Quando um grupo de ativistas se encosta à parede numa manhã chuvosa, na Avenida de Roma, três senhoras estacam perante a cena e comentam entre si. “Qualquer dia não pode haver polícia”, diz uma. “Acho isto muito mau”, concorda outra, todas muito indignadas, com esgares de incompreensão nas bocas sublinhadas a batons vivos, fazendo crescer o tom dos comentários para que sejam audíveis a quem se manifesta, mas também aos jornalistas que ali foram registar a cena. Nesse momento, saem da porta do mesmo centro comercial de onde tinham vindo as três amigas dois homens brancos, portugueses, com as caras e as roupas manchadas de tinta e pó das obras. E também eles se detêm perante a cena.

Mas enquanto as senhoras estão paradas no passeio a comentar, os dois homens congelam à saída do centro comercial. Olhos esbugalhados, sobrancelhas franzidas, escrutinam a cena inusitada numa manhã de janeiro, que até lhes parecia igual a qualquer outra, numa das avenidas nobres de Lisboa. “O que é isto?”, perguntam, com uma estupefação que é visível. “É uma manifestação”, respondo, enquanto lhes vejo os olhos a franzirem-se mais um pouco, insatisfeitos com a resposta. “Não há problema. Os que ali estão encostados estão ali porque querem”, sossego-os, enquanto os vejo olhar para os polícias que acompanham a manifestação de perto. “Não queremos problemas”, diz-me um, de fugida, enquanto batem em retirada, outra vez para dentro da loja de onde tinham vindo.

Não tive tempo de lhes explicar que não havia ali problemas nenhuns. Fiquei sozinha com a interrogação sobre o que os terá feito fugir assim, àqueles homens brancos, portugueses, trabalhadores, que vinham com as mãos sujas vazias e não traziam mais do que a roupa do trabalho em cima do corpo. As senhoras continuavam a perorar sobre a falta de respeito e de segurança, seguras de que nada lhes aconteceria ali, em plena Avenida de Roma, seguramente perto das suas casas, numa zona onde o preço do metro quadrado pode facilmente chegar aos sete mil euros.

Lembrei-me, então, de como muito pouco tempo antes um amigo me tinha contado que, quando era gerente de um restaurante, era frequente que os seus trabalhadores fossem obrigados a chegar atrasados por terem sido retidos de manhã numa rusga num dos bairros periféricos de Lisboa que habitam, encostados à parede, impossibilitados de sair para fazer a sua vida normal. Lembrei-me das vezes em que falei com pessoas que moram ou trabalham nestes bairros e em que me contaram como se sentem permanentemente suspeitas e hesitam em pedir ajuda à polícia, como eu sempre achei normal que se fizesse, como eu ensino aos meus filhos que devem fazer.

Lembrei-me da noite em que estive ao telefone com familiares de Odair Moniz, que me contavam como a polícia tinha entrado em casa da viúva e garantiam (e garantem, mesmo depois de todos os desmentidos) que lhes tinham arrombado a porta, que ficou desfeita, quando a chamada caiu com gritos de “Eles vêm aí outra vez” e um pânico que me acertou no peito. E o “eles” eram os agentes. E naquela casa não havia senão gente enlutada. E, claro, revoltada, porque é assim que a revolta cresce e se incendeia.

As senhoras da Avenida de Roma não fazem ideia de nada disto. Eu também não teria maneira de saber se não fosse jornalista. Ou talvez tivesse, mas teria de me esforçar muito para saber, porque muito dificilmente sentiria na pele o que é ser suspeito porque se vive num certo bairro, porque se tem um determinado aspeto. “Tu não sabes”, disse-me uma vez um amigo negro, quando me choquei por ouvir comentários de escárnio racista da boca de uns miúdos que passaram por nós na rua e nos insultaram simplesmente por estarmos ali parados, a conversar, eu pálida, ele escuro. Não, eu não sabia. Mas eu posso (e devo) fazer por saber.

É por isso que não me surpreende que numa sondagem feita com 400 telefonemas se tenha chegado à conclusão de que a maioria dos portugueses concorda com operações policiais como aquela no Martim Moniz que deixou imigrantes encostados à parede por serem suspeitos ainda não se sabe bem do quê e acabou com dois portugueses detidos e uma arma branca confiscada. Só 27% dos inquiridos estão contra ações como essa. E 65% não vislumbram ali qualquer viés racista. Talvez não vejam racismo em nada mesmo, que este já se sabe é um país de “brandos costumes”.

E isto não me sai da cabeça, porque quando escrevo sobre as ferramentas de inteligência artificial que a Europa se prepara para autorizar às polícias, para que nos leiam em segundos a identidade, as crenças e a alma, há quem comente, de ombros encolhidos, “quem não deve não teme”. Há quem não faça ideia de que se pode temer sem dever. E que esse é o verdadeiro perigo e a maior de todas as inseguranças.

Quando a ordem é um monólito que esmaga os direitos, a lei passa a ser não a proteção de todos, como devia, mas um instrumento de violência nas mãos dos mais fortes. Talvez hoje nos pareça que não devemos nada a ninguém e que, por isso, estamos a salvo. Mas quando as garantias dos cidadãos se esboroam, ninguém sabe ao certo se deve ou não e todos (ou quase todos) passam a temer.

Tivemos 48 anos disso em Portugal e parece que não aprendemos nada. Ou talvez só esteja a ficar mais visível que durante essa longa noite foram muitos os que fizeram a sua vidinha, mais ou menos indiferentes, seguros nesta frase cobarde. “Quem não deve não teme”.

É uma das pedras basilares, um alicerce, da ideia de Estado Social e de justiça social. A comunidade garante que quem deixa de trabalhar terá condições de vida minimamente dignas. Sabemos que trabalhamos, também, para que outros possam deixar de trabalhar. É uma conquista, diria que inquestionável, do modo como se construíram as democracias, em nome de um bem comum e de direitos para todos. Mas muito do que nos parecia “inquestionável” está hoje sob ameaça vinda dos ares que sopram do lado de lá do Atlântico: os de uma espécie de anarco-capitalismo, com a marca de Javier Milei, na Argentina, e de Trump, que se considera novo rei do mundo. As suas teorias, e práticas, parecem uma preocupante fuga em frente do capitalismo moderno no momento em que  este se confronta com as suas contradições e limitações. Acelerar no caminho da lei da selva – com menos regulações e um Estado mínimo – parece ser a proposta, muito simplificada, apostando, ainda, num efeito de trickle down que já se provou demasiadas vezes que não funciona na diminuição de desigualdades. Defender a política como a procura de um “bem comum” e a economia como uma ciência social que visa gerir e administrar da melhor maneira, para todos, bens escassos (e não como um sinónimo de “práticas para a maximização dos lucros o mais rápido possível e para um crescimento permanente”) parece ser uma grande luta dos próximos anos.

Não digo que o atual governo português esteja alinhado com esses ares que sopram da Argentina e dos EUA…

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O mundo da tecnologia não para de surpreender, mostrando como a inovação é constante. Para quem nunca imaginou transformar o telemóvel numa experiência semelhante à de uma consola tradicional, a iServices lançou uma solução: um suporte em formato de comando que permite jogar no telemóvel com a sensação de estar em frente a uma consola.

Esta abordagem combina duas vertentes: a portabilidade do smartphone e o conforto de um comando físico, melhorando a jogabilidade e proporcionando uma experiência mais imersiva. Ao segurarmos este “comando”, percebemos que é constituído maioritariamente de plástico, o que transmite uma sensação de fragilidade. Isto implica que é necessário algum cuidado durante a utilização.

No entanto, o peso reduzido, de apenas 200 gramas, é uma grande vantagem, pois permite sessões de jogo prolongadas sem causar desconforto ou fadiga. A instalação é extremamente simples, tanto que mal pode ser chamada de ‘instalação’. Basta posicionar o smartphone na horizontal e encaixá-lo na ranhura USB-C presente no suporte. Assim que o telemóvel é inserido, um LED verde no comando acende, indicando que está corretamente conectado e pronto a ser utilizado. Existe ainda uma entrada USB-C para carregar o suporte.

O comando é leve e ajusta-se consoante o tamanho do smartphone

Jogar como numa consola      

Este suporte para telemóvel revelou-se ideal para videojogos de corridas de carros, proporcionando um controlo muito mais preciso do veículo em comparação com o uso exclusivo do ecrã tátil do smartphone. Durante os nossos testes jogámos Real Racing 3, e conseguimos tempos significativamente melhores graças à precisão dos joysticks. A experiência foi bastante agradável, evidenciando a vantagem de ter um controlo mais próximo do que é habitual nas consolas.

O comando, praticamente idêntico aos tradicionais da PlayStation ou da Xbox, garante uma ergonomia excelente. Para quem já está familiarizado com este tipo de dispositivos, a adaptação é quase imediata. Em jogos de luta, em que experimentámos Shadow Fight 3, esta semelhança torna a experiência mais intuitiva e próxima da jogabilidade numa consola. No entanto, nem todos os videojogos tiram pleno partido deste produto. Importa referir que este suporte é apenas compatível com jogos de telemóvel que suportem a utilização nativa de comandos. Em títulos focados na estratégia, como Clash of Clans, por exemplo, a utilidade do comando é reduzida.

Muitas das ações exigem interação direta com o ecrã, tornando o suporte pouco prático. É importante frisar que este acessório foi concebido para jogos de ação e movimento intenso, onde exibe as qualidades ao melhorar a fluidez e o desempenho. Se procura elevar a experiência em jogos de corrida, luta ou aventura no smartphone, este suporte é uma boa escolha. Contudo, para jogos de estratégia, é preferível manter-se pelos controlos tradicionais.

Veredicto final

Se é fã de videojogos no smartphone, este suporte pode ser uma excelente opção. Destaca-se pela sua ergonomia, que garante um conforto elevado durante longas sessões de jogo, e pela precisão de movimentos que garante. Em resumo, eleva significativamente a experiência de jogo. Mas será que justifica o preço? Trata-se de um produto direcionado para entusiastas de videojogos, com um foco muito específico. Para que o investimento compense, é essencial que aproveite ao máximo as funcionalidades e o utilize regularmente em jogos compatíveis. Caso contrário, o custo poderá não ser justificado.

Tome Nota
iS Comando de jogos para telemóvel – €49,95
Site: iservices.pt

Ergonomia Muito Bom
Autonomia Muito Bom
Construção Bom
Conectividade Bom

Características  Material: Plástico ○ Entradas: 1x USB-C ○ Conectividade: Android e iOS ○ Dimensões: 184x85x37mm ○ Peso: 200 g

Desempenho: 4
Características: 4
Qualidade/preço: 3,5

Global: 3,8

Se os genes nasceram com eles, a experiência desde cedo os moldou no mesmo sentido: Martim e Francisco Costa, os dois irmãos de 19 e 17 anos que “explodiram”, esta época, no andebol português, ao serviço do Sporting e da Seleção Nacional, são filhos de antigos praticantes de excelência, Cândida Mota e Ricardo Costa, e começaram a frequentar os pavilhões ainda de fralda.

Faz agora um ano, desafiados pelo clube leonino, quis o destino que o pai voltasse a ser em simultâneo o treinador dos dois filhos. Tinha sido assim no FC Gaia e no Colégio dos Carvalhos, o clube/escola em Vila Nova de Gaia no qual os irmãos, seguindo as pisadas do pai, se iniciaram no andebol federado. Antes, porém, Martim e Francisco, mais conhecido por Kiko, já sabiam o bê-á-bá do desporto que lhes corre no sangue.

“Na alcofa, já iam ver os jogos. Lembro-me perfeitamente do Kiko a gatinhar no pavilhão em Algeciras, enquanto o Martim, com 3 anos, andava lá a correr com os filhos dos colegas do pai”, recorda Cândida Mota, referindo-se à cidade espanhola para onde Ricardo Costa foi jogar em 2005.

No ano seguinte, a família mudou-se do Sul para o Norte de Espanha, em virtude da transferência de Ricardo para o Ademar León, uma das equipas mais prestigiadas do país vizinho. Ao longo de cinco temporadas ali, antes do regresso a Portugal, tornou-se um hábito irem os quatro “brincar ao andebol”, nos tempos livres, para um complexo desportivo público: Ricardo e Kiko numa equipa, Cândida e Martim na outra. O mais novo com 3 anos, o mais velho com 6 (separam-nos dois anos e meio), e já andavam nas lides.

Na rua, mesmo sem bola na mão, os irmãos “iam o tempo todo a fintar e a saltar, como se estivessem a jogar”, partilha a mãe. À medida que cresciam, foi preciso ajustar a decoração em casa. Há fotografias do antes e do depois no primeiro apartamento em Gaia – com bibelots e jarras na sala e sem vestígio deles. “Tivemos de tirar tudo e, mesmo assim, partiram a mesa de centro, de vidro. Tornou-se um campo aberto para se jogar”, ri-se Ricardo.

Por falar em vidro, Kiko intervém para valorizar um pequeno móvel, feito do frágil material, que ainda hoje resiste intacto. “Tem a forma de uma pequena baliza, e eu usava-o para treinar ‘roscas’”, diz, aludindo a um tipo de remate em que a bola ganha efeito depois de tocar no solo. Numa parede exterior, ao lado da casota do cão, desenharam uma baliza em tamanho real, acrescenta Martim.

Mais recentemente, a pandemia Covid-19 parou o desporto jovem em Portugal, mas eles mantiveram-se ativos: trabalho de ginásio em casa e treinos com o pai no Colégio dos Carvalhos, onde Ricardo Costa foi coordenador de andebol durante dez anos. “Para muitos miúdos foi mau, mas para nós foi ótimo”, nota o treinador.

Furor na Seleção

No passado mês de abril, em estreia pela Seleção Nacional A, Martim e Kiko tiveram um impacto tremendo na eliminatória final de acesso ao Campeonato do Mundo, frente aos Países Baixos. Kiko foi logo utilizado no primeiro jogo, em Portimão, mas Martim não saiu do banco na derrota por 33-30, que deixava Portugal em apuros para a segunda mão, em Eindhoven.

À chegada, ainda no aeroporto, o selecionador Paulo Jorge Pereira informou Martim de que estava a contar lançá-lo a titular para o tudo ou nada. A resposta foi demolidora: melhor marcador do jogo, com dez golos, vitória por 35-28 e presença garantida no Mundial.

“É incrível”, escreveu ele ao pai, após uma exibição em que quase parecia estar a jogar no parque com a família, tal a naturalidade dos movimentos. “No desporto como na vida, uma pessoa não pode ter medo das adversidades. Tenho muita confiança em mim, e isso ajuda muito”, comenta, a propósito, o jovem lateral-esquerdo.

O selecionador ignorou o fator experiência e deu também a titularidade a Kiko, talvez influenciado pelo desempenho dos irmãos, uns dias antes, no duplo confronto entre o Sporting e o Magdeburgo, nos oitavos de final da Liga Europeia. Martim e Kiko assinaram 33 dos 64 golos dos leões nessa eliminatória, perdida por um golo para os novos campeões da Alemanha, a Liga mais forte do mundo – e que o Benfica haveria de superar, de forma brilhante, em Lisboa, na final da referida competição europeia.

Na alcofa, já iam ver os jogos. Lembro-me perfeitamente do Kiko a gatinhar no pavilhão e do Martim a correr com os filhos dos colegas do pai

Cândida Mota, mãe e antiga internacional de andebol feminino

“Estava em causa o apuramento para o Mundial, mas, quando entro em campo, esqueço tudo e só quero jogar andebol e ajudar a minha equipa a ganhar”, salienta Kiko, que, apesar da tenra idade, não se esconde nos momentos de maior aperto.

Nesse aspeto, são réplicas do pai. Um dos melhores pontas-direitas da história do andebol nacional, Ricardo Costa deixou como imagem de marca uma competitividade que fazia faísca com os adversários. Os dois filhos ainda não eram nascidos quando, no Euro2000, nos últimos segundos do embate frente à Eslovénia, ele fintou o melhor jogador adversário e marcou o golo da primeira vitória da Seleção masculina em fases finais de europeus e mundiais.

Quem o topou bem, ainda em criança, foi José Magalhães, ex-treinador e hoje diretor da secção de andebol do FC Porto. “Ele era professor no Colégio dos Carvalhos e viu-me jogar futebol. Eu tinha 11 anos, varria tudo à minha frente, e ai de quem me tirasse a bola! Digamos que era um puto com energia a mais. Chamou-me a meio da aula e convidou-me para o andebol”, rebobina Ricardo.

“Muito disso nasce connosco, mas com um treinador que nos leve ao limite ainda dá para melhorar muito essa característica”, acredita Martim, ao passo que Kiko é mais terra a terra: “Eu acho que nasce com a pessoa e noto isso em mim. Sou muito parecido com o meu pai.” Sempre que o têm como adversário, seja no que for, sabem que não vale a pena contar com facilitismos.

Convite irrecusável

Hoje com 45 anos, Cândida e Ricardo conheceram-se aos 17, apresentados por um árbitro de andebol. Uma semana depois, começaram a namorar. Ela ainda jogava no Madalenense, mas não demoraria a chegar ao Colégio de Gaia, equipa de topo no andebol feminino. Ele estava no Boavista e em breve saltaria para o FC Porto. Não muito tempo depois, seriam chamados à Seleção A, que Cândida representou em 33 ocasiões – até se retirar, aos 25 anos, quando ficou grávida de Martim – e Ricardo em 147, sendo o oitavo mais internacional de sempre.

Numa deslocação pela Seleção, Cândida Mota viveu a experiência mais insólita. Não se recorda se estariam no Azerbaijão ou na Turquia, mas não esquece que a queriam trocar por camelos. “No aeroporto, um senhor que estava lá com a mulher foi falar com o selecionador e o médico, que acharam graça e deram-lhe conversa. Foi a risota geral na comitiva, eu é que não estava a achar piada nenhuma, porque às tantas ele já oferecia 500 camelos para me levar”, conta, agora bem mais divertida, esta professora de Educação Física que suspendeu a atividade para acompanhar a família nesta nova etapa, em Lisboa.

Após a passagem pelo FC Porto como adjunto e depois, entre 2015 e 2017, como treinador principal, Ricardo Costa não hesitou em dar o sim ao Sporting, no verão passado. Dirigia o Artística de Avanca, e o convite era extensível aos filhos, então ligados contratualmente ao FC Porto. Ao pagar as cláusulas de rescisão, num total de €250 mil, o rival leonino mostrava que a aposta na família Costa seria total. Irresistível, pensaram Martim e Kiko.

Comprometeram-se todos por quatro anos, e este primeiro terminou com a conquista da Taça de Portugal, na sequência das vitórias sobre o Benfica e o FC Porto (esta após dois prolongamentos e com 13 golos de Kiko).

No imediato, os irmãos ambicionam colecionar mais troféus ao lado do pai no Sporting – como o de campeão nacional que “escapou” para o FC Porto – e um dia experimentar uma das grandes ligas europeias. É inevitável, mas tudo a seu tempo – além do mais, se Martim já entrou na universidade, com matrícula congelada, Kiko ainda vai para o 12º ano. Também acreditam que, no futuro, será possível festejar um título pela Seleção. Querem tudo a que têm direito.

“Eles divertem-se a jogar”, resume a mãe. “São felizes assim, e isso é o mais importante.” Por agora, os irmãos apontam para a conquista do Europeu de Sub-20, que vai decorrer em Gondomar, Matosinhos e Gaia, entre 7 e 17 de julho. Sim, porque Martim ainda é júnior e Kiko juvenil. Se ainda não os conhece, ora aqui tem uma bela oportunidade.

Esta rua de Alcântara é escura. O Croqui é escuro. Entra-se e apenas a luz das velas tem o dom de nos alumiar, porque o verdadeiro foco está nos copos onde caem as bebidas desta chefe – tomamos a ousadia de lhe chamar assim, porque é uma arte pegar em alimentos e transformá-los em algo delicioso. OK, Constança Cordeiro também lhes junta destilados, e assim se aproxima mais de uma barmaid, mas isso até pode ser uma mais-valia, se encararmos o álcool como o responsável por acrescentar algum sal à vida.

Neste seu terceiro bar – e só começou nisto há sete anos – juntou alguns clássicos icónicos e acrescentou-lhes outros mais diretos e divertidos. Se não, o que pensar de um daiquiri verde, feito com abacate, que mais não leva do que rum, o fruto que lhe dá cor, açúcar e limão? “Esta bebida foi a primeira que fiz para aqui, assim que comecei a descomplicar. Decidi apostar em sabores familiares”, conta Constança, 34 anos, orgulhosa desta sua recente criação.

Foto: Luís Barra

No shot do mês (a ementa muda todos os meses, consoante a sazonalidade dos produtos que usa, muitas vezes apanhando-os no campo), experimentámos um rum com framboesa, banana e lúpulo. A sua cor (um cor-de-rosa muito clarinho) engana bem, porque este pequeno copo é para ser bebido por gente grande.

Se escolhermos um lugar ao balcão de inox, em vez de preferirmos uma das mesinhas redondas de madeira, ficamos de frente para as modernas máquinas de destilação a baixa temperatura que conferem ao ambiente um je ne sais quoi de laboratório de criação.

Além de outros cocktails, como o que é inspirado num vídeo de Dua Lipa, em que a cantora come um gelado de baunilha com azeite e sal, ou o McGimlet, que mistura o sabor das batatas fritas e do sundae de baunilha do McDonald’s à vodka, há cerveja artesanal (€4), vinho biológico (€5) e três snacks para não se beber tudo a seco (azeitonas, queijos e fuet).

Foto: Luís Barra

Aqui, os preços não vão além dos €11, para apelar a um público mais local e diferente do que frequenta a Toca da Raposa, no Chiado, o mais exclusivo Uni, na Rua do Século, ou de quem a contrata através da Fae, o seu braço dedicado aos eventos. E há lugar para receber 40 curiosos. Afinal, não é todos os dias que se pode beber um maky Mary, um bloody Mary para se tragar como se houvesse sushi lá dentro – leva tomate, claro, wasabi, soja, alga nori, mirim, molho inglês e especiarias. Se esta combinação não é digna de uma chefe, não sei que outro nome podemos chamar-lhe…

Croqui > R. Vieira da Silva, 16, Lisboa > qua-dom 18h-1h

Todos os anos, um hotel tem em média 15% a 20% de desperdício têxtil. A conta é feita por Joana Faustino, uma das três irmãs proprietárias do aparthotel You and The Sea, junto à Praia do Sul na Ericeira. “A roupa de cama vai-se estragando com as lavagens, sobretudo quando esta é feita em lavandarias externas que utilizam produtos químicos. Tinha de haver uma solução melhor do que o lixo.” 

O projeto Cura by The Sea nasceu no verão de 2023, pelas mãos de Joana e de Arjan Kuil, que trabalha na área das tecnologias e sabe como construir, comercializar e vender produtos online. Com a ajuda de uma costureira, desenharam um modelo unissexo de camisa, com um corte simples, prático, confortável e apelativo.

O passo seguinte foi convidar um conjunto de artistas, eleitos pelo seu traço distintivo e por utilizarem diferentes técnicas, que ajudassem a dar nova vida e a acrescentar valor a cada uma delas. Esta é, de resto, a base do upcycling: não apenas reutilizar matérias-primas ou recuperá-las, mas também valorizá-las, acrescentando-lhes uma abordagem criativa ou uma nova funcionalidade.  

Dos quatro primeiros modelos, produziram apenas 15 exemplares de cada. Há camisas com tingimento natural (utilizando os pigmentos da casca de romã, por exemplo), outras são bordadas ou pintadas à mão, outras ainda foram serigrafadas. Olhando bem para cada uma delas, descobre-se outro pormenor: os botões são todos diferentes, algo só possível porque Arjan “passou a vida inteira a colecioná-los”, conta Joana. 

Desde que o projeto foi criado, foram reutilizados 600 lençóis provenientes do aparthotel na Ericeira e do hotel 1908, em Lisboa, também nas mãos da família de Joana.

Nas camisas da Cura by the Sea, os botões são todos diferentes. Foto: DR

Já este ano, lançaram outros seis modelos de camisas, desenhados por artistas a viver em Portugal, e quatro guardanapos bordados à mão com desenhos de desportos de inverno. Ao mesmo tempo, Joana e Arjan oferecem a possibilidade de outros hotéis, restaurantes e marcas seguirem o seu exemplo, vestindo os funcionários com fardas feitas com tecidos reciclados.

Cura by the Sea > À venda no site curabythesea.com e no hotel You and The Sea, na Ericeira > €49 a €139 

Há coisas que nos fazem reconciliar com uma Lisboa turistificada. Numa destas horas de almoço, sentámo-nos na esplanada da Crack Kids virada ao Tejo. A loja e galeria de graffiti, instalada num dos armazéns vizinhos da estação de barcos no Cais do Sodré, é ponto de encontro de uma comunidade ligada à arte urbana e ganhou um bar, escrevem, para se “comer bem, beber bem e chillar com amigos”. Chama-se Crack Kids Club e a cozinha está agora ocupada pela equipa d’O Velho Eurico, o restaurante na Mouraria que caiu no goto dos lisboetas. 

Na esplanada bem composta (há até quem jogue uma partida de xadrez), o sol de inverno aquece-nos enquanto escolhemos o que comer. Na ardósia afixada na parede constam receitas do restaurante, de sabor português. Naquele dia, havia por exemplo pastéis de leitão à Bairrada (€4,50), salsicha com couve-lombarda (€10), sanduíche à Brás (€12), o famoso bacalhau à Brás d’O Velho Eurico em pão brioche, e “sopa” de cozido (€7), nome para os tortellini recheados com carnes de cozido e servidos num caldo do mesmo.

“Aqui apostamos em coisas fáceis de preparar e de comer. A ideia é ter novidades todas as semanas”, diz Fábio Algarvio

Fábio Algarvio (braço-direito de José Paulo Rocha, que, em 2019, transformou o Eurico Casa de Pasto numa taberna de alma jovem e irreverente) diz-nos que a ideia é ter “coisas novas” todas as semanas, como um coelho frito ou espetada de picanha, exemplifica. É essa variedade, aliás, que querem ter no restaurante, concluídas as obras que vão permitir aumentar a exígua cozinha de 9 metros quadrados. “Queremos que seja ainda mais tasca, as tascas estão a perder-se”.  

Até março, prevê Fábio (“já estamos a aceitar reservas no restaurante para essa altura”), é junto ao rio que dão a provar os seus petiscos e a sua versão do clássico doce da casa (€6), um leite-creme ao qual juntam um crumble de café, mousse de chocolate e espuma de serradura, feita com natas e bolacha.

Numa das mesas, o café é acompanhado por um copinho de bagaço, servido da garrafa. “É um miminho nosso, para lavar a chávena”, brinca Fábio. Haverá mais tasca do que isto?

Restaurante O Velho Eurico na Loja Crack Kids.

Eurico on Crack > Crack Kids Club > R. da Cintura do Porto de Lisboa, Armazém A Porta 20, Cais do Sodré, Lisboa > seg-dom 12h-21h (cozinha encerra às 20h) 

Nos EUA, a ideia de organizar um serviço religioso no dia seguinte à inauguration é nova. Mariann Edgar Budde anunciou que o faria, no último verão, independentemente do resultado das eleições presidenciais de novembro. E a verdade é que a cerimónia do passado dia 21 não teria tido grande cobertura mediática se o teor do sermão da bispa episcopaliana da diocese de Washington não tivesse sido o que foi. 

Demorou, sensivelmente, 15 minutos. Budd concentrou-se em três elementos que, segundo ela, são essenciais para a unidade nacional: dignidade, honestidade, humildade. No final, acrescentou-lhe “um apelo” e, olhos nos olhos com Donald Trump e com J. D. Vance, ladeados pelas suas respetivas mulheres, todos sentados na primeira fila da Washington National Cathedral, pediu-lhes que o novo Presidente tivesse “misericórdia” de todos os que têm medo, em particular os imigrantes e os membros da comunidade homossexual e transgénero.

Além de direto no conteúdo, o apelo foi extraordinariamente assertivo na forma: “As pessoas que apanham as nossas colheitas, limpam os nossos edifícios de escritórios, trabalham nas explorações avícolas e nos frigoríficos, lavam a loiça depois das refeições nos restaurantes e fazem turnos de noite nos hospitais: podem não ser cidadãos ou não ter a documentação adequada, mas a grande maioria dos imigrantes não são criminosos. Pagam impostos e são bons vizinhos. São membros fiéis das nossas igrejas, mesquitas, sinagogas, viaras e templos.” E, por fim, rematou: “O nosso Deus ensina-nos que devemos ser misericordiosos para com o estrangeiro, pois todos nós fomos estrangeiros nesta terra.” 

Mulher de causas

Em poucas horas, o sermão de Mariann Edgar Budde foi reproduzido em todo o mundo, tornando-se tão viral quanto o gesto de Elon Musk da véspera, no Capital One Arena, que muitos consideraram semelhante à saudação nazi. No final da semana, mais de 30 mil pessoas já tinham assinado uma petição a favor das palavras de Budde, considerando-as “corajosas” e “esperançosas”: “Representam a voz profética de que precisamos neste preciso momento.”  

Mariann Edgar Budde tem 65 anos e é a primeira mulher líder espiritual da diocese de Washington da Igreja Episcopal. Na sua apresentação na página da diocese, diz-se que “ela acredita que Jesus chama todos os que o seguem na luta pela justiça e pela paz e a respeitar a dignidade de todos os seres humanos”. Também se nota que é defensora da equidade racial, da prevenção da violência armada, da reforma da imigração e da inclusão dos homossexuais. Antes da sua nomeação para Washington, em 2011, esteve quase duas décadas como reitora da Igreja Episcopal de St. John, no estado do Minnesota.      

Casada, tem dois filhos já adultos e netos. É conhecida por andar de bicicleta por Washington e por gostar de cozinhar para os amigos. Cresceu em New Jersey e no Colorado, estudou História na Universidade de Rochester. Completou depois o mestrado e o doutoramento no Seminário Teológico da Virgínia. Vários dos seus sermões já foram publicados em livros e revistas. A sua obra mais recente, de 2023, chama-se How We Learn to Be Brave: Decisive Moments in Life and Faith [Como Aprendemos a Ser Corajosos: Momentos Decisivos na Vida e na Fé]. Como, na semana passada, o livro já constava da lista dos mais vendidos, a Avery, uma chancela da Penguin, fez saber que tenciona reimprimir “um número significativo” de exemplares.  

“Insultou em vez de encorajar”

Logo após a cerimónia na National Cathedral, Donald Trump fez saber que não estava muito satisfeito com o sermão. “Podia fazer muito melhor”, declarou o Presidente recém-empossado. Mais tarde, escreveu um post, publicado na sua rede social, dizendo que vê a bispa como “uma esquerdista radical”. Acrescentou ainda que ela “adotou um tom desagradável, não foi convincente nem inteligente”, fez comentários “inapropriados e aborrecidos e muito pouco inspiradores”. “Ela e a sua Igreja devem pedir desculpas ao público”, concluiu.

Evidentemente que Budd não só não pediu desculpas como se desmultiplicou em entrevistas. “Falei com o Presidente porque senti que ele agora tem este momento, sente-se cheio de energia e poder para fazer o que se sente chamado a fazer”, explicou à CNN. “Tentei encontrar uma maneira de trazer para a sala aqueles que não faziam parte da visão de unidade que ele descreveu na tomada de posse”, afirmou à The New Yorker. Também a Igreja Episcopal emitiu um comunicado pedindo que se evitassem quaisquer deportações. “Como cristãos, a nossa fé é moldada pela história bíblica de pessoas que Deus levou para países estrangeiros para escapar à opressão”, disse o bispo presidente, Sean Rowe.   

Desde então, do lado dos trumpistas, Budd só tem recebido ataques. O pastor Robert Jeffress, da Primeira Igreja Batista de Dallas, considera que Budd “insultou em vez de encorajar o nosso Presidente”. O congressista republicano do estado da Geórgia Mike Collins sugeriu até que a bispa “deveria ser adicionada à lista de deportações”. Também houve quem aproveitasse o episódio para dizer que era a prova provada de que “as mulheres não deveriam ser pastoras, padres ou bispos”. Ao pedido de compaixão e misericórdia, por sinal, ninguém ripostou.



B.I.

Origens
Cresceu em Nova Jersey e no Colorado e esteve 18 anos como reitora na Igreja Episcopal de St. John, no estado do Minnesota

Família
É casada e tem dois filhos já adultos, Amos e Patrick. Avó extremosa, faz questão de dizer que tem muito orgulho nos seus netos

Formação
Fez o curso de História, na Universidade de Rochester. Tirou depois o mestrado e o doutoramento no Seminário Teológico da Virgínia

Direitos humanos
É defensora da equidade racial, da prevenção da violência armada, da reforma da imigração e da inclusão dos homossexuais. Alguns dos seus sermões estão publicados em livros

Palavras-chave:

É fácil ceder à tentação de chamar biopic (biographical picture) a este A Complete Unknown, até porque os filmes biográficos de grandes figuras da música têm sido uma tendência recente (Freddie Mercury, Elton John, Elvis…). Mas é preciso dar ouvidos ao realizador James Mangold, que já em 2005 tinha assinado um filme sobre a vida de um nome grande da música norte-americana: Walk the Line, em que Joaquin Phoenix interpretava o papel de Johnny Cash. E diz Mangold à revista francesa Les Inrockuptibles: “Nunca encarei este meu filme como um biopic, que me parece uma expressão redutora, muito cara aos críticos e ao campo académico, mas pouco respeitadora das naturezas, por vezes muito diferentes, dos filmes que são assim designados.”

Não lhe chamemos, pois, biopic, mas desde as primeiras imagens sabemos que estamos perante um filme que nos quer contar uma história, de uma forma bastante clássica. E essa história é a de Bob Dylan, acabado de chegar do seu Minnesota a uma Nova Iorque invernal com um estojo de guitarra na mão e o ar tímido, introspetivo, de quem tem dificuldade em encarar diretamente os seus interlocutores. A narrativa seguirá por ordem cronológica, sem que Mangold sinta necessidade de experimentalismos e abordagens menos convencionais. O jovem ator francês Timothée Chamalet, nascido em 1995, compõe um retrato muito convincente desse outro jovem norte-americano no início da década de 60, de cabelos desgrenhados, à la Rimbaud, acabado de chegar à grande cidade.

No dossier de imprensa de A Complete Unknown, Chamalet resume assim este trabalho para o qual se preparou durante cinco anos: “Podem fazer-se dois tipos de filmes sobre Bob Dylan: um estudo comportamental sobre um tipo suspeito que não consegue olhar as pessoas olhos nos olhos ou uma espécie de panegírico sobre os seus grandes sucessos, o que mascara o facto de que a sua carreira também atravessou momentos tempestuosos. James [Mangold] conseguiu encontrar uma brecha entre a homenagem e a desmistificação.”

Ao ator que interpreta Dylan coube a mais árdua tarefa nesse projeto, sobretudo depois de decidir interpretar ele próprio várias canções do autor de Blowin’ in the Wind, imitando a sua carismática voz nasalada (e também é a atriz Monica Barbaro que interpreta as canções da personagem a que dá corpo: Joan Baez, com uma voz não menos carismática e reconhecível do que a de Dylan).

Se é verdade que a ordem cronológica nos vai guiando por esses anos em que, rapidamente, Bob Dylan conquistou o público norte-americano com as suas inspiradas canções folk, interpretadas em pequenos bares e clubes do bairro nova-iorquino Greenwich Village, há que estar consciente de que o realizador não se preocupou em ser absolutamente factual, como se estivesse a compor um documentário.

Essa liberdade nota-se logo no arranque do filme. Vemos Dylan chegar a Nova Iorque, com ar de aventureiro solitário meio perdido, e indagar onde fica o hospital em que está internado Woody Guthrie, dirigindo-se imediatamente para lá, de noite, num táxi que não podia pagar.

Esse encontro aconteceu, de facto, mas não foi exatamente assim, nem ocorreu logo após a chegada de Dylan a Nova Iorque. Guthrie morreria em 1967, aos 55 anos, com a doença de Huntington que nos últimos anos o afetou profundamente, dificultando-lhe os movimentos e a fala. Mangold põe Dylan no quarto de hospital cantando para Woody Guthrie (interpretado por Scoot McNairy) e a referência da folk/country Pete Seeger (interpretado por Edward Norton, nomeado para o Oscar de Melhor Ator Secundário por este papel).

Foi em Nova Iorque que tudo começou na carreira de Bob Dylan, que ali chegou vindo do Minnesota, onde nasceu há 84 anos. No filme do nova-iorquino James Mangold, a cidade que nunca dorme também é protagonista

O filme coloca a figura de Woody Guthrie no lugar certo, de referência total para a chegada de Bob Dylan ao mundo das canções. Vale a pena recordar o que sobre Woody escreveu o músico no seu livro Crónicas, Vol. 1, em 2004 (12 anos antes de ganhar o Nobel da Literatura): “Uma coisa é certa, Woody Guthrie nunca me tinha visto ou ouvido falar de mim, mas parecia estar a dizer, ‘hei de ir-me embora, mas deixo esta tarefa nas tuas mãos, sei que posso contar contigo’.”

A metamorfose elétrica

Qualquer filme que nos chegue dos EUA neste momento, sobre qualquer época, presta-se a leituras sobre o tempo presente e os ares que sopram desse lado do Atlântico. Se O Brutalista, agora nas salas de cinema e um dos grandes favoritos na corrida aos Oscars, nos obriga a uma reflexão sobre os desafios da imigração, em tempo de ameaças e deportações, A Complete Unknown talvez nos mostre, embalados pela letra de The Times They Are A’Changin’, que os tempos não mudaram assim tanto e é fácil que canções antigas (como Masters of War, de 1963) ecoem no tempo presente. Ou seja: podemos sentir nas mais antigas canções de Dylan o que Dylan sentiu cantando as letras ainda mais antigas de Woody Guthrie, em batalhas que se perpetuam.

Outras batalhas podem parecer-nos, hoje, anacrónicas. Boa parte da tensão/conflito e clímax do guião deste filme vem da célebre e então polémica viragem de Bob Dylan, passando de estrela folk, sozinho em palco com as suas canções e uma guitarra acústica, para um rebelde rocker com uma banda de guitarras elétricas, baixo e bateria. O que hoje nos pode parecer risível (porque não vislumbramos uma muralha assim tão sólida entre folk e rock), na primeira metade da década de 60 era quase uma questão de vida ou morte, com dois lados da barricada bem definidos.

Mangold investe bastante na dupla Pete Seeger e Alan Lomax, diretor do festival de folk em Newport, como elementos apavorados com a hipótese de Dylan, novo herói da folk, subir ao palco desse festival destruindo a sua pureza com o “ruído” de instrumentos elétricos (como acabou por acontecer). Por outro lado, mostra-nos um rebelde Johnny Cash (Boyd Holbrook) a dar todo o apoio a Dylan nessa metamorfose. Essa história surge bem contada no livro publicado em 2015 Dylan Goes Electric!: Newport, Seeger, Dylan, and the Night That Split the Sixties, de Elijah Wald, que está na base do guião deste A Complete Unknown.

Entre todas as personagens importantes do filme, só uma tem um nome fictício, por sugestão/pedido do próprio Bob Dylan. A sua primeira companheira e musa em Nova Iorque, Suze Rotolo, surge em A Complete Unknown como Sylvie Russo (personagem interpretada por Elle Fanning) porque, segundo Dylan, é a única, nesta história, que nunca se tornou uma celebridade, era uma pessoa real, sem uma persona pública, que aqui devia ser protegida.

Joan Baez e Bob Dylan partilharam muitos palcos nos anos 60 e 70, até cada um seguir o seu caminho. No filme A Complete Unknown são interpretados por Monica Barbaro e Timothée Chamalet, que não recearam dar a sua voz às canções dos dois músicos

Quem tem, claro, um papel de protagonista quando se aborda a vida de Dylan nestes escaldantes anos 60 é Joan Baez (interpretada por Monica Barbaro), que, quando já era uma voz reconhecida e célebre na música folk norte-americana, se sentiu magneticamente atraída por este jovem tímido chegado do Minnesota para conquistar o mundo a partir das caves de Greenwich Village. As suas vozes soaram muitas vezes juntas, lado a lado, em vários palcos, chegaram a ser vistos como uma dupla, mas parecia inevitável que cada um seguiria o seu caminho…

O filme/documentário Joan Baez, I Am a Noise (que ainda está em exibição esta semana nas salas de cinema portuguesas) dá algumas respostas a questões que podem parecer suspensas em A Complete Unknown. Baez conta como ficou entusiasmada e intensamente apaixonada pelo talento de Bob Dylan e não hesita em dizer que, depois, o músico a deixou de coração partido. Fala especificamente da digressão que ambos fizeram a Inglaterra, quando viu que Bob Dylan, já uma celebridade, se afastava para um mundo só seu, misterioso, influenciado por drogas ou apenas pelo duro embate do seu lado introspetivo com o mundo a seus pés. Talvez esse Dylan enigmático, aí anunciado, de olhos escondidos e fugidios, seja o mais real de todos. E talvez nos escape para sempre.

Excerto do texto publicado na edição da VISÃO desta semana

As oito nomeações para os Oscars de A Complete Unknown

Melhor Filme

Melhor Realização (James Mangold)

Melhor Ator Principal (Timothée Chalamet)

Melhor Ator Secundário (Edward Norton)

Melhor Atriz Secundária (Monica Barbaro)

Melhor Argumento Adaptado

Melhor Som

Melhor Guarda-Roupa

O 47.º Presidente dos Estados Unidos falou esta tarde sobre a colisão entre um avião da companhia American Airlines – que transportava 64 passageiros e quatro tripulantes a bordo – e um helicóptero militar, perto de Washington. Em declarações aos jornalistas, Donald Trump admitiu que este acidente “podia ter sido evitado” e foi o resultado de uma “confluência de más decisões que foram tomadas”.

O líder norte-americano disse ter ouvido gravações do incidente e garante que o avião da American Airlines estava a “fazer tudo bem”, mas que “por alguma razão” o helicóptero estava à mesma altura. “[O helicóptero] tinha a capacidade de subir ou descer, tinha a capacidade de virar. E a viragem que fez não foi a correta, obviamente, e fez um pouco o contrário do que lhe foi dito”, sublinhou.

Trump diz ainda ter algumas “opiniões e ideias muito fortes” sobre o que conduziu ao acidente entre os aparelhos, embora reconheça que a investigação ainda está a dar os primeiros passos. “Vamos descobrir como é que esta catástrofe ocorreu e vamos garantir que nada disto volta a acontecer”, disse acrescentando que a Administração Federal da Aviação (FAA), o Conselho Nacional de Segurança dos Transportes (NTSB) e as forças armadas dos EUA vão levar a cabo uma “investigação exaustiva”.

O magnata, de 78 anos, aproveitou ainda a ocasião para atacar os adversários políticos, nomeadamente Barack Obama, por ter, alegadamente, contratado funcionários “medíocres” para as funções de controlo do tráfego aéreo. Posições que, nas suas palavras exigem “inteligência superior”.

Trump lamentou também as mortes das pessoas que seguiam a bordo das aeronaves, confirmando que “não há sobreviventes”. “Esta foi uma noite negra e dolorosa no nosso país e na História da nossa nação, e uma tragédia de proporções terríveis”, referiu.

Após a intervenção de Donald Trump, também Sean Duffy, secretário de Transportes dos Estados Unidos, falou sobre o acidente, reforçando a ideia de que “quando se trata de segurança, só podemos aceitar os melhores e os mais brilhantes”. “Diria apenas que todos os que voam nos céus americanos esperam que voemos em segurança. Que quando um avião sai de um aeroporto, chega ao seu destino. Sei que o Presidente Trump, a sua administração, as agências federais não descansarão enquanto não tivermos respostas para as famílias e para o público que voa. Todos devem ter a certeza de que quando voam, estão seguros”, disse o secretário de Transportes.

O acidente ocorreu por volta das 21:00 de quarta-feira, no horário local (02:00 de hoje em Lisboa) e ainda não são ainda conhecidas as causas da colisão. As autoridades norte-americanas estão agora à procura de sobreviventes, tendo sido já encontrados 28 corpos, dos quais 27 de passageiros do avião da American Eagle e um do helicóptero militar.