanda Fragateiro, responsável por criar, especificamente para a ocasião, a obra inédita Texto sem palavras, 5.
Após uma zona dedicada ao rosto e ao retrato, a mostra termina numa sala que “tematiza a relação entre têxtil e pintura”, na qual a representação de Vieira da Silva dos toldos e do vestuário das mulheres da Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, convive com sete estudos seus para tapetes, obras de Sonia Delaunay, Josef Albers e Sol LeWitt.
Da esqª para a dirª: estudos de Vieira da Silva para tapetes; Variation on Homage to the Square, de Josef Albers; tapeçaria de TOMA, Les Champs, de Arpad Szenes FOTO: Vasco Célio
Numa era em que cada vez mais museus são de grande escala, o “pequeno” museu Vieira da Silva continua a assegurar a manutenção de uma relação mais íntima com o público.
A visita a Tecido do Mundo tem a duração e a intensidade que cada um lhe quiser dar, além de que, no futuro, contará com o diretor do museu, e alguns dos próprios artistas como guias.
A fim de derrubar as barreiras que ainda parecem existir entre os cidadãos e os museus, Nuno Faria empenhou-se ainda em assegurar que a entrada no museu da FASVS é gratuita para os residentes em Lisboa e para todos os outros ao domingo.
Depois de estar à frente do Museu da Cidade, no Porto, e do Centro Internacional das Artes José de Guimarães, em Guimarães, Nuno Faria chegou ao Museu da Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva, onde inaugurou, este mês, a primeira exposição por si comissariada.
Até dezembro de 2025, 331 Amoreiras em Metamorfose celebrará o 30º aniversário da abertura do Museu. Esperam-se visitas guiadas pelo próprio diretor e alguns artistas, o lançamento de um projeto editorial e de um podcast, além de entradas gratuitas para os residentes em Lisboa e, aos domingos, para todos os outros.
331 Amoreiras em Metamorfose, o projeto expositivo proposto até dezembro de 2025, é composto por cinco momentos. Em que consiste cada um deles?
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Não sendo propriamente um tema, mas mais uma evocação, cada momento tem diferentes colorações. O primeiro, O Tecido do Mundo, remete para a forma como o têxtil nos constitui e constitui as nossas vidas, como impregna toda a nossa existência.
O segundo, Uma Estreita Lacuna, diria que tem como tema principal a relação entre escrita e imagem, com várias obras da Vieira ligadas a universos literários, mas também obras de artistas poetas como Teixeira de Pacoaes ou Mário Cesariny.
O terceiro, Histórias de Bichos da Seda, vai ter muito a ver com animismo, magia e transformismos. O quarto, Notas Sobre a Melodia das Coisas, será marcado pelo aparecimento de várias naturezas mortas.
O momento final, talvez o mais importante, tem o mesmo nome do último quadro da Vieria, Ascensão: Vers La Lumiére, e vai ser muito ao branco, alvo, relacionado com o último período da obra dela, já depois da morte do Arpad.
Já tem ideias para o final do próximo ano, quando terminar este primeiro grande projeto?
Esta exposição é especial, porque não só é o começo de uma programação como coincide com o 30º aniversário do museu. Acho que preciso de um pouco mais de tempo para perceber como é que as coisas se vão desenvolver. No entanto, apesar de ainda não sabermos quando é que vão acontecer, já há projetos de outras exposições. Claro que uma das vocações do museu é mostrar a obra da Vieira e do Arpad e isso vai manter-se, como vemos também nesta exposição.
E a nível de programação paralela, o que é que quis trazer de novo para o museu?
Como já é prática da casa, vamos ter uma programação paralela em várias áreas, tanto no atelier Vieira da Silva, ao lado do museu, como no auditório. Estamos também a fazer um podcast com o Tomás Cunha Ferreira, que tem muita experiência de rádio, é artista e está também nesta exposição.
Um dos seus desejos é o de aproximar o lugar museu dos cidadãos. Que medidas se podem tomar para quebrar as barreiras existentes?
Queremos que as pessoas passem o limiar do museu, mas também que o museu esteja mais presente na rua. Queremos trabalhar muito com a praça, que é um privilégio tê-la aqui, ser mais abertos e que haja maior acessibilidade. Contudo é importante as pessoas perceberem que os museus são sempre lugares especiais, onde podem vir ver coisas que, muito provavelmente, não veem na sua vida do dia-a-dia. Acessibilidade é pensar como podemos melhorar não só a fruição, mas também o espírito crítico do espectador.
Como é que isso se faz?
Proporcionando-lhe uma visita durante a qual ele sinta que, no museu, tem acesso a coisas que não tem noutro sítio. Algo tão simples como estar à frente de uma pintura, de coisas que têm textura, uma presença física.
Também implementaram visitas guiadas aos fins de semana.
Sim, à partida haverá sempre uma visita guiada ao sábado por mim e, no futuro, algumas guiadas por artistas.
Quando, há um ano, Máximo Francisco, então apenas com 19 anos, lançava Greatest Hits, uma seleção pessoal de 12 faixas, compostas entre os nove e os 19 anos, parecia mentira. Para a maioria, pelo menos.
Para todos aqueles a quem, por alguma razão, tinha escapado a noite de 2017, em que o jovem músico partilhara o palco do CCB com nomes como Xinobi, The Legendary Tigerman, Jibóia e Sequin, ou o dia em que, dois anos mais tarde, tocara na Fundação Joana Vasconcelos, durante a ARCOlisboa, ou ainda as seis composições realizadas a convite do artista plástico Paulo Lisboa, a partir de obras daexposição Um esqueleto entra no bar… patente, em 2021, na Fundação Leal Rios.
Certo é que, dúvidas houvesse, foram dissipadas a 9 de março de 2023, no Lux, em Lisboa, durante o concerto de lançamento de Greatest Hits, primeiro álbum a solo de Máximo Francisco.
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Apesar do sucesso, as melodias calmas apresentadas nessa noite, em alguns casos ainda um pouco semelhantes entre si, estavam longe de serem a melhor versão do músico. Desde então, cresceram, maturaram, encheram-se de harmónicos, ganharam acompanhamento de bateria e baixo elétrico, bem como ritmos que as distinguem claramente umas das outras.
Em apenas 365 dias, Máximo Francisco, atualmente a terminar os estudos superiores em Composição de Jazz na Codarts Rotterdam, nos Países Baixos, compôs, gravou e lançou Pangea.
O álbum de seis músicas, uma das quais conta com a voz de Selma Uamusse, apresentado em outubro deste ano no Vago, em Lisboa, é um grito musical de alerta para a “eco-ansiedade” que o artista confessa sentir em si e em muitos dos seus contemporâneos, perante “a ameaça de extinção total” do meio ambiente, o qual afirma ter retratado “musicalmente de uma forma quase impressionista, não-linear e sensorial”.
Máximo Francisco conversou com o JL sobre o conceito por detrás do novo álbum, dos planos para o futuro e das fontes de inspiração que o impelem a avançar neste caminho, já tão sólido, ainda que recente, no mundo da música profissional.
Apesar de ter passado apenas um ano entre Greatest Hits e Pangea, sentes que existem diferenças nas paisagens sonoras que criaste num e noutro?
Sim. Passou só um ano, mas aprendi muito com este novo álbum por causa da licenciatura que estou a tirar, que me ajudou a progredir e a criar novas sonoridades. O Pangea é mais dinâmico, as composições têm mais energia e, ao contrário do que acontecia no primeiro álbum, não é só piano.
Além disso, enquanto ali o conceito era ser um Greatest Hits da minha carreira que ainda não tinha começado, agora é apelar ao combate às alterações climáticas e a uma sociedade coletiva, livre de eco-ansiedade, e capturar o ciclo anual num álbum, ou seja, quem está a ouvir pode passar por todas as estações.
Exato, quatro das seis faixas têm o nome das estações do ano. Inspiraste-te, de alguma forma, na maneira que Vivaldi encontrou de sentir essas mesmas estações?
Estudei música clássica desde pequeno e, como é óbvio, já ouvi as Quatro Estações, mas em termos musicais não foi uma inspiração. A inspiração veio mesmo do facto de eu gostar desse conceito de transformar algo que é inerente às nossas e vidas e que não controlamos, como o passar do tempo, neste caso a passagem de um ano, e transformar isso numa experiência musical. Sou muito influenciado por outros artistas que têm esta ideia nos seus álbuns, que criam uma experiência em que as músicas estão todas ligadas.
Além de contares com outros instrumentistas, em Pangea há também uma música em que dizes algumas frases. É algo que queres continuar a fazer no futuro?
Essa faixa, o Winter, foi incrivelmente intimidante e difícil para mim, porque é algo que não estou habituado a fazer. Em certas alturas estava mesmo desconfortável, tanto a escrever como a fazer aquela espécie de spoken word. Mas ainda bem que o fiz, talvez no futuro faça mais. Desta vez senti que havia necessidade de ter algum texto no álbum e esta foi a minha maneira de fazer acontecer.
Outra novidade é a colaboração com a Selma Uamusse, na música Suspiro. Como surgiu?
Conhecemo-nos num evento na Fundação Champalimaud, em que toquei uma versão dos Verdes Anos, com um arranjo meu. Sempre tinha querido fazer uma música com a Selma, convidei-a e ela aceitou. Inicialmente devíamos fazer a música Spring juntos, fomos a estúdio em janeiro de 2024, só que não ficamos contentes com os resultados dessa sessão.
Como estou a viver na Holanda, não conseguimos combinar outra, por isso, com o material que gravamos, com a voz dela, comecei a experimentar e foi então que encontrei aquela forma como Suspiro começa. Fiquei maravilhado com o resultado e, a partir daí, fiz a música em dois dias.
Porquê o nome Pangea?
Pangea foi um super-continente que existiu há 200 milhões de anos e que unia todos os continentes, como os conhecemos hoje em dia, numa só massa biológica. Pareceu-me uma boa metáfora para a representar a necessidade de uma sociedade coletiva e unida no combate às alterações climáticas, e uma certa eco-ansiedade que eu próprio também sinto já há alguns anos.
Apesar de, em Winter, dizeres que “o futuro é obscuro”, pensas em regressar a Portugal depois da faculdade?
Tenho pensado bastante nessa questão, porque acabo a licenciatura este ano. Apesar de o futuro ser obscuro, tenho na mesma família e amigos em Portugal, portanto, em princípio irei voltar. Quero estar ativo também lá fora, sobretudo na Europa. Digo na Europa, e não o mundo inteiro, porque, no futuro, uma coisa que quero mesmo fazer sempre menos e menos é andar de avião, optando pelo comboio.
E para 2025 já há concertos marcados?
A 6 de fevereiro toco num tributo ao Carlos Paredes, no CCB, juntamente com outros músicos, e, no final desse mês começo também a tour para promover o Pangea.