JUNHO

Primavera Sound

Parque da Cidade, Porto 12 a 15 de junho

O festival que nasceu em Barcelona, em 2001, e aterrou no Parque da Cidade, no Porto, em 2012, tem sempre como argumento mais forte (além do espaço que ocupa, que parece ter sido pensado para receber um festival) um cartaz em que se misturam as mais recentes tendências no mundo do pop, rock, hip-hop e eletrónicas com grandes nomes de créditos já firmados.

Em praticamente todas as listas dos melhores discos de 2024, um nome saltava à vista: a britânica Charli XCX e o seu álbum Brat. É dela, na sua estreia num palco português, um dos concertos mais aguardados do Primavera Sound 2025 (dia 12). O grande nome na área do hip-hop no cartaz deste ano é o do, também britânico, Central Cee (13). E há uma banda que está de regresso e vai fazer muitos fãs irem ao Porto só para os reencontrar: os Deftones (13), de Chino Moreno, que em 2000 lançaram o álbum White Pony, marcando a sonoridade de metal alternativo então em voga. E há muito mais para ver nos quatro palcos do Primavera, que, mais uma vez, abre a época dos grandes festivais de verão. Alguns destaques: Anohni and the Johnsons, Caribou, Fontaines D.C., Glass Beams, Surma (dia 12); Beach House, Michael Kiwanuka, Los Campesinos!, TV on the Radio, A Garota Não (13); Jamie XX, Haim, Parcels, Turnstile, Wet Leg, Kim Deal, Destroyer, Capitão Fausto (14).

Meo Kalorama

Parque da Bela Vista, Lisboa 19 a 21 de junho

Apesar de ser uma chegada recente ao universo dos grandes festivais de verão em Portugal (a primeira edição aconteceu em 2022), o Kalorama impôs-se rapidamente graças à qualidade do cartaz. Este ano há uma novidade de peso na sua ainda breve história: deixou de ser o último dos festivais de verão, já nos primeiros dias de setembro, e passou a ser um dos primeiros, já em junho. O local, esse, mantém-se: o Parque da Bela Vista, território descoberto para estas funções nas primeiras edições do Rock in Rio, em Lisboa.

Pet Shop Boys. Foto: Lucília Monteiro

Voltando a afirmar a sustentabilidade e a ligação à comunidade de Chelas como valores essenciais, o Kalorama volta a destacar-se pelos músicos que consegue levar aos seus três palcos (um deles para DJ). Em 2025, destaque para os cabeças de cartaz Pet Shop Boys, que atuam logo na primeira noite (19, às 22h44). Na sexta, 20, ainda ao fim da tarde, no palco San Miguel, os apreciadores de rock intenso e tocado bem alto não podem perder a sucessão dos portugueses Máquina (um segredo cada vez mais mal guardado, às 18h40) e dos norte-americanos Model/Actriz, que lançaram já este ano o segundo álbum, Pirouette, e mostraram no Festival Vodafone Paredes de Coura do ano passado do que são capazes, com o vocalista Cole Haden a percorrer incansavelmente toda a área do público.

Há muito mais para ver, num programa diverso: entre outros, David Bruno, Father John Misty, Flaming Lips, Cara de Espelho, Sevdaliza, L’Impératrice (dia 19); Best Youth, Azealia Banks, Scissor Sisters, FKA Twigs, Róisín Murphy (20); e Jasmine 4T, Noga Erez, Jorja Smith e Damiano David (vocalista dos italianos Måneskin), Badbadnotgood e Branko (21).

Med Loulé

Loulé 26 a 28 de junho

Ferro Gaita. Foto: DR

Como sempre, nem só de música se faz o Med Loulé, que junta aos concertos uma programação paralela com foco na gastronomia, artes plásticas, animação de rua, artesanato, dança, teatro, cinema e workshops. Mas no centro de tudo está a world music, com espetáculos espalhados por cinco palcos. Na edição deste ano, com 38 concertos e Cabo Verde como país convidado, destaque para, entre outros, os Ferro Gaita, Dino d’Santiago & Os Tubarões, Vieux Farka Touré, Carminho (dia 26); Cesária Évora Orchestra, os jamaicanos The Congos & The Gladiators, A Garota Não (27); e Sílvia Pérez Cruz com Salvador Sobral, Paulo Flores, Milhanas e Queen Omega (28).  

Evil Live

Estádio do Restelo, Lisboa 27 a 29 de junho

Há muitos nomes de peso (palavra não escolhida ao acaso) neste festival urbano dedicado ao rock mais pesado e às várias sonoridades do heavy metal. Clássicos como os Judas Priest (fundados em 1969!) e os Death Angel (formados, em 1982, em São Francisco) juntam-se a nomes mais recentes como os Opeth, os Korn ou os mascarados Slipknot. No contingente nacional, destaque para os concertos de RAMP e Bizarra Locomotiva.

Lisb-On, Jardim Sonoro

Jardim Keil do Amaral, Lisboa 27 a 29 de junho

Centrado nas músicas eletrónicas, o Lisb-On volta ao Jardim Keil do Amaral, em Monsanto. Entre descontração em registo chill out e ritmos mais acelerados, que convidam ao movimentos dos corpos, a maioria das apresentações são assinadas por DJ de várias origens geográficas e estilos. O norte-americano Maceo Plex e o holandês Speedy J são dois dos nomes mais aguardados.

Jardins do Marquês

Palácio do Marquês de Pombal, Oeiras 28 a 30 de junho, 2, 5, 6 e 9 de julho

O conselho para um público festivaleiro que não procura propriamente ambientes frenéticos e grandes aventuras mantém-se: “recomendamos que se faça acompanhar de agasalho”. O reggae dos The Wailers (a 28), Cat Power interpretando Bob Dylan e Gisela João (29), José González e Mayra Andrade (30), a brasileira Simone (5 de julho), Mario Biondi e Herman José (6) e a histórica banda brasileira Paralamas do Sucesso (9) são os destaques deste edição. O dia 2 de julho está reservado para a comédia, com Pedro Teixeira da Mota e vários convidados (Luana do Bem, Salvador Martinha, entre outros).

Cat Power. Foto: DR

JULHO

Ageas Cool Jazz

Hipódromo Manuel Possolo, Cascais 4, 12, 15, 17, 23, 26 e 31 de julho

O jazz na sua denominação pode levar algumas pessoas ao engano, mas este festival, que se espalha ao longo do mês de julho, já conquistou um público que sabe bem que, ali, muitos géneros musicais convivem. Destaque nesta edição para os concertos do sempre intenso Benjamin Clementine (dia 4), Seal (12), Ezra Collective (15), os brasileiros Gilsons (17), Slow J (23) Tindersticks e Ganso (26) e Masego, Razy e Amaura (31).

Sumol Summer Fest

Praia de São João, Costa da Caparica 4 e 5 de julho

É um festival de música, sim, mas, mais do que isso, quer funcionar como ponto de encontro para um público muito jovem que também tem interesses pela arte urbana, o skate, a dança e… as muitas atividades possíveis na praia. O cartaz musical faz-se, sobretudo, de hip-hop e músicas urbanas, como o funk brasileiro. MC Cabelinho, Lil Tecca, Zara G, Tiacorine, Jüra, Chyna e ATJ (dia 4) e Lil Tjay, Morad, MC Luuky, Rap Crioulo, Tixa, SleepyThePrince e Yuri NR5 são os nomes anunciados para fazerem a festa nestas duas noites na Caparica.

RFM Somni Intermarché

Praia do Relógio, Figueira da Foz 4 a 6 de julho

Aproveitando o extenso areal da Figueira da Foz, é o festival português que mais pode vangloriar-se de levar o seu público para a praia. A animação faz-se sobretudo com DJ em palco e neste ano o Somni tem vários nomes que arrastam multidões para apresentar. É o caso, sobretudo, de Steve Aoki, conhecido por lançar bolos para o público (dia 5), mas também de Timmy Trumpet (6) e do brasileiro Alok.

NOS Alive

Passeio Marítimo de Algés 10 a 12 de julho

O NOS Alive impôs-se desde 2007 (quando ainda se chamava Optimus Alive) como o grande festival de verão português e o que melhor soube (a par do Primavera Sound, no Porto) atrair público estrangeiro, sobretudo britânicos. No balanço da edição de 2024, uma média de 55 mil espectadores por dia passaram pelo Passeio Marítimo de Algés. A variedade do cartaz em sete palcos e a aposta em grandes nomes da cena pop e rock mundial são o grande argumento do NOS Alive; a localização, às portas de Lisboa, ajuda a atrair multidões.

Olivia Rodrigo. Foto: Sashenka Gutierrez

Na edição de 2025, os bilhetes para o primeiro dia esgotaram rapidamente, muito provavelmente graças à cabeça de cartaz: a muito jovem (22 anos) estrela Olivia Rodrigo, que começou por afirmar-se em séries do canal Disney (especialmente High School Musical). A substituição de última hora que aconteceu para o último dia do festival também vai garantir, acreditamos, uma corrida às bilheteiras: os Kings of Leon cancelaram, devido a uma lesão do vocalista, e avançaram os Muse, com uma boa legião de fãs em Portugal, que se juntam, nessa noite, aos Nine Inch Nails, Future Islands, Foster the People, Amyl and the Sniffers, Jet, entre outros. Mostrando uma mudança em relação à estratégia habitual do festival, o cabeça de cartaz do segundo dia, 11, é um DJ e produtor de música eletrónica: o ítalo-americano Anyma, que sobe ao palco na mesma noite que a dupla francesa Justice.

Boom

Idanha-a-Nova 17 a 24 de julho

Acontece de dois em dois anos e é o único festival que não precisa de anunciar nenhum nome de um artista que aí vai atuar para que os bilhetes esgotem num ápice, comprados por gente de todo o mundo. Mais do que um festival de verão com concertos em vários palcos, o Boom é uma experiência imersiva, nas margens da barragem Marechal Carmona, que tem muita música de dança eletrónica, mas vai bem para lá disso, com exposições, oficinas e atividades ligadas a culturas ditas alternativas.

Foto: Lucília Monteiro

Festival Músicas do Mundo

Vários locais de Porto Covo e Sines 18 a 26 de julho

A cidade da costa alentejana volta a ser o centro do mundo por uns dias. Este ano, chega-se à 25ª edição do Festival Músicas do Mundo, em Sines e Porto Covo, celebrando um festival que conseguiu impor-se com uma identidade muito própria e uma programação atenta e exigente sintonizada com o universo da world music – ou seja, música de raízes tradicionais de culturas dos quatro continentes. O programador, Carlos Seixas, gosta de manter um perfil discreto, mas é o grande responsável, desde início, por esta grande festa anual com todos os ritmos do mundo.

Mais uma vez, o festival começa em Porto Covo, entre 18 e 20 de julho, com concertos de entrada livre: Maestro Espada (Espanha), Tiago Mago (França) e Kamakan (Irão), a 18; Ana Lua Caiano, Bashar Murad (Palestina), Pamela Badjogo (Gabão), 19; A Pedreira (Galiza), Selin Sümbültepe (Turquia), Kalàscima (Itália) e Ácido Pantera (Colômbia), 20.

Orchestra Baobab. Foto: DR

A passagem para Sines, com epicentro no castelo, faz-se no dia 21. Ao todo o FMM, em 2025, vai receber 49 concertos com artistas originários de 35 países. Destaque para a histórica Orchestra Baobab (dia 26, 23h30) e, também do Senegal, Youssou N’Dour (23, 23h30). O jamaicano Max Romeo, que morreu em abril passado e tinha concerto previsto em Sines este ano, terá direito a um concerto de homenagem/tributo (24 de julho). Rokia Traoré (Mali), O Mistério das Vozes Búlgaras, a mexicana Julieta Venegas são outros nomes consagrados neste 25º FMM. Como sempre, também há, em Sines, um bom contingente de artistas de países de língua portuguesa: Nação Zumbi, Lena d’Água, Ana Lua Caiano, Bonga, Capicua, Bia Ferreira e Roberto Chitsondzo garantem a presença lusófona.

Mimo

Amarante 18 a 20 de julho

Importado do Brasil, onde, desde 2004, é um dos maiores festivais com entrada gratuita, o Mimo instalou-se, em Portugal, à beira do rio Tâmega, em Amarante, onde chega agora à sexta edição. Além dos concertos, o Mimo aposta em palestras, workshops, oficinas, cortejos e roteiros culturais, transformando a cidade durante três dias. São muitas as propostas musicais, juntando músicos e DJ de 13 nacionalidades, sempre com entrada livre. Fogo Fogo, Ana Moura, a brasileira Jéssica Gaspar, a norte-americana Aja Monet e um DJ set de Daddy G (fundador dos Massive Attack) são alguns dos destaques deste ano.

Meo Marés Vivas

Vila Nova de Gaia 18 a 20 de julho

Desde as primeiras edições que teve a ambição de ser um festival para “toda a família”, programando, lado a lado, artistas com públicos muito diferentes. Em 2025, essa estratégia continua a ser seguida. Para pais/mães e até avôs/avós que ainda não se cansaram de ouvir Still Loving You e de, com os olhos semicerrados, fazer movimentos de air guitar, aí estão os alemães Scorpions (dia 18). Para o público mais jovem há o reaggaeton do porto-riquenho Ozuna, o fenómeno brasileiro Pedro Sampaio, Calema ou Nenny. Um dos nomes mais fortes do cartaz deste ano, os Thirty Seconds to Mars, de Jared Leto, apela aos jovens adultos que acompanharam o crescimento da banda no início do século (atuam no mesmo dia que Miguel Araújo e Os Quatro e Meia, 19). E, claro, também há concertos para todas as idades, como o dos eternos Xutos & Pontapés (18). 

Ozuna. Foto: DR

Rock in Rio Febras

Quinta da Ponte, Briteiros, Guimarães 25 e 26 de julho

Um caso exemplar da máxima que diz que não há “má publicidade”. Este pequeno festival foi muito falado quando, em 2023, o gigante Rock in Rio resolveu ameaçar a organização de um processo judicial se não alterassem o nome. Resultado: o Rock in Rio Febras cresceu como nunca, por ali, se tinha imaginado… A entrada é grátis (“sujeita a reserva”) e na informação sobre o horário lê-se “até a GNR chegar.” Para esta quarta edição já há um nome grande internacional confirmado, os americanos Dandy Warhols, que se juntam ao projeto José Pinhal Post-Mortem Experience. Mais nomes serão anunciados.

AGOSTO

Neopop

Viana do Castelo 7 a 9 de agosto

Já vai na 18ª edição, este festival que se instala, com dois palcos, no forte de Santiago da Barra, em Viana do Castelo, em nome da música de dança eletrónica. O mote para esta edição é “interplanetary dance music” e o objetivo é o mesmo de sempre: pôr o público a dançar até o dia começar a clarear (e até depois). Charlotte De Witte, Frank Maurel, Jeff Mills e Nina Kraviz são alguns dos DJ de renome mundial que vão atuar no Neopop este ano.

Jeff Mills. Foto: DR

Vodafone Paredes de Coura

Paredes de Coura 13 a 16 de agosto

Não é à toa que muitos, e cada vez mais, falam em Couraíso. O icónico anfiteatro natural de relva virado para o palco principal, a descontração geral entre grandes árvores e a proximidade da Praia Fluvial do Taboão, junto ao espaço de campismo que serve o festival, faz com que muitos peregrinem anualmente, em agosto, em direção a Paredes de Coura, independentemente do cartaz. Mas a música é algo que ali se leva muito a sério desde 1993, quando o festival era pouco mais do que um grande sonho de uns jovens da terra. Essa mistura de exigência no cartaz e condições naturais tem feito o Vodafone Paredes de Coura brilhar em muitos prémios internacionais e fez dele um dos lugares favoritos para tocar de muitos músicos de todo o mundo.

Franz Ferdinand. Foto: Marcial Guillen

O programa dos dois palcos é, sempre, uma boa oportunidade para descobrir música nova, bandas emergentes ou menos conhecidas por cá, num equilíbrio com grandes nomes, por norma mais ligados às cenas indie e alternativas (etiquetas que, porventura, cada vez têm menos significado, já que podem abranger estilos musicais muito díspares). Os horários da edição de 2025 ainda não são conhecidos, mas o cartaz está fechado com, entre muitos outros, Vampire Weekend, Zaho de Sagazan, Nilúfer Yania, Cass McCombs, Samuel Úria, Capicua, Unsafe Space Garden (13); Lola Young, Portugal the Man, Perfume Genius, Linda Martini, Glockenwise (14); King Krule, Black Country, New Road, Bar Italia, Ela Minus,Dino d’Santiago, Memória de Peixe (15); e Franz Ferdinand, Air, Sharon Van Etten, DIIV, Ana Frango Elétrico, Xinobi e Cassete Pirata (16).

Sol da Caparica

Parque Urbano da Costa da Caparica 14 a 17 de agosto

É um festival de verão ligado a uma câmara municipal, a de Almada, o que não é muito comum (os residentes no concelho têm descontos especiais). O músico André Sardet assumiu a direção artística desta 10ª edição e desenhou um cartaz que, como sempre, privilegia a música nacional. Plutónio, Dillaz, Julinho KSD e David Carreira são os nomes fortes da primeira noite. No dia 15, destaque para Richie Campbell e Nininho Vaz Maia. Os Da Weasel prometem fazer a festa, jogando em casa, no dia 16 e a 17 os cabeças de cartaz são os Wet Bed Gang.

Foto: Lucília Monteiro

Vilar de Mouros

Vilar de Mouros, Caminha 20 a 23 de agosto

Houve uns anos em que a tradição esteve tremida, passaram-se vários verões sem este festival minhoto. Mas, agora, parece que Vilar de Mouros regressou de vez, honrando um passado que remonta aos anos 60 e faz dele um festival histórico, com muitos episódios para contar (a primeira edição aconteceu há precisamente 60 anos).

Da Weasel. Foto: Rui Farinha

No cartaz deste ano destaquem-se vários regressos, a começar pelos históricos punks Sex Pistols (quem diria que se celebrizaram gritando “no future!”…) com Frank Carter, os James, The Kooks, The Stranglers, Stereo MC’s ou o metal alternativo dos Papa Roach. Girlband! e The Ting Tings são algumas (boas) propostas de bandas mais recentes. Vilar de Mouros foi o cenário escolhido, este ano, para a reunião dos Da Weasel, que já aconteceu, sempre com grande sucesso, noutros festivais, desde o concerto no NOS Alive em 2022.

Extramuralhas

Leiria 21 a 23 de agosto

Já na 14ª edição, anuncia-se sem meias-tintas como “festival gótico.” Mas ouvindo, todos os anos, as propostas que chegam a este festival de Leiria percebe-se que esse é, hoje, um universo bem abrangente, que vai das mais melancólicas e serenas melodias ao rock mais pesado e a experiências eletrónicas. A banda britânica And Also the Trees e o músico Matt Elliott (ambos no dia 21) são os destaques na programação deste ano. Como sempre, há várias surpresas possíveis vindas de músicos que não costumam vir a Portugal, caso do enigmático projeto S Y Z Y G Y X, de Luna Blanc (dia 22), que chega de Washington DC. 

S Y Z Y G Y X. Foto: DR

Festival do Crato

Campo Primeiro de Maio, Crato 27 a 30 de agosto

Existe há 39 anos e faz lembrar as antigas festas de verão que havia (e ainda há…) um pouco por todo o País: stands das empresas locais, artesanato e uma boa presença da gastronomia local em várias barraquinhas-restaurantes que aí se instalam enquanto dura o festival. De há uns anos para cá, houve uma maior aposta nos concertos. E pelo cartaz apresentado para esta edição, intui-se que a ideia é atrair um público mais jovem. O produtor nacional Mizzy Miles e Plutónio são os nomes anunciados para a primeira noite. A dupla Lon3r Johny e ProfJam atuam no dia 28. No dia 29, num estilo completamente diferente e sintonizado com as tradições alentejanas, sobe ao palco Luís Trigacheiro (com Buba Espinho e Diogo Piçarra como convidados). Outros nomes ainda podem vir a ser anunciados.  

SETEMBRO

Festival F

Vila Adentro, Faro 4 a 7 de setembro

É já a décima edição deste festival, que aposta forte na música nacional e gosta de se anunciar como o último da temporada de festivais de verão. Para assinalar a data redonda, preparou-se uma edição especial, com quatro dias (sendo que o quarto coincide com o dia da cidade e do município de Faro). Prometem-se várias novidades para 2025, mas falta, ainda, o anúncio do mais importante: os músicos que ali vão atuar este ano. Calma, o verão só começa no próximo dia 21 de junho…

Avante!

Quinta da Atalaia, Amora, Seixal 5 a 7 de setembro

Ainda não se usava a expressão “festivais de verão” e já a Festa do Avante! era um grande festival de verão, com muitos concertos, exposições, cinema, gastronomia e outras atividades. Quem acha que é, sobretudo, um evento político ligado ao PCP é porque, provavelmente, nunca lá pôs os pés. Entre os muitos concerto anunciados para este ano estão Capicua, A Garota Não, Stereossauro com Carlão, Ana Lua Caiano, DJ Ride e Pedro Jóia, Fogo Fogo, Selma Uamusse, Linda Martini, Gisela João, Paulo de Carvalho, Tó Trips & Fake Latinos e a Orquestra Sinfonietta de Lisboa.

Foto: Ana Brígida

Ao calor do jazz

12º Jazz no Parque da Maia

Projeto Contacto/Improvisação, Mané Fernandes, Joana Raquel, João Martins, João Próspero. Parque Central da Maia > 13-15 jun

Jazz na Real Vinícola

Orquestra Jazz de Matosinhos convida Perico Sambeat, Antonio Loureiro. Real Vinícola, Av. Menéres, 456, Matosinhos > 14, 21 e 28 jun

5º Jazz no Parque do Barreiro

Trio Emmet Cohen, Litlle Big/Aaron Parks, Songsayer de Rita Maria e Nuno Costa, Amy Gadiana, Daniel García Trio, Azul/Carlos Bica. Parque da Cidade, Av. Escola dos Fuzileiros Navais, Barreiro > 27-29 jun

11º Julho é de Jazz

David Murray Quartet, Orquestra Jazz de Matosinhos com Peter Evans, Vijay Iyer Trio e Mary Halvorson’s Amaryllis Sextet, Ava Mendoza com Brad Jones e Hamid Drake, Ricardo Toscano e Gabriel Ferrandini, Zoh Amba Sun Ensemble e Fourward. Theatro Circo e gnration, Braga > 2-12 jul

Matosinhos em Jazz

Amaro Freitas, Mansur Brown, Cherise, Lana Gasparotti, Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música convida Gileno Santana, Orquestra Jazz de Matosinhos & Ricardo Ribeiro. Coreto do Jardim Basílio Teles, Matosinhos e Praça Guilhermina Suggia, Matosinhos > 5-6, 12-13, 19-20 jul, 24-25 jul

Que Jazz É Este?

Manuel Linhares, Spinifex Sings, Miguel Valente Quarteto, workshops. Vários locais de Viseu > 9-20 jul

Funchal Jazz

João Barradas Trio, Azul/Carlos Bica, Fred Hersch Trio, Lakecia Benjamin, Maria Schneider e Orq. de Jazz do Funchal. Parque de Santa Catarina, Funchal > 10-12 jul

Porta-Jazz ao Relento

Jardins do Palácio de Cristal, Porto > 10-13 jul

Jazz no Parque de Serralves

Parque de Serralves, R. D. João de Castro, 210, Porto > 5-6, 12-13 jul

41º Jazz em Agosto

Heart Trio, Rafael Toral, Kris Davis Trio, Mariam Rezaei, Darius Jones, Luís Vicente Trio, João Próspero, MOPCUT + Moor Mother + Dälek, X-Ray Hex Tet, Shane Parish, Thumbscrew, Elias Stemeseder & Christian Lillinger, Patricia Brennan Septet. Fundação Calouste Gulbenkian > Av. de Berna, 45 A, Lisboa > 1-10 ago

Trump não governa uma autocracia e não pode – nem deve – usar as forças militares para tarefas de contenção de manifestações, mesmo que violentas. Pior ainda: não pode sobrepor-se ao governador da Califórnia – um potencial futuro presidente – quando não está em causa a segurança dos Estados Unidos.

A Califórnia está a viver o drama da decisão do governo federal de repatriar todos os imigrantes não documentados. Neste caso, trata-se do maior estado da União, mas muitos outros enfrentam situações semelhantes, que geram revolta e incompreensão.

Sempre que alguém se agita, Trump convoca os Marines, o que transmite uma imagem extraordinariamente negativa dos Estados Unidos. As forças militares devem ser usadas para fazer face a ameaças à integridade territorial e como garantes da paz em múltiplas alianças de defesa, como a NATO.

As condições desumanas em que os imigrantes ilegais são repatriados são insustentáveis para uma democracia como a americana, que é uma referência para o mundo. Washington não se pode transformar, de um momento para o outro, numa nova Moscovo ou Telavive. Isso desestabiliza o mundo e todos os seus aliados.

10 de Junho: «Nós somos portugueses porque somos universais e somos universais porque somos portugueses», disse o Presidente da República no 10 de Junho. Antes, já Lídia Jorge recordava que «ninguém tem sangue puro», e estas duas frases marcaram toda a simbologia do Dia de Portugal.

Sinal dos tempos, ou da natureza humana, associamos hoje a palavra “camuflagem” imediatamente ao universo bélico. Mas antes do padrão de “camuflado” nas fardas de soldados e equipamentos militares, antes ainda da própria invenção da palavra e da linguagem humana, já a camuflagem era um fenómeno presente na Natureza, nas lutas de sobrevivência entre presas e predadores. Não surpreende, pois, que a arte da dissimulação, esta forma de estar presente parecendo estar ausente, tenha tantas vezes chegado ao mundo das artes.

Nesta nova exposição da Associação P28 é precisamente o conceito de “camuflagem” que serve de eixo central temático a propostas muito diferentes e em diversos suportes. Na galeria instalada dentro do Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, não falta, mesmo, uma obra do grande mestre da dissimulação, que fez da ocultação uma arte: o búlgaro Christo (1935-2020). Aqui, vemos a obra, de 1968, Wrapped Portrait of Jayne Mansfield, com um retrato a óleo sobre tela que, embrulhado em plásticos atado com cordéis, mal se deixa vislumbrar.

Mesmo ao lado está a peça Sem Título, realizada já este ano por Stella Kaus, em que transparece inquietação, um certo caos explosivo e colorido e até alguma agressividade (“fuck off” lê-se um pouco por todo o lado, em rabiscos apressados).

“Joseph Beuys, In Memoriam, 1986” Nas suas últimas obras, Andy Warhol recorreu várias vezes aos padrões de camuflados, como neste retrato do artista alemão Beuys

Estas obras, lado a lado, simbolizam bem a identidade deste projeto/galeria. Stella é uma das artistas residentes da P28 que, recorde-se, tem como principal missão, desde 2009, “a difusão da arte contemporânea” com a responsabilidade cultural e social de ter o foco nas ligações entre “arte” e “doença mental.” Apresentam-se, pois, como “a única galeria de arte nacional que apresenta parcerias entre artistas profissionais e artistas residentes numa unidade de saúde mental.”

Nesta Camouflage, com curadoria de Katherine Sirois e Lourenço Egreja brilha, ainda, um retrato do mestre da arte pop, Andy Warhol, que nos seus trabalhos finais explorou o padrão dos camuflados (num momento em que não era nada habitual ver essas formas e cores em acessórios de moda populares, como tem acontecido nos últimos anos). A obra que aqui podemos ver é Joseph Beuys, In Memoriam, de 1986, pertencente à Coleção de Arte Contemporânea do Estado.

“Diorama for Military Uniform Camouflage with Cutout Figurine, ca. 1910”, de Abbott Thayer. Foto: Meryman Family Estate

Um lado lúdico (como na instalação Na Sombra, de Pedro Valdez Cardoso) espreita em peças que tanto evocam a ideia de camuflagem na Natureza (Gabriela Albergaria, Fabrizio Matos, Daniel Gustav Cramer…) como nos transportam para o imaginário das guerras (Miguel Palma, Manuel Botelho, Edgar Martins e, logo no início, Abbott Thayer, o pintor naturalista americano que, no princípio do século XX, contribuiu para inéditas práticas de camuflagem presentes na I Guerra Mundial).

Ao todo, sob o signo da camuflagem, entre fotografias, instalações, esculturas, aguarelas e pinturas estão aqui representados 17 artistas.

Camouflage > Galeria P28 > Hospital Júlio de Matos, Av. do Brasil 53, Pavilhão 31 (entrada Rua das Murtas) > até 5 jul, qua-sáb 14h-19h > grátis

As autoridades confirmam pelo menos 10 mortes e adiantam que há vários alunos e professores feridos.

Um suspeito terá sido encontrado morto numa das casas de banho, segundo os primeiros indícios.

O jornal Kronen Zeitung indica que o tiroteio começou por volta das 10h00 da manhã locais (09h00 em Lisboa) e que o suposto agressor disparou em duas salas de aula diferentes.

“Várias unidades especiais da polícia de intervenção estão no local”, disse a polícia na rede social X, referindo-se a “tiros” sem dar mais pormenores.

Às 11h30, a polícia local escreveu na mesma rede social que a escola foi totalmente evacuada e todos foram levados para um ponto de encontro seguro..

O autor do ataque é um ex-estudante de 21 anos do estabelecimento de ensino secundário em causa que não completou os estudos e que tinha duas armas. Os motivos para este ataque não são ainda conhecidos.

Graz, a segunda maior cidade da Áustria, está localizada no sudeste do país e tem cerca de 300 mil habitantes.

O chanceler austríaco, Christian Stocker, decretou três dias de luto nacional na sequência da tragédia, falando num “dia negro” para a história do país.

O Presidente, Alexander van der Bellen, disse que “este horror não pode ser reproduzido em palavras”.

No fim do seu discurso na cerimónia militar comemorativa do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas realizada na Avenida dos Descobrimentos da cidade algarvia de Lagos, Marcelo Rebelo de Sousa fez um agradecimento ao “povo anónimo” e destacou o papel dos militares. “Isto é Portugal, os portugueses e as portuguesas, e nele os nossos combatentes, os nossos militares, esses militares que aqui estão, todos os anos pelo 10 de Junho, mas estão na nossa História desde que nascemos. Nascemos e tornámo-nos independentes por causa da sua intervenção, recuperámos a independência por causa da sua intervenção”, afirmou.

O chefe de Estado e comandante supremo das Forças Armadas referiu que o Portugal foi um reino “feito por esses soldados” e hoje é uma “pátria que vive em liberdade e democracia feitas por esses soldados”.

“É essa gratidão que queremos testemunhar neste 10 de Junho de 2025 em Lagos, condecorando quem foi, nos mais de 90 anos da sua vida, combatente em África, capitão de Abril, protagonista de Novembro, chefe militar até ao comando supremo, primeiro Presidente da República Portuguesa eleito livremente pelo povo português”, acrescentou. 

Antes de condecorar António Ramalho Eanes, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que o general “merece como ninguém o primeiro grande-colar da Ordem Militar da Avis, nunca atribuído”.

“Homenagem a este homem e ao seu percurso como militar e cidadão. Homenagem às Forças Armadas Portuguesas. Homenagem ao povo português. Homenagem a Portugal. Viva Portugal”, concluiu.

Algures entre o final da década de 1920 e o início da de 1930, o então primeiro-tenente da Marinha Alfredo Motta (que chegaria a contra-almirante) encontrou a inspiração para um projeto de uma vida. Ficou encantado com um volume luxuosamente encadernado, editado, em 1898, pela Academia Real de Ciências, em que as 1 102 estrofes dos X Cantos de Os Lusíadas, de Luís de Camões, foram manuscritas por 1 098 individualidades “emblemáticas” da sociedade portuguesa na altura, como lhes chamava.

“Lembrei-me de, com personalidades da nossa época, reviver, escrita à mão, a imortal obra de Camões”, contava o contra-almirante Alfredo Motta numa entrevista que deu à Revista da Armada, em 1981. “Todas as pessoas a quem pedi colaboração acederam (…), e fizeram-no sem preocupações de precedências (…), aceitando de boa mente a estância [estrofe] que lhes foi indicada reproduzir”, acrescentava.

Dir-se-ia que, como sinal transcendente de que o seu projeto valia a pena, verifica-se nas largas centenas de transcrições recolhidas por Alfredo Motta que a mais antiga é de 1931 e pertence ao médico (e conde de Mafra) Tomás de Mello Breyner (que manuscreveu a estrofe 32 do Canto I), avô da poeta Sophia de Mello Breyner Andresen. Seguiu-se, logo em 1932, a participação de Gago Coutinho. Mas, apesar de todos os seus esforços, quando morreu, em 1984, aos 89 anos, o contra-almirante apenas tinha conseguido completar as transcrições das estrofes dos Cantos I e II. O último “autógrafo” que obteve, como os chamava, foi o do historiador Armando Cortesão, que manuscreveu a estrofe 80 do Canto X.

Os seus descendentes, porém, continuaram – e continuam – o projeto, em curso há 94 anos. Já a referida edição da Academia Real de Ciências, de 1898, em que Alfredo Motta se inspirou, foi feita e publicada em sete meses. Espanta-se Manuel Mota, 71 anos, professor catedrático de Biologia, e neto do contra-almirante: “Obviamente sem internet, sem e-mail, sem folhas de Excel, nada disso do que hoje possuímos, tinham de ter um batalhão de gente, em Lisboa, a ir a casa das pessoas, para fazerem as transcrições. É que estão lá todas, do rei D. Carlos a Eça de Queirós.”

PAPEL COM PATINE

A edição de 1898 foi uma iniciativa institucional e do que aqui se fala é de um projeto familiar. A seguir à morte de Alfredo Motta, o filho, Miguel Mota – agrónomo, cientista e professor universitário, que se destacou sobretudo no estudo da Genética –, e o neto fizeram equipa na recolha de transcrições. Em 2016, aos 93 anos, Miguel Mota morreu e, desde então, ficou apenas Manuel Mota a impulsionar o projeto.

Aposentado há três anos, dedica-lhe pelo menos duas horas diárias, a que acresce o tempo em que, com frequência, se desloca à casa de alguém ou a um ponto de encontro para recolher uma transcrição, como aconteceu a 1 de junho: foi à residência de Bernardo Herold, reputado professor de Química, hoje com 93 anos, para ficar com mais uma preciosa estrofe manuscrita.

Como de costume, para salvaguardar erros ou borrões (as estrofes são escritas a preto com caneta de tinta permanente), levou três folhas de fabriano tiziano, modelo de papel fornecido pro bono ao projeto pela centenária Papelaria Fernandes, que garantiu a Manuel Mota ser “praticamente igual” ao que o seu avô usava. Com patine, portanto.

Estrofes Atualmente, 745 individualidades transcreveram outras tantas estrofes. Faltam, pois, 357

No momento em que estas linhas são escritas, 745 individualidades transcreveram outras tantas estrofes. Faltam, pois, 357. Em 2023, o projeto recebeu uma ajuda de monta, quando José Ribeiro e Castro, presidente da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, por ele se interessou, e colocou o secretariado da instituição ao serviço do envio de convites e recebimento, por correio, das estrofes manuscritas.

“Eles mandaram cartas de convite para os 308 municípios e para a Assembleia da República”, diz Manuel Mota, acrescentando que os Cantos com maiores lacunas são o VI, VII e VIII, e que é nestes que sobretudo pede que sejam feitas as escolhas de estrofes para manuscrever. “No universo militar, as respostas aos convites, com transcrições de estrofes, ascendem a cerca de 90%, enquanto na parte civil rondam os 30%”, lamenta o neto de Alfredo Motta.

Ainda assim, teve recentemente uma alegria: “Recebi de Londres a transcrição de uma estrofe pelo poeta, escritor e investigador literário Hélder Macedo, que talvez seja hoje o camonista mais antigo vivo, e que andava há muito tempo para conseguir.”

OTELO & KAÚLZA

Apesar de todas as dificuldades, o projeto da família Mota já reúne as participações de 12 Presidentes da República, desde Bernardino Machado (que exerceu o cargo por duas vezes: 1915/17; 1925/26) até ao atual inquilino do Palácio de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa. E também tem transcrições de vários primeiros-ministros – António Guterres, por exemplo, acumula com o cargo que agora exerce, o de secretário-geral da ONU.

“Aqui cabe tudo”, diz Manuel Mota. Vê-se que a família de Marcelo Caetano, o último presidente do Conselho da ditadura do Estado Novo, derrubada pelo golpe militar do 25 de Abril de 1974, está largamente representada. No projeto constam as transcrições e as assinaturas dos seus filhos, Ana e Miguel, do seu irmão, António Alves Caetano, e do sobrinho, Nuno Alves Caetano. Mas também lá está o manuscrito de Otelo Saraiva de Carvalho, estratega do 25 de Abril, assim como o do general Kaúlza de Arriaga, seu derrotado inimigo na extrema-direita do regime ditatorial.

A clubite está, igualmente, fora de causa, encontrando-se transcrições de duas velhas glórias do Benfica e do Sporting – Simões e Hilário, respetivamente. Outra curiosidade é a junção de participações de um bisavô e de um bisneto, casos de Bernardino Machado e do psiquiatra Júlio Machado Vaz. Ou as participações de 15 dos 22 comandantes que o navio-escola Sagres teve até hoje.

“O objetivo é concluir o projeto até 10 de junho de 2026, quando terminam as comemorações dos 500 anos do nascimento de Camões”, diz Manuel Mota. “Estamos com esperança de o conseguir.” Se assim for, acrescenta, “a ideia é depois digitalizar todas as estrofes” e publicá-las em livro, edição já apalavrada com a Imprensa Nacional-Casa da Moeda. O projeto iniciado por Alfredo Motta há quase um século “poderá ter um valor histórico e um património cultural incalculável”, considera o neto do contra-almirante.

Quando se pergunta a Manuel Mota por uma estrofe especialmente bem escolhida por um convidado, a resposta sai-lhe pronta: a do embaixador Nunes Barata, que durante cerca de dez anos foi chefe de gabinete, na Presidência da República, de Mário Soares. Tido como um dos melhores diplomatas da sua geração, Nunes Barata escolheu a transcrição da estrofe 148 do Canto X.

Camões escreveu-a assim: “Por vos servir, a tudo aparelhados;/ De vós tão longe, sempre obedientes;/ A quaisquer vossos ásperos mandados,/ Sem dar resposta, prontos e contentes./ Só com saber que são de vós olhados,/ Demónios infernais, negros e ardentes,/ Cometerão convosco, e não duvido/ Que vencedor vos façam, não vencido.” Bem apanhada, de facto.

Ilustres centenárias

As geógrafas Raquel Soeiro de Brito e Suzanne Daveau são, entre os participantes do projeto de reescrita de “Os Lusíadas”, as mais idosas – e vivas

Une-as o geógrafo Orlando Ribeiro. Primeira mulher a ser doutorada em Geografia, em Portugal, Raquel Soeiro de Brito, que já completou 100 anos de idade, foi assistente de Orlando Ribeiro em várias missões científicas. Mas, entre as numerosas campanhas que efetuou, destaca-se a que realizou na ilha açoriana do Faial: estudou e filmou a erupção do vulcão dos Capelinhos, em 1957. Foi, aliás, a primeira cientista a escalar os Capelinhos.

Já a franco-portuguesa Suzanne Daveau, que completará 100 anos de idade em julho próximo, foi mulher de Orlando Ribeiro, mas com extensa obra própria publicada sobre a geografia de Portugal e acerca de temas de climatologia.

Ambas escolheram e transcreveram estrofes de “Os Lusíadas” para o projeto da família Mota.

Durante três semanas, em maio de 2024, funcionários do gigante IA Nvidia e da Recursion Pharmaceuticals dormiram no chão de um centro de dados em Salt Lake City, no estado norte-americano do Utah. A sua missão era construir uma máquina que a Recursion, empresa de biotecnologia com uma década de vida, acredita lhe dará vantagem na competição para desenvolver os próximos grandes medicamentos: o BioHive-2, o maior e mais rápido supercomputador, propriedade de uma biofarmacêutica. É uma aposta audaciosa de que o futuro da indústria farmacêutica dos Estados Unidos da América dependerá tanto do poder da computação como do talento científico.

Há uma razão para ter pressa: há vários anos que se procura desenvolver medicamentos com base em Inteligência Artificial (IA), mas desde que o ChatGPT chegou à consciência pública, no final de 2022, a esperança e o entusiasmo em torno do seu potencial atingiram um pico febril. A questão a que os mundos da tecnologia e da medicina pretendem responder é esta: quando é que a IA levará a sua magia para o negócio longo, difícil e terrivelmente dispendioso da investigação e desenvolvimento farmacêutico?

Será possível ‒ como admite Sam Altman, diretor-executivo (CEO) da OpenAI ‒ que um dia bastará simplesmente pedirmos ao ChatGPT que cure o cancro, a doença de Alzheimer ou qualquer outra patologia humana intratável?

Investimentos colossais

A corrida para chegar a este cenário de ficção científica está bem encaminhada. Em junho de 2023, investiram-se mais de 18 mil milhões de dólares [quase 16 mil milhões de euros] em cerca de 200 empresas de biotecnologia AI first, isto é, que colocam a Inteligência Artificial no centro das suas decisões e operações, e pelo menos 75 medicamentos ou vacinas destas empresas entraram, em janeiro de 2024, na fase de ensaios clínicos, segundo o Boston Consultant Group. A Citeline, por seu turno, uma empresa que analisa o mercado farmacêutico, contou 446 rondas de financiamento no setor das ciências biológicas impulsionadas pela IA, num total de 30,6 mil milhões de dólares [quase 27 mil milhões de euros], desde 2020.

A Recursion espera liderar o pelotão num domínio que, até agora, tem sido mais promissor do que eficaz. Embora tenha havido um boom de compostos descobertos pela IA, até à data nenhum deles chegou ao mercado como medicamento aprovado. A maioria ainda está nas fases iniciais de desenvolvimento, e alguns fármacos descobertos pela IA sofreram o mesmo destino terrível de muitos outros desenvolvidos de modo tradicional: falharam nos ensaios clínicos em humanos.

É muito cedo para julgar todo um setor com base nestes contratempos, mas muitos têm sido tentados a fazê-lo, dadas a expectativas elevadíssimas geradas pelos admiradores da IA e o êxito dos grandes modelos de linguagem. Isto deixa a indústria numa posição difícil: a Inteligência Artificial Generativa, na sua forma atual, é construída principalmente em torno do processamento da linguagem, e não provou ser muito útil no mundo das moléculas ‒ pelo menos ainda não.

Mais rápido e mais barato

Seja como for, mesmo que não esteja a produzir novos medicamentos, não há dúvida de que a IA tem vindo a alterar significativamente esse processo. O desenvolvimento de fármacos modernos é uma atividade loucamente eficiente. Demora, em média, mais de uma década e uns 2,6 mil milhões de dólares [cerca de 2,3 mil milhões de euros] até criar um único medicamento. E não há certeza de que um medicamento será aprovado pela agência federal norte-americana Food and Drug Administration (FDA): apenas 5% dos medicamentos experimentais que os cientistas concebem em laboratório chegam a esta meta.

A IA pode ajudar ‒ e ajuda cada vez mais ‒ a fazer este trabalho de uma maneira mais rápida, mais barata e com mais probabilidades de sucesso. Muitas empresas farmacêuticas garantem à Fortune que a Inteligência Artificial já está a poupar dinheiro de diversas formas. Por exemplo, a companhia norte-americana Moderna Therapeutics, importante fabricante de vacinas contra a Covid-19, utilizadora de ferramentas de aprendizagem automática há quase uma década, cita uma série de casos de utilização, desde otimizar o design da sequência do RNA mensageiro (mRNA) até redigir um formulário de regras com várias centenas de páginas. O que antes envolvia uma equipa inteira, requer agora apenas uma pessoa para rever o trabalho do computador.

A visão de empresas como a Recursion é, porém, muito mais ambiciosa. A sua aposta é a de que, ao associar grandes quantidades de dados científicos a novas e robustas ferramentas informáticas, a IA poderá desvendar os mistérios da Biologia e desenvolver medicamentos para curar as doenças que nos afligem.

À semelhança da OpenAI, que colocou o texto do mundo num modelo de linguagem de grandes dimensões para criar o ChatGPT, a Recursion acredita que, ao alimentar o supercomputador BioHive-2 com os seus dados celulares e médicos, que rapidamente se acumulam, poderá abrir a Biologia ‒ fornecendo os conhecimentos, que há muito escapam aos humanos, necessários para compreender patologias difíceis de tratar, do cancro a doenças neurodegenerativas e autoimunes.

Riqueza de dados

Chris Gibson, CEO da Recursion

Entre os investidores otimistas que acreditam nesta tese está Jensen Huang, fundador e CEO da Nvidia ‒ a terceira empresa mais valiosa do mundo, líder mundial em computação de IA ‒ que investiu na Recursion 50 milhões de dólares [44 milhões de euros], em 2023. Em junho passado, num encontro com funcionários e investidores em biotecnologia, Huang comparou a oportunidade da Recursion à da Nvidia no início da revolução dos chips, há algumas décadas. “Este é, para vós, um tempo tão divertido… Tenho inveja”, disse-lhes. “Vocês poderão estar a um ou dois cliques de distância de conseguir realmente compreender o sentido da vida.”

De certo modo, a Recursion, com 11 anos de existência, 800 funcionários e zero medicamentos aprovados, é um administrador improvável do computador mais potente da indústria farmacêutica. Em 2024, esta “TechBio” ‒ como prefere designar-se ‒, obteve receitas inferiores a 59 milhões de dólares [quase 52 milhões de euros] e registou um prejuízo líquido de $464 milhões [€408 milhões]. Nos primeiros tempos da empresa, Chris Gibson, o CEO e cofundador, previu muitas vezes que ela iria desenvolver 100 medicamentos em dez anos. Mas, tal como todas as IA nativas [ou “nativas de IA” – empresas que têm a Inteligência Artificial incorporada na sua essência], ainda só está a criar o primeiro.

A riqueza invulgar da Recursion está nos dados. Todas as semanas, os robôs dos seus laboratórios automatizados realizam 2,2 milhões de experiências ‒ transferindo diversas soluções experimentais para amostras de células em miniatura ‒, cada uma delas resultando numa imagem de alta resolução que capta morfologia e características celulares pormenorizadas. São experiências que podem ser executadas em 50 tipos de células humanas e recorrem a milhões de compostos, milhares de modificações genéticas e mais de um bilião de neurónios gerados em laboratório.

“Arriscar onde outros têm medo”

O que importa não é o resultado de uma única experiência, mas sim explorar os dados de muitas delas. A estas resmas de dados juntam-se os vídeos transmitidos 24 horas por dia dos laboratórios de animais da empresa, onde foram instaladas câmaras em centenas de gaiolas de ratos e ratazanas, para analisar com maior precisão as alterações comportamentais induzidas pelos medicamentos. Na última contagem, a Recursion gerou 40 petabytes [unidade de armazenamento] de dados digitais de mais de 300 milhões de experiências. Não tem planos para abrandar ‒ e é por isso, obviamente, que precisa de um supercomputador.

“Esta pequena empresa… está a arriscar onde outros têm medo”, afirmou Chris Gibson perante uma plateia de investidores. “Fizemos estes investimentos porque acreditamos que a intersecção de dados e computação é o futuro desta indústria. E tencionamos ser líderes.”

A Recursion enfrenta uma concorrência feroz. Continuam a surgir novos participantes nesta indústria, com bolsos cada vez mais fundos e nomes mais sonantes. A Insitro, empresa fundada em 2018, em São Francisco (Califórnia), por Daphne Koller, pioneira da IA, é apoiada por numerosos investidores em biotecnologia e está avaliada em 2,4 milhões de dólares [2,11 milhões de euros]. A Xaira Therapeutics, cofundada por um prémio Nobel da Química, David Baker, foi lançada, também em São Francisco, com mil milhões de dólares de financiamento, em abril de 2024. E, no final de janeiro, o fundador do LinkedIn, Reid Hoffman, anunciou uma parceria com o oncologista Siddhartha Mukherjee, CEO da startup Manas AI e vencedor de um prémio Pulitzer com o livro O Imperador de Todos os Males: Uma biografia do cancro, para desenvolver medicamentos contra esta doença.

Fintar a sorte

Chris Gibson está maravilhado com a mudança quase repentina no interesse da indústria em comparação com o ceticismo desdenhoso com que se deparou há apenas alguns anos. “A maior parte das vezes, riam-se de nós”, recorda. Mas, o ano passado, quando ele apareceu com Jensen Huang, CEO na Nvidia, numa conferência sobre saúde organizada pelo JPMorgan Chase, o maior banco dos Estados Unidos da América, encontrou uma sala repleta de diretores-executivos da Big Pharma, ansiosos por ouvir a sua proposta.

Durante muito tempo, o desenvolvimento de novos medicamentos dependeu de uma combinação de observação astuta e sorte. Os antigos descobriram, por acaso, que folhas de salgueiro e de murta ‒ os precursores naturais da aspirina ‒ aliviavam a febre e as dores nas articulações. O físico inglês Edward Jenner criou a vacina contra a varíola ao constatar que pessoas que trabalhavam com gado e tinham sido expostas à varíola bovina não eram afetadas pelo vírus. E o anticoagulante varfarina surgiu da investigação sobre uma epidemia da “doença do trevo doce infetado” que matou, devido a hemorragias internas, uma população de vacas leiteiras no Wisconsin.

No final do século passado, os avanços na genética e na biologia molecular permitiram que os cientistas concentrassem os seus esforços de um modo mais preciso, identificando alvos biológicos e planeando medicamentos para alterar o curso das doenças. Ainda assim, este continua a ser, em grande medida, um processo de tentativa e erro, que se desenrola ao longo de muitos anos e muitas fases ‒ da descoberta e conceção do medicamento ao desenvolvimento pré-clínico (teste de segurança e eficácia de compostos em células e animais) até aos ensaios clínicos em que um medicamento experimental é testado em pessoas em três fases sucessivas.

Surpreendentemente, 90% de todos os candidatos a medicamentos falham em seres humanos, o que significa que apenas um em cada 10 medicamentos passa por esta fase até à aprovação ‒ mesmo depois de terem sido gastos milhões de dólares.

Futuro mais próximo

Dado o statu quo, se a Inteligência Artificial pudesse ajudar a prever melhor quais os medicamentos que, provavelmente, funcionarão ou os que não irão resultar ‒ poupando tempo e investimento em fracassos dispendiosos na fase final da investigação e aumentando a percentagem de sucesso ‒, isso faria uma diferença significativa. “O que eu digo sempre à equipa é: se 80% dos nossos medicamentos falharem nos ensaios clínicos, somos duas vezes melhores do que a média da indústria [farmacêutica], e poderemos ser a empresa mais inovadora neste setor”, salienta Chris Gibson, o CEO da Recursion.

Um futuro em que os computadores prevejam, ou criem, o nosso próximo medicamento bem-sucedido parece mais próximo do que nunca, graças a algumas descobertas tecnológicas recentes notáveis, desde modelos linguísticos de grande dimensão, como o ChatGPT, a ferramentas de “revolução da resolução”, como a técnica de microscopia crioeletrónica [“modalidade da imagiologia essencial ao estudo das estruturas das moléculas biológicas e complexos macromoleculares no seu ambiente fisiológico”] , que dotaram os cientistas com dados mais produtivos.

Acrescente-se ainda o AlphaFold, programa de Inteligência Artificial desenvolvido pela DeepMind, subsidiária da Alphabet Inc., que prevê com bastante exatidão a estrutura de mais de 200 milhões de proteínas, incluindo as dezenas de milhares que se encontram nos seres humanos. Agora conhecida como Google DeepMind, a primeira interação estreou-se em 2020; os seus principais arquitetos ‒ David Baker, Demis Hassabis e John M. Jumper ‒ ganharam o Prémio Nobel da Química em 2024.

Uma nova revolução

Alguns acham que estas inovações colocaram a indústria à beira de um aumento de produtividade sem precedentes; outros consideram que se trata de um momento sobrevalorizado no longo processo de uma mudança gradual. Este grupo dirá que a IA é apenas a mais recente palavra de ordem para uma tecnologia em evolução que se espera vir a revolucionar a sua área. (Exemplos: aprendizagem automática, grandes volumes de dados e, recuando no tempo, o modelo QSAR ou “relação quantitativa/qualitativa estrutura-atividade”.)

Esta é, decerto, uma revolução que há muito se avizinhava, uma revolução a que a Fortune dedicou uma capa, em outubro de 1981, com um artigo sobre um medicamento que a multinacional farmacêutica alemã Merck concebeu em computador. O título era: “A próxima revolução industrial.”

Desde então, computadores e dados têm desempenhado um papel na pesquisa de novos medicamentos, mas a sua utilização não se traduziu, até agora, em ganhos generalizados de produtividade em investigação e desenvolvimento (I&D). De facto, nas últimas sete décadas, a indústria farmacêutica tem vivido o oposto, com a produção de novos medicamentos a demorar mais tempo e a tornar-se mais dispendiosa.

O número de novos medicamentos aprovados por cada mil milhões de dólares gastos em I&D cai para metade a cada nove anos, aproximadamente. Este fenómeno até tem um nome: Lei de Eroom. “Eroom” é Moore ao contrário, uma referência à Lei de Moore, sobre o aumento da velocidade no desenvolvimento de chips para computadores, evidenciando a trajetória oposta na inovação farmacêutica.

Para esta tendência são apontadas várias razões: uma delas é que a regulamentação governamental é agora mais rigorosa. Mas as dificuldades com a I&D resumem-se principalmente à nossa compreensão limitada da Biologia: já resolvemos as coisas fáceis. Solucionar problemas mais difíceis exige novas informações e modelos biológicos ‒ e, de um modo geral, investimos pouco nesta ciência, explica Jack Scannell, o especialista em produtividade da I&D que cunhou o termo Lei de Eroom. “Ficamos com doenças em que os modelos nos dão frequentemente a resposta errada.”

Convergência de tecnologias

A Ciência é extremamente desafiante, dada a natureza vasta, multifacetada e heterogénea da biologia humana. Aviv Regev, diretora de investigação e desenvolvimento com base em IA da empresa de biotecnologia Genentch, em São Francisco, diz que o trabalho da indústria do medicamento num cenário tão amplo é como “procurar debaixo de vários postes de iluminação ‒ um pouco aqui, um pouco ali, um pouco acolá”.

É neste ponto que Regev considera que a convergência das novas tecnologias com a perspicácia humana está a mudar o jogo: sozinhos, os cientistas não conseguem dar sentido às quantidades explosivas de dados biológicos que têm agora à sua disposição, mas uma Inteligência Artificial treinada com esta informação ‒ desde imagens de alta resolução de neurónios a sequências genéticas e registos de doentes ‒ poderá ajudar os investigadores a encontrar padrões e a estabelecer ligações para chegar a novos conhecimentos, necessários para compreender as doenças e desenvolver medicamentos para as tratar.

Se 80% dos nossos medicamentos falharem nos ensaios clínicos, somos duas vezes melhores do que a médiada indústria

Chris Gibson, CEO da Recursion

Mas, será que podemos confiar na Inteligência Artificial ‒ conhecida por alucinações noutros domínios ‒ para nos dar boas informações sobre, por exemplo, a química cerebral por detrás da depressão? Ou o funcionamento interno de uma célula cancerígena?

Para garantir o controlo e o equilíbrio, Regev promove um método de funcionamento amplamente adotado por esta indústria, conhecido como lab-in-the-loop, em que as previsões de um modelo de IA são testadas num laboratório físico. Os dados destas experiências reais são depois introduzidos no modelo, pelo que a Inteligência Artificial está constantemente a aprender e a aperfeiçoar-se, para fazer previsões melhores e mais exatas.

As experiências, acrescenta Regev, têm de ser realizadas em grande escala para colher os benefícios, treinar modelos eficazes e trabalhar mais depressa e melhor. A Genentech estabeleceu uma parceria com a Recursion em alguns destes trabalhos, que a bióloga nascida em Israel descreve como promissores. “Assistimos a uma biologia que já era conhecida dos especialistas na área das doenças, bem como a uma biologia potencialmente convincente que não era conhecida até agora.”

Ideia diferente

Foi em 2013 que Chris Gibson teve a ideia de criar a Recursion, quando fazia investigação na Universidade do Utah para o seu doutoramento sobre o Angioma Cavernoso do Sistema Nervoso Central, uma doença neurovascular rara que afetará mais de um milhão de pessoas no mundo. Não existe tratamento para esta malformação designada por CCM, que pode causar hemorragias e acidentes vasculares cerebrais (AVC), e desenvolver uma terapia tem sido um método difícil e trabalhoso ‒ exigindo primeiro a identificação de um alvo molecular e depois um medicamento para interagir significativamente com ele.

Aposta forte. O BioHive-2 é o maior e mais rápido supercomputador, propriedade de uma biofarmacêutica

Gibson teve uma ideia diferente. Utilizando um novo software de análise de imagens de aprendizagem automática chamado CellProfiler pôde comparar imagens de células doentes e saudáveis ‒ e ver se algum composto restaurava a saúde das células enfermas. Com esta técnica, Gibson encontrou dois possíveis medicamentos que pareciam tratar o CCM: a vitamina D e o composto orgânico Tempol, conhecido pelas suas propriedades antioxidantes. 

Foram apenas “sucessos”, candidatos a medicamentos que precisavam de ser testados e mais refinados, mas que pareciam auspiciosos. Gibson questionou-se se poderia aplicar o mesmo método a outras doenças de cura difícil. Em 2013, abandonou a faculdade de Medicina para fundar a Recursion com um dos seus professores, Dean Li (hoje presidente da Merck Research), e com um amigo, Blake Borgeson, com ambições de industrializarem a descoberta de medicamentos.

Progressos e reveses

Onze anos após a sua criação, a empresa continua a trabalhar para introduzir no mercado o REC-994 ‒ o composto que entusiasmou Gibson quando fazia uma pós-graduação. Em setembro de 2024, quando a Recursion anunciou, pela primeira vez, os resultados de um estudo da Fase 2, envolvendo 62 participantes, o medicamento revelou-se seguro e sem efeitos secundários ‒ era este o objetivo do estudo ‒, mas dados preliminares de eficácia pareceram mistos. Embora ressonâncias magnéticas a pacientes tenham sugerido que a medicação estava a resultar até certo ponto, médicos e pacientes não constataram quaisquer melhorias. As ações da Recursion caíram quase 17% num só dia.

No início de fevereiro deste ano, quando a empresa divulgou dados precisos, mas não estatisticamente significativos, indicando que os doentes também estavam a registar uma melhoria funcional, as ações da Recursion subiram 2,7%. Perante a inconsistência do mercado, Chris Gibson encolhe os ombros. “Sinto-me encorajado com o que conseguimos demonstrar”, disse ele à Fortune, por email, em fevereiro. “Acredito que temos um potencial medicamento num espaço que poucos tentaram explorar.”

A Recursion está a discutir os próximos passos com a FDA ‒ há desafios com um medicamento de primeira classe, como descobrir a melhor maneira de medir a sua eficácia clínica ‒, ao mesmo tempo que avança com outros sete medicamentos que estão a ser testados, para doenças como o cancro, a C. difficile (infeção bacteriana persistente que causa diarreia e pode ser fatal), ou a neurofibromatose tipo II (doença caracterizada pelo crescimento de tumores não cancerosos no sistema nervoso).

Alguns consideram que os resultados pouco animadores da Recursion fazem parte de um padrão no setor. A BenevolentAI, criada em 2013 no Reino Unido, onde tem sede, e avaliada em 2 mil milhões de dólares, interrompeu o trabalho de desenvolver o seu candidato mais avançado, um medicamento para eczemas, quando os pacientes de um estudo da Fase 2 não apresentaram melhorias clínicas em 2023. Devido a estes resultados, as ações da BenevolentAI caíram mais de 80% e, após duas vagas de despedimentos, o valor de mercado da empresa que se define como “líder global no desenvolvimento e aplicação da Inteligência Artificial à inovação científica” aproxima-se dos 13 milhões de dólares [pouco mais de 11 milhões de euros]. Também a Exscientia, fundada em 2012 e outrora avaliada em 3 mil milhões de dólares [2,6 mil milhões de euros], abandonou dois dos seus programas na fase final de desenvolvimento; em setembro de 2024 fundiu-se com a Recursion Therapeutics.

A Insilico Medicine, empresa de biotecnologia sediada em Boston, que afirma ser a primeira empresa a ter um medicamento descoberto e concebido por IA em estudos da Fase 2, gaba-se de, em apenas 18 meses (a média nesta indústria é de 4,5 anos), ter levado a molécula do conceito aos testes em seres humanos. O fundador e co-CEO, Alex Zhavoronkov, lembra-se de que o responsável pelo departamento de I&D o acordou com um telefonema às 2 horas da madrugada para partilhar, entusiasmado, os resultados preliminares do estudo em doentes com fibrose pulmonar idiopática (FPI). Esta doença rara, mas cada vez mais prevalente, afeta cerca de 3 milhões de pessoas em todo o mundo. Endurece o tecido pulmonar, deixando-o com cicatrizes e, geralmente, conduz à morte em poucos anos.

Competição de alto risco

Em novembro último, a Insilico divulgou publicamente os resultados daquele estudo que envolveu 71 pacientes em vários locais da China. Os dados mostraram que o medicamento era seguro e, apesar de os resultados não serem estatisticamente significativos, os doentes deram-se bem com o fármaco ‒, registando melhorias na função pulmonar correspondente à quantidade de medicamento que receberam durante 12 semanas. “Não esperávamos ver isto em tão pouco tempo”, disse-me Zhavoronkov, no outono passado. Um outro estudo da Fase 2 do medicamento decorre nos EUA.

Por mais preliminares que sejam estas descobertas, Alex Zhavoronkov exalta os resultados da Fase 2 como “um marco crítico na descoberta de medicamentos com tecnologia de Inteligência Artificial”.

Uma investigação do Boston Consulting Group sugere que a IA está a retirar alguma incerteza ao processo de ensaios clínicos. Esta firma de consultoria analisou as linhas de produção de mais de 100 empresas de biotecnologia nativas de IA e descobriu que tiveram uma taxa de sucesso de 80%-90% nos testes da Fase 1 (pequenos estudos de segurança), o que é consideravelmente melhor do que a média desta indústria: apenas 40%-60%. Nos estudos da Fase 2, as taxas de sucesso já são mais comparáveis. Ainda não existem dados que permitam tirar conclusões sobre a Fase 3.

Quem beneficiará da melhoria da eficiência da IA e será a primeira empresa a colocar no mercado um medicamento totalmente descoberto pela Inteligência Artificial? Alguns afirmam que os gigantes farmacêuticos estão em vantagem nesta corrida, devido aos seus consideráveis recursos e ao facto de terem grandes quantidades de dados de propriedade exclusiva [protegidos por lei ou contrato], que podem usar para treinar uma IA. Mas, salientam outros, maior não significa necessariamente melhor neste setor: muitos dos dados das Big Pharma são confusos e não estão padronizados, exigindo uma limpeza considerável antes de serem utilizados para estes fins. Além disso, é complexa a mudança organizacional necessária para reformular uma grande operação de I&D.

Entretanto, as startups nativas de IA, como a Recursion, têm vindo a criar de raiz bases de dados expressamente com o propósito de os alimentar com Inteligência Artificial, e a recrutar equipas “bilingues” ‒ engenheiros informáticos, biólogos e químicos ‒ que acreditam ser as mais adequadas a este trabalho.

Visitei a sede da Recursion num dia de calor abrasador, em junho de 2024, para o Download Day, a atualização anual do estado da biotecnologia, evento dirigido a investidores no qual discursou Jensen Huang, o CEO da Nvidia. Situados num bairro gentrificado no centro de Salt Lake City, os escritórios da empresa ocupam uma antiga loja Dick’s Sporting Goods [o maior retalhista de produtos desportivos nos EUA]. Entre os reluzentes laboratórios robotizados e uma área com secretárias para os funcionários, há uma enorme parede de escalada de três andares ‒ uma benesse recreativa e talvez uma metáfora para o caminho íngreme e humilde que tem pela frente uma empresa de descoberta de medicamentos de IA, como a Recursion.

Quase no topo

Tendo em conta a desconexão entre as expectativas inflacionadas em relação às mudanças impulsionadas pela IA e a realidade de que levará tempo a cumprir as promessas, o mercado parece inseguro sobre como deve avaliar uma empresa como a Recursion.

Há quatro anos, nos dias turbulentos da pandemia de Covid-19 e pouco depois de ter entrado na Bolsa de Nova Iorque, a Recursion tinha um valor de mercado de 7 mil milhões de dólares [cerca de 6 mil milhões de euros]. Agora, depois de um “inverno biotecnológico” em Wall Street, a Recursion trabalha em cerca de 20 programas de desenvolvimento pré-clínico e clínico, e vale $2,1 mil milhões [€1,85 mil milhões].

A empresa alargou consideravelmente a sua plataforma ao adquirir várias outras companhias e capacidades, ao formar parcerias notáveis com a indústria farmacêutica, atraindo o investimento invejável de 50 milhões de dólares da Nvidia, acumulando quantidades absurdas de dados e, claro, construindo o maior supercomputador para os processar. “Estamos a trabalhar arduamente nisto”, declarou Chris Gibson sobre o BioHive-2, durante uma teleconferência sobre os resultados da Recursion, em fevereiro, revelando que a equipa vai construir novos modelos de biologia com todo este poder computacional. “A Recursion está vários anos à frente de quase todos os outros neste espaço”, exultou.

A verdadeira corrida para empresas como a Recursion poderá ser contra o tempo: os investidores estão inquietos e sedentos de provas. Alex Zhavoronkov, da Insilico, acredita que o ceticismo em relação à indústria persistirá até que ela apresente um “êxito de bilheteira” gerado pela Inteligência Artificial, mas o CEO incentiva investidores e o setor a concentrarem-se em referências baseadas em dados em vez de rondas de investimento extravagantes.

A história da Recursion representa a natureza esperançosa e singela da sua missão ‒ mas também a coragem necessária e a arrogância inevitável daqueles que a assumem. A Biologia é maravilhosamente complexa e o desenvolvimento de medicamentos é inacreditavelmente difícil. Os recursos (e a paciência dos investidores) são limitados ‒ e mesmo com as tecnologias mais inteligentes e de ponta, determinadas fases do processo demoram imenso tempo. A IA pode revolucionar a indústria farmacêutica, e a Recursion pode ser a vencedora. Mas, para já, ainda há muito trabalho para os humanos fazerem.

Chris Gibson é sincero no que diz respeito ao ponto em que a sua empresa se encontra nesta viagem. Ao apresentar a sua proposta durante o Download Day, o CEO usou um diapositivo para mostrar o progresso tecnológico na indústria dos transportes e comparou o lugar da Recursion ao Modelo T [da Ford, que, em 1909, “democratizou o automóvel]: à frente do cavalo, mas longe do Tesla dos tempos modernos. “Estamos a mudar radicalmente o modo como se descobre e desenvolve a medicina”, declarou perante a plateia de investidores. “Mas ainda temos um longo caminho a percorrer.”

Ao final daquele dia, Huang, da Nvidia, ofereceu uma visão mais otimista. “Tu és aquela pega amarela; estás perto”, disse ele a Gibson, apontando para um ponto de apoio no cimo da parede de escalada da empresa. “Para os que não conseguem ver”, esclareceu Gibson, “Isto é quase o topo.”

Artigo publicado originalmente na Exame de maio de 2025

As Nações Unidas apelaram esta segunda-feira a uma “desescalada” da tensão que se vive em Los Angeles, agravada pela decisão de Donald Trump de mobilizar as tropas da Guarda Nacional para controlar as manifestações.

A origem dos protestos

O Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos realiza em média 1.600 detenções por dia, de acordo com o chefe da agência federal, Todd Lyons. Os confrontos começaram na sexta-feira, quando dezenas de manifestantes se reuniram do lado de fora de um centro de detenção federal exigindo a libertação de 44 pessoas presas pelas autoridades federais de imigração em Los Angeles, como parte da campanha de deportação em massa de Trump.

A mobilização da Guarda Nacional

O Presidente americano ignorou o apelo do governador da Califórnia, Gavin Newsom, e ordenou o envio de 2 mil soldados da Guarda Nacional para proteger edifícios federais no centro de Los Angeles, no sábado.

Segundo a agência noticiosa norte-americana Associated Press (AP), esta é a primeira vez, em décadas, que a Guarda Nacional de um estado é mobilizada sem ser a pedido do seu respetivo governador.

Trump citou uma disposição legal que lhe permite mobilizar membros do serviço federal quando há “uma rebelião ou perigo de rebelião contra a autoridade do Governo dos Estados Unidos”.

O democrata Gavin Newsom já fez saber que vai processar a administração Trump para reverter a mobilização da Guarda Nacional, que considerou “um ato ilegal, imoral e inconstitucional”.

Segundo o procurador geral da Califórnia, Rob Bonta, os protestos já estavam a dissipar-se, no domingo, quando chegaram à cidade cerca de 300 elementos da Guarda Nacional.

“Desde que Trump anunciou o seu plano para mobilizar as tropas, a situação no terreno escalou rapidamente”, garantiu Bonta, esta segunda-feira, em conferência de imprensa, adiantando que tiveram de ser encerradas autoestradas e que as pessoas ficaram “em perigo”.

Marcelo Rebelo de Sousa falava aos jornalistas após ter presidido em Lagos, no distrito de Faro, à cerimónia do hastear da bandeira nacional, primeiro ponto do programa das Comemorações do Dia de Portugal.

Já quando visitava uma exposição de meios e capacidades militares das Forças Armadas Portuguesas, acompanhado pelo ministro da Defesa, Nuno Melo, o chefe de Estado foi questionado sobre a prioridade atribuída pelo Governo à reforma do Estado.

Marcelo Rebelo de Sousa começou por falar sobre a necessidade de uma maior coordenação ao nível dos ministérios, dizendo que não pode continuar a situação de haver por vezes em cada um dos ministérios “dezenas” de sistemas diferentes de digitalização.

A seguir, sobre uma segunda dimensão da reforma do Estado, esta relacionada com o combate à burocracia, deixou o seguinte recado.

“A outra parte é reformar as leis sobre o Estado e o funcionamento do Estado, o que implica, nomeadamente, o Governo apresentar ao parlamento, talvez, uma nova lei sobre contratos administrativos. O PRR está a patinar em muitos casos, a demorar muito tempo”, advertiu.

O Presidente da República disse que há “uma burocracia tal que, em vez de se gastar por semana 200 milhões de euros no terreno, gasta-se 100, 80, 70 – isto ao fim de anos, significa muito por gastar”.

“Logo, são duas coisas que têm de funcionar bem ao mesmo tempo: Coordenar e conjugar a forma de tratar digitalmente os dados da administração Pública; e rever as leis para ser mais rápido, e terminar com aspetos de processo, terminar com pormenores que estão a travar o funcionamento da administração pública”, defendeu.

Questionado se a reforma do Estado vai determinar o sucesso ou insucesso do atual primeiro-ministro, Luís Montenegro, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu: “Diria que o sucesso ou insucesso de qualquer Governo e de qualquer país, porque nós temos um tempo, que é um tempo muito superior àquilo que têm outros países mais avançados. Isto é obra para quatro anos, no mínimo”, acrescentou.

Dois terços dos investimentos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) estão em risco a apenas um ano do seu término, não por falta de mérito nos projetos, mas por falhas no modelo de execução. É, por isso, urgente uma mudança de abordagem e tática que permita a execução eficaz destes fundos essenciais para o desenvolvimento económico do País.

Numa primeira análise, percebe-se que os problemas vão muito além da complexidade técnica dos projetos. O que temos assistido é uma conjugação de fatores críticos: uma excessiva burocracia nos processos de contratação pública, falta de articulação entre entidades executoras, escassez de recursos humanos qualificados na administração pública e atrasos sucessivos na aprovação de projetos e análise de pedidos de reembolso. Estes obstáculos têm causado sérios bloqueios, não só em grandes obras de infraestrutura, mas também em iniciativas de menor escala que são cruciais para a transformação digital, a sustentabilidade e a competitividade das empresas portuguesas.

Além disso, muitos promotores – em particular PME e entidades locais – enfrentam dificuldades em interpretar os regulamentos, cumprir prazos administrativos exigentes e responder a exigências de reporte que muitas vezes ultrapassam as suas capacidades internas. O risco real é que se perca uma fatia substancial dos fundos disponíveis, não por falta de mérito nos projetos, mas por falhas no modelo de execução.

Por isso, é urgente uma mudança de abordagem: é essencial simplificar processos, clarificar regras e descentralizar competências. Os fundos do PRR só terão impacto transformador se forem efetivamente executados — e para isso, é necessário garantir maior agilidade, previsibilidade e apoio técnico desde a fase de candidatura até à implementação. É imperativo que haja uma mobilização conjunta entre entidades públicas, empresas e consultoras especializadas para acelerar a execução do PRR.

Por último, e não menos importante, deve sublinhar-se o compromisso dos parceiros ativos nesta missão, os que contribuem para que os investimentos do PRR se traduzam em resultados concretos e duradouros para os seus clientes e para o tecido empresarial português. Todos somos responsáveis!

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.