O trecho d’Os Maias, de Eça de Queirós, é um deleite. “Não tinha a criança cinco anos já dormia num quarto só, sem lamparina; e todas as manhãs, zás, para dentro de uma tina de água fria, às vezes a gear lá fora… E outras barbaridades. Se não se soubesse a grande paixão do avô pela criança, havia de se dizer que a queria morta. Deus lhe perdoe, ele, Teixeira, chegara a pensá-lo… Mas não, parece que era sistema inglês!” Assim era descrita, por um dos criados, a educação britânica rígida dada por Afonso da Maia ao seu neto Carlos.
Não sabemos o que escreveria Eça sobre os banhos de gelo a que se submetem estoicamente os influenciadores digitais. A popularidade aumentou significativamente nos últimos anos, com as vendas de banheiras especiais na Amazon a aumentarem de menos de mil unidades, em novembro de 2022, para mais de 90 mil unidades, um ano depois. Os inúmeros benefícios propalados para a saúde e bem-estar têm, contudo, evidências científicas limitadas.
Ora, investigadores da Universidade da Austrália do Sul (UAS) quiseram, precisamente, fazer a primeira revisão sistemática e meta-análise dos estudos que avaliam os efeitos psicológicos, cognitivos e fisiológicos da imersão em água fria na população em geral. Após analisarem dados de 11 trabalhos, que contaram com um total de 3 177 participantes, encontraram resultados positivos na redução do stresse, na melhoria da qualidade do sono e no aumento da qualidade de vida.
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Contudo, os benefícios identificados exibiam restrições temporais. Os níveis de stresse só foram afetados após 12 horas de exposição ao frio, não tendo sido identificados efeitos significativos imediatamente, 1 hora, 24 horas ou 48 horas após a mesma.
Quanto aos duches frios de 20, 60 ou 90 segundos, também houve testemunhos de uma melhoria na qualidade de vida, embora os efeitos tenham deixado de se verificar passados três meses.
No que diz respeito ao sono, os participantes envolvidos no estudo revisto eram apenas homens, pelo que a aplicação dos resultados é limitada.
As inúmeras alegações empíricas nas redes sociais quanto às melhorias imediatas na imunidade e no humor não encontraram, por sua vez, evidência científica relevante. Mas foi assinalada uma benesse de longo prazo: uma redução de 29% no absentismo laboral por doença.
Curiosamente, verificou-se um resultado inesperado: um aumento temporário das inflamações. “À primeira vista, isso parece contraditório, pois sabemos que os banhos de gelo são usados regularmente por atletas de elite para reduzir a inflamação e a dor muscular após o exercício”, afirmou Ben Singh, um dos investigadores que conduziu o estudo, publicado no passado dia 29, no jornal científico Plos One. “O pico imediato de inflamação é a reação do corpo ao frio como um stressor. Ajuda o corpo a adaptar-se e a recuperar-se, e é semelhante ao dano muscular provocado pelo exercício antes de torná-lo mais forte, razão pela qual os atletas o usam apesar do aumento de curto prazo”, explicou.
Aliás, alertou, “pessoas com problemas de saúde preexistentes devem ter cuidado extra ao participarem em experiências de imersão em água fria, pois a inflamação inicial pode ter impactos prejudiciais na saúde”.
Dos atletas para os “comuns dos mortais”
Na verdade, “a imersão em água fria tem sido amplamente pesquisada e usada em contextos desportivos para ajudar atletas a se recuperarem, mas, apesar da sua crescente popularidade nos círculos de saúde e bem-estar, pouco se sabe sobre os seus efeitos na população em geral”, justificou Tara Cain, outra cientista da UAS envolvida no estudo.
A prática terapêutica tem sido enfatizada pela sua capacidade de acelerar a recuperação após exercícios extenuantes. Mas a sua popularidade crescente entre os “comuns dos mortais”, levados pela promoção de benefícios amplos, deveria ter em conta que a maioria das pesquisas examina os efeitos da imersão em água fria combinados com atividade física, sendo difícil isolar o seu contributo específico.
Se excluíssemos as populações atléticas, a lacuna de conhecimento era imensa. Daí que esta revisão sistemática aponte para os efeitos em adultos saudáveis, com mais de 18 anos.
Foi estabelecido um parâmetro na meta-análise: os dados incluídos implicavam a imersão total ou parcial do corpo em água fria, durante 30 segundos a duas horas, a temperaturas que variavam entre os 7 0C e os 15 0C, e a exposição era ao nível do peito ou acima dele – seja com duches, banhos de gelo ou mergulhos (por exemplo, no mar).
A base de evidência atual oferece potenciais aplicações práticas por profissionais de saúde, mas é limitada pela escassez de ensaios controlados, pelos reduzidos tamanhos das amostras e pela falta de diversidade das populações estudadas, concluíram os investigadores. As diferenças nos protocolos, as adaptações fisiológicas e os fatores ambientais influenciaram os resultados. Os limites temporais dos efeitos também complicam a avaliação de risco-benefício.
“Atualmente, não há pesquisa de alta qualidade suficiente para dizer exatamente quem beneficia mais ou qual é a abordagem ideal para a imersão em água fria. Mais estudos de longo prazo, entre populações mais diversas, são necessários para entender os seus efeitos duradouros e aplicações práticas”, considera Cain. Antes de mergulhar de cabeça, pense duas vezes.
Acordar fresco
O frio melhora a qualidade do sono?
As imagens dos carrinhos alinhados à entrada de cafés, com os bebés a dormir a temperaturas abaixo de zero (devidamente agasalhados, claro), enquanto os pais tomam uma bebida quente, provoca um arrepio de estranheza aos povos do Sul da Europa. Mas é um hábito comum entre os países nórdicos. A neve pode cobrir os passeios, mas acredita-se que estas sestas ao relento, a respirar ar fresco, afastam as tosses e as constipações. Há um ditado sueco que resume a crença: “Não existe mau tempo, apenas roupas inapropriadas.”Aliás, as atividades ao ar livre são promovidas durante todo o ano.
Os estudos não são consensuais, segundo a Agência Sueca de Proteção Ambiental. Alguns indicavam que crianças em idade pré-escolar, que passavam muitas horas ao ar livre, em geral, faltavam menos dias do que aquelas que passavam a maior parte do tempo em ambientes fechados. Mas outros não mostravam qualquer diferença.
E quanto à temperatura dos quartos? Vários estudos demonstraram que a qualidade do sono pode melhorar se a divisão for mantida mais fria (entre cerca de 15 ⁰C e 19 ⁰C). Entre os benefícios elencados, está o estímulo da produção de melatonina (conhecida como a hormona do sono), a redução das insónias (não são afetados os estágios do sono), e um adormecimento mais rápido. Por isso, é melhor não abusar do aquecimento.
As alterações climáticas parecem estar a acelerar. O ano de 2023 bateu o recorde de mais quente desde que há registos, apenas para ser imediatamente destronado no ano seguinte, e com um bónus: 2024 foi o primeiro ano a ultrapassar o limite ideal do Acordo de Paris, e por um décimo inteiro de grau centígrado: ficou 1,6 ºC acima da média do período 1850-1900.
Tanto 2023 como 2024 foram, contudo, afetados pelo El Niño, o fenómeno do Pacífico que acaba por contribuir para a subida da temperatura média global da atmosfera (em cima, claro está, da subida da temperatura devido às alterações climáticas). Mais significativo é o aumento médio das últimas décadas: 1985-1994 foi 0,55 ºC mais quente do que a média do período pré-industrial; 1995-2004, 0,75 ºC; 2005-2014, 0,92 ºC, e 2015-2024, uns impressionantes 1,28 ºC.
Os impactos mais conhecidos e estudados do aquecimento são o aumento de eventos extremos, como secas, ondas de calor e tempestades, o degelo e a subida do nível médio das águas do mar. Mas há uma imensidão de outras pequenas (e não tão pequenas assim) consequências que advêm destas. Gosta de comida picante? Pois saiba que as malaguetas estão a perder a pungência. Vinho? As suas castas preferidas podem não se safar. Viaja muito de avião? Prepare-se para uns voos mais atribulados.
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Um clima mais quente vai ter também efeitos na nossa produtividade, no nosso sono, nas alergias, nos níveis de violência, nas economias, nas praias.
Muitos animais são igualmente afetados, e das formas mais inusitadas. Peixes perdem olfato. Lagartos mudam de sexo. Rãs ficam com um coaxar mais agudo. Várias espécies tornam-se mais pequenas. Cães ficam de mau humor.
E há mais: devido ao degelo, vulcões podem entrar em erupção; alterações nos regimes de chuva levam a maior atividade sísmica; o calor faz aumentar a humidade, que por sua vez causa mais trovoadas.
O mundo está em mudança. Todo ele.
Cabras mais pequenas Há um princípio em ecologia, a regra de Bergmann, que vaticina que as espécies de um determinado grupo tendem a ser maiores em ambientes mais frios (animais maiores conseguem reter calor mais facilmente). E as alterações climáticas em curso parecem já começar a ter efeitos neste princípio: já foram identificadas várias espécies a diminuir de tamanho. O exemplo mais significativo é o da cabra-montesa (ou camurça) dos Alpes. Um estudo publicado na Frontiers in Zoology descobriu que as populações destes mamíferos perderam, em média, 25% do seu peso corporal em apenas 30 anos, o que os investigadores atribuem ao facto de a temperatura nos Alpes ter subido 3ºC a 4ºC durante esse período – as camurças protegem-se do calor descansando, pelo que, em dias quentes, acabam por se alimentar menos.
Energia nuclear sob pressão As centrais nucleares sofrem com impactos das alterações climáticas. Em meados de agosto de 2022, por exemplo, França teve de desligar mais de metade dos seus 56 reatores devido à falta de água nos rios para arrefecer as centrais. Uma análise publicada no ano passado (coordenada pela portuguesa Joana Portugal Pereira) enumerou os riscos – “utilização de água mais quente nos sistemas de arrefecimento (resultando na redução da eficiência das turbinas), entupimento das entradas de água devido à contaminação biológica, redução do acesso à água durante as secas, perturbações devido a tempestades extremas e à subida do nível do mar” – concluindo ser necessário “desenvolver cenários de adaptação”. A energia nuclear tem emissões residuais, comparáveis às da eólica e da solar (o que sai das chaminés é vapor de água), pelo que é uma fonte útil para reduzir rapidamente o CO2 do setor energético.
Revolução no café Nas próximas três décadas, a área das regiões hoje mais adequadas para o cultivo de café pode ficar reduzida a 50%, em três cenários climáticos (baixas emissões de gases com efeito de estufa, intermédio e altas emissões), segundo um estudo publicado na revista científica PLOS One. Nas regiões de adequação média para a produção de café, as quedas vão de 31% a 41%. Mas a perda de uns é o ganho de outros: enquanto as zonas mais produtivas da América Central e do Sul, da África Central e Ocidental, da Índia e do Sudeste Asiático se tornam cada vez menos propícias ao cultivo de café, o Sul do Brasil, o Uruguai, a Argentina, o Chile, os EUA, a África Oriental e do Sul, a China, outras regiões da Índia e a Nova Zelândia ganham condições para esta cultura, devido ao aumento das temperaturas mínimas do mês mais frio. Atualmente, o Brasil, com 32%, e o Vietname, com 18%, produzem metade do café mundial.
Peixes perdem o olfato O aumento da concentração de dióxido de carbono está a tornar as águas dos oceanos mais ácidas, afetando profundamente o olfato dos peixes. Investigadores da Universidade de Exeter, Reino Unido, testaram o comportamento de robalos juvenis em águas com os níveis de acidez esperados para o final do século (com o dobro da concentração de CO2) e perceberam que os peixes deixaram de reagir a odores que costumam detetar para encontrar parceiros, reconhecer uns aos outros e, até, salvar a própria vida. “Os robalos em águas ácidas nadavam menos e eram menos propensos a responder quando sentiam o cheiro de um predador. Estes peixes também tinham maior probabilidade de ficar estáticos”, explicou a coordenadora do estudo, Cosima Porteus.
Lagartos mudam de sexo Há vários animais cuja temperatura ambiente determina o seu sexo. Nos crocodilos e nas tartarugas, por exemplo, abaixo de 30ºC aumenta a possibilidade de os embriões resultarem em fêmeas; mais de 34ºC e é quase garantido que serão todos machos. Noutros répteis, são os cromossomas a definir o sexo do animal. É o caso dos lagartos australianos da espécie Pogona vitticeps (conhecidos por dragões-barbudos): cromossomas ZZ tornam o animal macho, ZW, fêmea. Mas um estudo publicado na Nature concluiu que esta espécie está a mudar de sexo com o calor, contrariando a sua condição inicial. Investigadores da Universidade de Camberra analisaram 131 lagartos, capturados em ambiente selvagem, e verificaram que 11 eram anatomicamente fêmeas, apesar de terem dois cromossomas Z. Esta mudança, causada pelas altas temperaturas durante a incubação, não se ficou por aqui – as fêmeas com cromossomas de macho eram mais fecundas do que as outras, chegando a pôr o dobro dos ovos. O aumento da fecundidade, no entanto, não chegará para salvar a espécie da extinção, se só nascerem fêmeas.
Menos e pior picante Os eventos climáticos extremos estão já a afetar a qualidade das malaguetas. A análise Efeitos das Alterações Climáticas no Crescimento e no Desenvolvimento do Pimento, publicada na Agrotechnology, aponta que “o aumento da temperatura, as chuvas intensas, a seca, a salinidade do solo, a acidez do solo, a ocorrência de doenças e o ataque de pragas de insetos têm afetado severamente a produtividade do pimento”. Ironicamente, o calor é bom para a qualidade do produto; o problema é as alterações climáticas trazerem também, além do aumento da temperatura média e ondas de calor, maior frequência de períodos de chuva intensa, que afetam a pungência das malaguetas – a humidade acaba por diluir o picante. O impacto já está a ter efeitos muito reais: em 2022, a empresa que produz o popular molho picante Sriracha enviou uma carta às lojas a alertar que, “devido às condições climatéricas que afetam a qualidade do produto, enfrentamos uma grave situação de escassez de malaguetas”.
Turbulência As alterações climáticas estão a modificar a deslocação do ar a grandes altitudes, afetando os voos. Um estudo publicado na revista científica Geophysical Research Letters analisou 40 anos de dados e concluiu que a turbulência severa, provocada pela colisão de correntes de ar que viajam a diferentes velocidades, aumentou 55%, de 1979 para 2020. A turbulência moderada, por seu lado, cresceu 37%. Este aumento foi maior no Atlântico Norte e nos EUA. O fenómeno é explicado pelo aumento da temperatura do ar, que causa mudanças bruscas na velocidade e na direção do vento. “A turbulência em ar limpo é perigosa para as aeronaves e prevê-se que se intensifique em resposta às futuras alterações climáticas”, dizem os investigadores. Além de poder causar ferimentos (e ansiedade) a passageiros, a turbulência é um fator importante em acidentes aéreos.
Rãs tornam-se sopranas Os coquís, uma espécie de rã endémica de Porto Rico que deve o seu nome ao som que faz, estão a ficar cada vez mais pequenos, um efeito do aumento das temperaturas. Por causa disso, o barulho que usam para afastar machos (co) e atrair fêmeas (qui) está a tornar-se mais agudo. Uma equipa de investigadores já tinha concluído, há mais de 20 anos, que o chamamento dos sapos que viviam no sopé das montanhas era mais agudo do que o dos que viviam nas zonas mais altas e frescas. Ao regressarem à região, os mesmos investigadores perceberam uma alteração profunda: o timbre tinha mudado e era agora mais agudo em todo o lado. Por enquanto, uma alteração quase impercetível no tamanho do corpo e no chamamento do sapo tem pouco impacto no ecossistema, diz um dos autores do estudo. “No entanto, se não for controlado, o aumento da temperatura acabará por provocar um colapso da população de coquí, o que será catastrófico.”
Vinho com sabor diferente O aumento da temperatura e os seus impactos nos fenómenos extremos estão a alterar o setor do vinho, não só tornando a atividade mais difícil, como acontece na atividade agrícola em geral, devido a uma maior frequência de tempestades, ondas de calor e secas, mas mudando mesmo o sabor das uvas. A qualidade do vinho passa por um frágil equilíbrio entre o açúcar, a acidez e compostos secundários; com temperaturas mais altas, as uvas tendem a amadurecer e a ficar mais doces. Em Portugal, o setor do vinho tem estado a adaptar-se a estas mudanças, apostando, por exemplo, em castas mais resistentes ao calor e à seca. Mas estas castas, muitas delas antigas e abandonadas pelos produtores, não têm o mesmo sabor, pelo que é necessário um longo processo de teste e mistura de variedades até chegar a um produto que satisfaça o mercado.
Muito menos praias A subida do nível do mar e tempestades costeiras mais violentas estão a provocar uma enorme pressão sobre as praias arenosas. Um estudo publicado na Nature Climate Change (em que esteve envolvido um investigador da Universidade do Algarve) alerta para o facto de que uma proporção substancial da costa arenosa do mundo está já em erosão, que será agravada pelas alterações climáticas. “As tendências ambientais na dinâmica da linha de costa, combinadas com a recessão costeira provocada pela subida do nível do mar, podem resultar na quase extinção de quase metade das praias arenosas do mundo até ao final do século.” Boa parte do problema só será resolvida com medidas de adaptação, como a realimentação artificial das praias – mesmo a mitigação moderada das emissões só evitaria 40% do recuo da costa.
Maior atividade vulcânica O degelo dos glaciares é muitas vezes apontado como uma das consequências mais preocupantes do aquecimento global devido ao seu efeito na subida do nível do mar. Mas há outra menos falada: o seu potencial impacto na atividade vulcânica. Os glaciares são massas de gelo gargantuescas, muitas vezes com largas centenas de metros de espessura (a média dos mantos de gelo da Antártida e da Gronelândia é de dois quilómetros). Este gelo é de tal forma pesado que serve de tampão aos vulcões, impedido o magma de atingir a superfície da Terra. Ao derreter (e o Ártico, por exemplo, está a aquecer duas a três vezes mais depressa do que a média mundial), os depósitos de magma deixam de ter tanto peso em cima e podem libertar-se, sobretudo quando os vulcões já se encontram perto da erupção.
Mais sismos Um estudo nos Himalaias nepaleses verificou que a taxa de sismicidade é duas vezes maior no inverno (estação seca) do que no verão, o que é explicado pelas variações da taxa de stresse hídrico, com o peso da água a comprimir a crosta terrestre. Outro estudo na mesma região também concluiu que a frequência dos sismos é influenciada pelo ciclo anual de chuvas da estação das monções de verão: praticamente metade dos sismos nos Himalaias ocorre durante os meses mais secos, antes das monções (março, abril e maio), enquanto apenas 16% ocorrem na estação das monções. Os modelos climáticos “preveem” um aumento da intensidade das chuvas das monções no Sul da Ásia, em consequência das alterações climáticas, pelo que será reforçada igualmente a estação seca, eventualmente causando mais eventos sísmicos.
Queda da economia Uma das primeiras pedradas no charco, no que respeita a avisos sobre os impactos do aquecimento global, deu-se em 2006, com a publicação do Relatório Stern: resumidamente (o documento em si tem 700 páginas), o economista britânico Nicholas Stern estimava que os custos económicos das alterações climáticas ascenderiam a, pelo menos, 5% do PIB mundial. Por outro lado, para evitar esse cenário, bastaria investir 1% do PIB em medidas de redução de gases com efeito de estufa (dois anos mais tarde, o número foi revisto para 2%). Na altura, muitos economistas desvalorizaram o relatório. Mas análises posteriores são ainda mais pessimistas. Um estudo de 2021, do Swiss Re Institute, calcula que, na atual trajetória, as alterações climáticas vão custar, em meados do século, 10% do PIB mundial.
Árvores crescem mais depressa Nem tudo são más notícias, e a verdade é que mais calor e dióxido de carbono é bom para as árvores. Um estudo publicado na Nature Communications reportou um aumento da velocidade de crescimento das árvores da espécie Picea abies (espruce-da-noruega) para mais do dobro, em 2010, comparado com 1960. Parte da explicação pode dever-se a uma maior concentração de dióxido de carbono, além de azoto; outra, ao aumento da temperatura, nomeadamente ao alargamento da primavera e do outono. “As análises estatísticas das parcelas experimentais e a aplicação de um modelo ecofisiológico sugerem que principalmente o aumento da temperatura e o prolongamento das estações de crescimento contribuem para o aumento da aceleração do crescimento, particularmente em locais férteis”, concluem os investigadores.
Mais trovões O aumento da temperatura provoca um crescimento da evapotranspiração. Isto significa que teremos, na atmosfera, mais vapor de água na forma de nuvens – logo, cresce a possibilidade de trovoada. Um estudo da Universidade de Berkeley, EUA, publicado em 2014 na Science, aponta para um aumento de 50% na quantidade de trovões de 2000 para 2100. “Por cada dois raios em 2000, haverá três em 2100”, diz David Romps, um dos autores do estudo, que calcula um aumento de 12% da frequência de trovões por cada grau Celsius de aumento da temperatura. Uma análise mais recente, publicada há dois anos na Nature Communications, tem conclusões muito semelhantes: 10% de crescimento das trovoadas por cada grau de aumento da temperatura média da atmosfera.
Canto das aves muda As aves estão a reduzir de tamanho corporal (sobretudo as mais pequenas), numa estratégia de adaptação a um mundo mais quente. E isso está a afetar o seu canto: siringes (o órgão responsável pelo som que emitem) menores levam a tons mais agudos. Outros estudos mostram ainda que as aves estão a cantar de locais cada vez mais altos: a investigação de um cientista de Oxford revelou que a altura média a que os pássaros cantam subiu 18% (1,20 metros) desde finais dos anos 80 para 2010, facto que o investigador atribui ao aumento da temperatura e da precipitação na primavera e no verão (em Inglaterra) de 20% e 30%, respetivamente. O alargamento da estação quente está também a tornar as aves mais omnipresentes: Londres tem registado um aumento do canto dos pássaros em meses tradicionalmente mais frios, como novembro.
Terra menos brilhante As alterações climáticas estão a tornar o planeta mais baço. Uma equipa de investigadores americanos analisou o brilho da Terra entre 1998 e 2017, a partir do Observatório Solar Big Bear, em Nova Jérsia, e concluiu que o mundo está a perder luz, um declínio que, lê-se no estudo, publicado na Geophysical Research Letters, “é gradual, mas climatologicamente significativo”. Esta diminuição do albedo (capacidade da Terra de refletir a luz solar) não está relacionada com eventuais alterações da atividade solar, sublinham os cientistas. A explicação deve-se, garantem, ao “aquecimento do Pacífico oriental, que reduz a cobertura de nuvens baixas e, portanto, o albedo”, ou seja, há menos nuvens a funcionar como espelhos, que refletem a radiação solar. A redução do albedo tem implicações no aquecimento: menos luz do sol a ser refletida faz com que o aquecimento da superfície da Terra seja ainda maior.
Alergias disparam O facto de as primaveras estarem a ficar mais longas começa a ter efeitos tangíveis e significativos na quantidade de pólen em suspensão no ar. Uma investigação publicada na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences concluiu que o período de tempo com potencial de provocar reações alérgicas cresceu 20 dias entre 1990 e 2018, nos EUA. Mais: nesse período, as quantidades de pólen subiram 21%. Este efeito é atribuível diretamente às mudanças em curso no clima, explicam os autores do estudo. “Os nossos resultados indicam que as alterações climáticas causadas pelo Homem já pioraram as épocas do pólen na América do Norte, e as tendências do pólen causadas pelo clima provavelmente agravarão ainda mais os impactos na saúde respiratória nas próximas décadas.”
Aumento da violência Mais calor tende a provocar mais agressividade. Esse efeito está demonstrado há muito por variados estudos comportamentais, desde laboratoriais a análises estatísticas. Um de 2007, por exemplo, aponta para um aumento de 13% de ferimentos relacionados com agressões entre pessoas durante ondas de calor. Outro estudo, do mesmo ano, descobriu que, por cada grau centígrado de subida de temperatura a partir de 18 ºC, havia um aumento da taxa de suicídio de 3,8%. Uma análise mais recente, com dados de 60 países, concluiu, igualmente, que os níveis de violência estão associados ao calor, acima de tudo em locais que já enfrentam situações de conflito e instabilidade. Por cada grau de subida de temperatura devido às alterações climáticas, dizem os investigadores, há um aumento das taxas de homicídios em 6%. Outra estimativa indica que um aumento de temperatura de 1,1 ºC, nos EUA, pode resultar em mais 25 mil crimes violentos por ano.
Invasão de alforrecas Têm estado a ser verificadas alterações na distribuição das alforrecas, se não mesmo um aumento do seu número. Um relatório de 2023 da Marine Conservation Society apontava para um crescimento para o quádruplo do número destes animais nas costas do Reino Unido e da Irlanda, em setembro desse ano, provavelmente causado pela onda de calor no verão meteorológico anterior, que aqueceu as águas do mar na região 5 ºC acima da média. Esta será a primeira razão para a aparente multiplicação de alforrecas em vários locais do mundo – o aumento da temperatura da água é-lhes favorável, desde que não se verifique uma diminuição da sua alimentação (plâncton, algas e krill). Outra são as mudanças nas movimentações e migrações de peixes e tartarugas que se alimentam destes animais. A sobrepesca, que apanha muitos dos seus predadores, é outra provável causa da proliferação das alforrecas.
Águas turvas Com o aumento das tempestades, há mais inundações e, portanto, mais sedimentos a chegar às águas, sobretudo aos rios, que depois arrastam as lamas para o mar. O degelo tem um efeito semelhante. Por causa disso, prevê-se que as águas em geral tenham tendência a ficar mais “sujas”, sobretudo junto à costa e nos estuários. Isto não é necessariamente mau para todos os animais. Um aumento da matéria orgânica na água é bem-vindo por alguns animais; para outros, que caçam visualmente, as águas turvas dificultam a busca por alimentos. Por outro lado, os corais podem beneficiar com águas mais escuras. Um estudo científico publicado em 2020 concluiu que corais em águas naturalmente turvas são mais resistentes às temperaturas da água mais altas.
Cães mais agressivos Não são só os humanos a tornarem-se mais violentos com o calor. Um estudo publicado na revista Scientific Reports analisou 69 525 relatos de cães a morder pessoas, em registos públicos de oito grandes cidades americanas, entre 2009 e 2018, e chegou à conclusão de que as dentadas estavam acima da média em dias com elevada radiação ultravioleta e/ou calor e abaixo em dias chuvosos ou frios. Altos níveis de ozono também aparentam tornar os cães mais agressivos. “Concluímos que os cães, ou as interações entre humanos e cães, são mais hostis em dias quentes, ensolarados e com muita poluição, indicando que o fardo social do calor extremo e da poluição do ar também inclui os custos da agressão animal”, lê-se no relatório do estudo. Na realidade, os raios ultravioletas têm maior influência nos canídeos do que o calor em si: os ataques aumentaram 11% em dias de grande radiação e “apenas” 4% em dias quentes. Os cientistas não encontraram, no entanto, qualquer relação entre os níveis de partículas finas e a violência canina.
Menos formigas aqui, mais ali Está em curso um declínio acentuado dos insetos, que não decorre apenas das alterações climáticas, e as formigas estão entre as vítimas. Um estudo publicado em 2023 determinou que, ao contrário de outros grupos de animais, as formigas não estão a criar processos de adaptação de comportamento aos novos tempos. Outra análise aponta para impactos negativos profundos nas populações de formigas que vivem junto aos trópicos. As que habitam regiões mais temperadas, porém, podem até florescer. Boa notícia: uma das espécies que está a ser mais afetada é a Pheidole megacephala (formiga-de-cabeça-grande), uma das piores invasoras do mundo. Um estudo prevê uma perda de habitat desta formiga na ordem dos 20%.
Noites mal dormidas Sucessivos estudos têm demonstrado que a poluição do ar e as alterações climáticas afetam a duração e a qualidade do sono, pondo em risco a saúde física e mental. O simples aumento das temperaturas noturnas resulta em descanso inadequado, para lá de problemas mais específicos, como a apneia do sono. Outro mecanismo são os fenómenos extremos: análises realizadas após furacões e incêndios florestais revelam, sem surpresa, níveis mais elevados de queixas subjetivas do sono, aumento de perturbações do sono e níveis elevados de insónia. Uma meta-análise, que incluiu 16 estudos, diz que a redução do tempo total de sono e a interrupção do sono são os problemas mais reportados, especialmente entre as populações mais vulneráveis, incluindo os idosos e as pessoas com baixos rendimentos.
Mais preguiça O calor faz-nos preguiçosos e provoca-nos dificuldades de concentração, o que se pode tornar um problema muito sério. Em países já hoje especialmente quentes, como os do Sul e Sudeste da Ásia, prevê-se que as perdas de produtividade resultantes de um aumento de temperatura de um grau centígrado atinjam os 3,9% do PIB. Em escritórios e, porventura, fábricas é possível mitigar a situação com ar condicionado (ainda que com enormes custos energéticos e climáticos). Mas os trabalhos no exterior não têm solução fácil. Uma análise da Comissão Europeia calcula que, num cenário de altas emissões, a produtividade em profissões ao ar livre vai decair 17% até ao fim do século. Os maiores impactos serão sentidos, claro está, no Sul da Europa.
Lagartas cozinhadas As lagartas estão entre os animais mais vulneráveis às alterações climáticas, uma vez que têm dificuldades em regular a temperatura do corpo. “Isto significa que, se ocorrer uma onda de calor, as lagartas ficam presas nas plantas de que se alimentam, como se estivessem numa ilha – e ficam cozinhadas”, disse à BBC Ashe-Jepson, da Universidade de Cambridge, autora de um estudo sobre os efeitos das mudanças do clima em borboletas. Um colapso nas populações de lagartas afetariam todo o ecossistema, desde as aves que se alimentam delas às plantas que deixam de ser polinizadas pelas borboletas. Tem-se verificado uma adaptação às mudanças: algumas lagartas começam a eclodir mais cedo, acompanhando o início prematuro da primavera. Mas as aves também começam a pôr os ovos mais cedo…
Nos últimos anos, a área da cibersegurança tem passado por transformações significativas, impulsionadas tanto pela evolução tecnológica como pela necessidade de resposta a ameaças cada vez mais surpreendentes. A par com avanços importantes, como a crescente adoção de métodos de autenticação mais seguros, o desenvolvimento de ferramentas para ataques de cibersegurança altamente sofisticados tem trazido para cima da mesa desafios bastante complexos.
Com estes avanços e desafios em mente, a cibersegurança em Portugal prepara-se para iniciar um novo capítulo, com a transposição da Diretiva sobre a Segurança das Redes e da Informação 2 (NIS2) para a legislação nacional. Esta mudança, que ampliará significativamente o leque de setores obrigados a adotar medidas rigorosas de segurança, trará, com certeza, uma nova dinâmica ao mercado. De realçar que a NIS2 vai além das exigências da sua antecessora, reconhecendo setores como saúde e finanças como sendo críticos para o funcionamento do país e impondo novas responsabilidades a estas indústrias-chave. A adoção da NIS2 exigirá, assim, um reforço significativo na resiliência empresarial, tornando a cibersegurança numa prioridade estratégica para o país.
À medida que alguns setores são desafiados a adotar práticas de cibersegurança mais robustas, um dos grandes desafios mantém-se: o facto de o tecido empresarial português ser constituído maioritariamente por Pequenas e Médias Empresas (PMEs), que continuam a ser um dos alvos mais vulneráveis a ciberameaças, devido à sua falta de preparação e recursos limitados para as enfrentar. Muitas destas ainda operam com infraestruturas desatualizadas, políticas de segurança insuficientes e falta de sensibilização entre os colaboradores para os riscos digitais. Este último fator é especialmente crítico, considerando que a insider-threat (ameaça interna) se tem tornado num dos maiores riscos para a segurança das empresas. Muitas vezes, os próprios colaboradores – intencionalmente ou não – tornam-se alvos fáceis para os cibercriminosos, que conseguem comprometer dados e sistemas internos ao obter acesso às suas credenciais.
Além disso, a perceção errada de que apenas as grandes organizações são alvo de ciberataques contribui para uma postura reativa – em vez de proativa – à segurança. Nos próximos meses, acredito que as PMEs se tornem cada vez mais sensíveis e abertas à adoção de práticas de segurança acessíveis e eficazes. O apoio do governo será crucial para elevar o nível de maturidade em cibersegurança desta parte do tecido empresarial, tão essencial para a economia portuguesa.
O rápido avanço da IA tem também vindo a ampliar o panorama das ciberameaças, criando um cenário ainda mais complexo para empresas com recursos limitados e trazendo novos desafios para a segurança da identidade online. Ferramentas de IA generativa, como o ChatGPT, estão a ser exploradas por cibercriminosos para desenvolver ataques de phishing altamente sofisticados. Estes ataques utilizam modelos de linguagem avançados para gerar de forma automatizada mensagens convincentes e personalizadas, tornando-se mais difíceis de identificar e aumentando a sua eficácia.
E, se os ataques alimentados por IA já representam uma ameaça significativa no geral, a evolução das técnicas de social engineering vai ainda mais além, graças ao avanço de tecnologias como deepfake e vishing (voice phishing). A capacidade de criar vídeos e áudios altamente realistas permite que os cibercriminosos imitem com precisão vozes e rostos – como de colegas de trabalho, amigos e até familiares -, tornando as tentativas ainda mais convincentes e bem sucedidas. Esta evolução representa um enorme desafio para empresas e indivíduos, uma vez que os métodos tradicionais de verificação de identidade podem já não ser suficientes para distinguir entre interações legítimas e fraudulentas.
Esta crescente sofisticação das ameaças digitais e a rápida evolução das ferramentas de IA tem posto a nu a escassez de talento qualificado na área, que continua a ser um dos principais desafios para o setor tecnológico nacional e exige uma resposta estratégica por parte das empresas e do governo. Prevejo, nos próximos tempos, uma aposta na requalificação de profissionais para lidar com os novos fatores de risco. Iniciativas como parcerias entre o setor público e privado e incentivos à especialização podem contribuir para reduzir este gap de competências. É provável que as empresas adotem, também elas, ferramentas sofisticadas baseadas em IA, mas para sua própria defesa, permitindo a deteção proativa de ameaças e uma reação rápida a ciberataques.
Perante todo este cenário, a procura por soluções de segurança mais eficazes e acessíveis tem levado à adoção de novas metodologias que simplifiquem a experiência do utilizador. As passkeys são exemplo disso mesmo, sendo que a minha expectativa é que estas continuem o seu caminho em direção à adoção em massa, tanto no contexto pessoal como empresarial. A experiência de login – que não é apenas mais simples, como também mais segura – promete tornar este no método preferido de autenticação, reduzindo significativamente o risco de ciberataques e de credenciais perdidas/roubadas. Com os sistemas operativos e os browsers a oferecer já suporte nativo para passkeys, 2025 poderá ser mesmo o ano de viragem.
Acredito que o futuro da cibersegurança em Portugal será marcado por uma adaptação contínua às novas exigências tecnológicas e regulatórias. Espero que as empresas, especialmente as PMEs, fortaleçam as suas muralhas através da implementação de práticas de segurança mais eficazes. Espero também que os recentes incidentes – como o comprometimento de milhares de credenciais de acesso ao Portal das Finanças – impulsionem mudanças significativas no setor público. A esperança é que o governo português tenha a capacidade de se modernizar e de se tornar num exemplo no que diz respeito à adoção de mecanismos de autenticação mais seguros, até porque este terá um papel crucial na transição para este novo capítulo e na criação de um ambiente que fomente simultaneamente a inovação e a segurança. O sucesso desta jornada irá depender de um esforço coletivo entre indivíduos, empresas e governo, rumo a um ecossistema tecnológico nacional mais seguro e competitivo.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
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A Câmara Municipal de Oeiras vai começar a remover materiais com risco de amianto da frente ribeirinha de Oeiras já a partir de abril. Em declarações ao jornal Público, a Câmara de Oeiras referiu que “irá proceder à remoção de materiais com risco de amianto na zona do Passeio Marítimo de Algés, substituindo-se à Administração do Porto de Lisboa que é quem tem a responsabilidade de gestão daquela zona”, dentro de dois meses, caso estejam reunidas “condições meteorológicas favoráveis”.
O processo de limpeza da zona surge na sequência de um estudo, divulgado em dezembro pela empresa Amiacon – Consultores em Amianto, que concluiu que a presença de amianto no Passeio Marítimo de Algés, no concelho de Oeiras, constitui um risco “moderado” para os utilizadores da frente ribeirinha. O relatório, realizado em maio de 2024, tinha por objetivo identificar conteúdo suspeito de conter amianto e os riscos associados à exposição deste material.
De acordo com as análises realizadas ao ar na região, há “um risco moderado para todos os utilizadores do Passeio Marítimo de Algés”, lê-se no relatório. No entanto, à luz de uma nova diretiva europeia – que terá de ser transposta para o direito interno português até dezembro deste ano – este risco de exposição passa a ser considerado “elevado”.
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Foram identificados diversos objetos com amianto – como tubagens, meias cascas e chapas – “em mau estado de conservação e espalhados por todo o lado, estando partidos e degradados, aumentando assim o risco de exposição a fibras de amianto”. Entre as amostras identificadas constavam amianto branco (crisótilo) e azul (crocidolite), o mais perigoso. Estes materiais encontram-se espalhados entre a Fábrica da Lusalite, a linha do comboio e a praia da Cruz Quebrada e do Dafundo.
O relatório recomenda “a remoção de todos os materiais existentes, pelo menos os que estão à vista”, mas adverte para a possibilidade de existirem mais materiais com amianto debaixo de passeio marítimo e da linha de comboio “colocados [ali] pela fábrica da Lusalite, desde os anos 40”. Material muito resistente, as fibras de amianto foram muito utilizadas entre 1940 e 2000, até à sua proibição pela União Europeia, em 1999, e em Portugal, em 2005. Este é um material cancerígeno e muito nocivo para a saúde através da inalação de fibras que foram libertadas para o ar.
Este relatório não é, contudo, o primeiro alerta para a presença de amianto na frente ribeirinha de Oeiras. Em 2022, Carla Castelo, vereadora eleita pelo grupo político Evoluir Oeiras, pediu a intervenção da autarquia e autoridades de saúde e ambiente, após terem sido encontrados “muitos resíduos de telhas de fibrocimento” numa ação de limpeza, segundo a agência Lusa. “Esta é uma questão que merece a atenção das autoridades, em defesa do bem-estar e saúde da população. Os edifícios da fábrica estão a degradar-se e ao abandono e os resíduos, pelos vistos, estão a contaminar a zona costeira, estando os banhistas sujeitos a estender a toalha junto a uma placa de fibrocimento partida, inalando as fibras de amianto que são cancerígenas”, defendeu.
Carla Castelo apresentou, nesta quarta-feira, uma proposta de deliberação com medidas de proteção para o Passeio Marítimo de Algés de forma a “proteger os munícipes e todos os utilizadores” da frente ribeirinha e que incluía sessões de esclarecimento à população sobre os riscos de exposição ao amianto e medidas “para proteger os trabalhadores do município que fazem a recolha dos resíduos no passeio marítimo”. A proposta foi, contudo, chumbada na reunião de câmara, o que para a vereadora, “é um sinal de que este executivo desvaloriza o problema do risco de exposição ao amianto no espaço público”, referiu ao Público.
Apesar do chumbo da proposta, a autarquia adiantou ao Público que serão realizados trabalhos de limpeza dos materiais de amianto – que deverão rondar os 180 mil euros – já a partir de abril. A Câmara alerta, no entanto, que esta ação não será suficiente para resolver o problema. “Esta ação de limpeza nunca será suficiente para resolver o problema, já que, como também indica o estudo, existem materiais debaixo do passeio marítimo e do caminho-de-ferro, cujos resíduos, com as marés, poderão voltar a instalar-se no areal”.
Para a autarquia será também importante “avançar rapidamente com o projeto previsto para a margem direita da foz do rio Jamor, que prevê toda a requalificação da zona e acabar definitivamente com a existência destes materiais”, pode ler-se num email enviado ao jornal.
O mundo está cada vez mais virado do avesso. A 23 de fevereiro, Alice Weidel será a cabeça de lista do seu partido, Alternativa para a Alemanha (AfD), nas eleições legislativas alemãs. No entanto, a líder dos nacional-populistas germânicos, uma das figuras mais populares e polarizadoras do país, embora se habilite a uma votação recorde e sem precedentes – a maioria das sondagens atribui-lhe intenções de voto acima dos 20% –, prefere não falar em vitória: “Se a comunicação social fosse imparcial, teríamos outros resultados.” Tradução, de acordo com a própria: a AfD poderia ganhar se houvesse um escrutínio livre – algo que inevitavelmente acabará por acontecer “nas próximas eleições federais [em 2029]”.
No início do mês passado, numa reportagem publicada no Neue Zürcher Zeitung, um dos mais antigos jornais do mundo (fundado em Zurique, em 1780), ficamos a saber que a dirigente ultranacionalista, de 45 anos, antiga economista do banco Goldman Sachs, tem também nacionalidade suíça e passa a maior parte do seu tempo disponível na pacata cidade helvética de Willerzell. Ou seja, a personagem que admira Donald Trump e recebe todo o tipo de elogios e apoios de Elon Musk tem domicílio fiscal em Überlingen, no Sudoeste da Alemanha, onde vivem os pais, mas prefere o recato dos Alpes suíços. As razões são muitas. Assim pode fazer caminhadas pela montanha Grosser Mythen, abraçar as árvores que lhe apetecer (é fã daquilo a que os japoneses chamam shinrin yoku, vulgo “banhos de floresta”) e sobretudo passear discretamente na companhia da mulher com quem é casada – a produtora de cinema Sarah Brossard, nascida no Sri Lanka – e os dois filhos adolescentes, adotados, do casal. Estranho? Sem dúvida. Afinal, Alice Weidel é uma acérrima defensora do encerramento de fronteiras, da “remigração” (conceito que prevê a expulsão de migrantes, requerentes de asilo e minorias étnicas) e ainda uma crítica feroz do euro, da União Europeia e das sociedades multiculturais. A somar a todas estas contradições à volta de Alice Weidel, que viveu meia dúzia de anos no Japão e na China (aparentemente, é até fluente em mandarim), convém também sublinhar que o programa eleitoral da AfD afirma que “a família, constituída pelo pai, pela mãe e pelos filhos, é a base da sociedade”.
INIMIGA NEGACIONISTA
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A copresidente da AfD (partilha desde 2022 a liderança do partido com Tino Chrupalla, um velho amigo de André Ventura) tem demonstrado ser capaz de condicionar em larga medida a agenda política germânica. Além da cruzada antimigratória e dos apelos aos valores liberais e conservadores – Weidel diz-se grande admiradora de Margaret Thatcher, ex-primeira-ministra do Reino Unido –, a dirigente populista não receia invocar temas sensíveis como o Holocausto e o passado nazi. Na conversa que teve com o homem mais rico do mundo, retransmitida através da rede social X, chamou “comunista” a Adolf Hitler, pediu aos seus compatriotas para olharem para o futuro com “confiança e responsabilidade” e deixarem para trás o “culto da culpa”. Comentários que lhe valeram críticas de todos os seus adversários políticos: “Sois inimigos da nossa democracia; sois inimigos da Humanidade”, acusou Marco Wanderwitz, deputado cristão-democrata (CDU) e um defensor incondicional da ilegalização da AfD.
Protestos Muitos alemães prometem continuar a manifestar-se contra a normalização da AfD, tal como ocorreu no último fim de semana
O ambiente de crispação agudizou-se na passada semana quando a câmara baixa do Parlamento federal (Bundestag) votou duas iniciativas legislativas para endurecer a política migratória e de asilo. Na quarta-feira, 29, a maioria dos representantes conservadores e da AfD votaram em sintonia e o candidato da CDU-CSU à chancelaria, Friedrich Merz, foi de imediato acusado de ter feito um pacto com o Diabo. Isto é, permitira que acabasse o cordão sanitário – literalmente “corta-fogos” (brandmauer, em alemão) – entre os partidos do sistema para isolar as forças extremistas. Merz negou qualquer acordo com Weidel (que recorreu às redes sociais para dizer o contrário e enaltecer a “coordenação” entre os respetivos partidos), mas o tabu estava quebrado e multiplicaram-se as reações.
Angela Merkel, antiga chanceler e rival de Merz na CDU desde o dealbar do século, suspendeu a sua reforma política para denunciar o “erro” e as “manobras táticas” do seu partido. Os representantes do centro-esquerda alemão no Parlamento Europeu divulgaram um comunicado a desancar Merz e a desmentir a necessidade de entendimentos contranatura em Berlim: “Pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, os conservadores alemães adotaram uma moção antimigrantes com o apoio da extrema-direita. Friedrich Merz acaba de rasgar o cordão sanitário que tem 80 anos (…) para ter ganhos políticos mesquinhos.” O principal visado tentou defender-se nos últimos dias e, além de manifestar a sua disponibilidade para ouvir os sociais-democratas do SPD, os liberais do FDP e os Verdes, insiste na importância de alcançar maiorias parlamentares: “Não estou disposto a deixar uma minoria dissuadir-me de votar sobre algo que é justo. A nossa proposta é correta e necessária.”
TRUMP ALEMÃO
Um estudo de opinião da ZDF, a TV pública, indica que os alemães estão completamente divididos sobre o que aconteceu no Bundestag, embora dois terços se oponham a acordos de regime que incluam a AfD, por considerarem esta organização um perigo para democracia (41% consideram que deveria ser ilegalizada). Um reflexo disto mesmo aconteceu no último fim de semana, com centenas de manifestações nas principais cidades do país, em que se alertou para a “abertura das portas do Inferno” e para a urgência de não se cometerem erros semelhantes aos do passado, como o colapso da República de Weimar e a ascensão dos nacionais-socialistas ao poder, em 1933. Só em Berlim, no domingo, 2, organizou-se uma marcha sob o lema Despertar da Gente Decente. Nós Somos o Cordão Sanitário, em que terão participado 160 mil pessoas (segundo a polícia), muitas delas aos gritos de “Não permitiremos que Merz seja o Trump alemão!”, “Os fascistas serão sempre fascistas” ou “Não à normalização da AfD”. Os protestos na capital decorreram entre o Reichstag, o histórico edifício do Parlamento junto ao rio Spree, e a sede da CDU, a Konrad-Adenauer-Haus.
Qual o efeito deste ambiente no resultado eleitoral deste mês é a grande incógnita. Para já, todas as sondagens apontam para uma vitória dos cristãos-democratas, na ordem dos 30%, menos três do que as estimativas em novembro, quando se começou a dissolver a coligação liderada pelo social-democrata Olaf Scholz (que é novamente candidato a chanceler e tem fortes hipóteses de ser chamado para uma futura geringonça liderada por Merz). Quanto a Alice Weidel, cuja popularidade quase duplica a dos seus rivais diretos, surge num destacado segundo lugar, com 21%, com alguns analistas a acreditarem que ela pode ainda surpreender. É o caso de Max Krahé, diretor do centro de reflexão financeiro Dezernat Zukunft. Num artigo que escreveu para o Le Monde, este economista põe a hipótese de ser ela a grande beneficiada com o fim do wirtschaftswunder – o chamado “milagre económico” alemão: “A estagnação é mais do que uma mera estatística. É um verdadeiro veneno para a imagem que a Alemanha tem de si própria e uma ameaça para a identidade coletiva. Há o risco de as conceções reacionárias se propagarem. A extrema-direita pode muito bem atingir os 25% nas eleições de 23 de fevereiro. Que fazer? Como numa crise de quarentena, é essencial proceder a um diagnóstico honesto. É um processo doloroso que implica reconhecer erros passados e ajustar as expectativas à realidade. (…) É essencial que se realize um verdadeiro debate sobre o modelo de crescimento da Alemanha.”
PAXÁ GIGANTE
Com o país politicamente paralisado e sem Orçamento do Estado, a antiga locomotiva da Europa está há dois anos em recessão e o ainda vice-chanceler Robert Habeck, que tutela os assuntos económicos e da transição energética, já admitiu que o próximo executivo tem enormes desafios pela frente. O também cabeça de lista dos Verdes anunciou na passada semana que a situação é “grave” e que as perspetivas de crescimento do PIB para o presente ano foram revistas em baixa – de 1,1% para 0,3%. Neste momento, a Alemanha tem o pior desempenho do G7, as sete maiores economias do planeta, e as causas desta “estagnação estrutural” são conhecidas: quebra brutal da produção industrial, custos elevados da energia (agravados pelo conflito ucraniano e pelo fim do abastecimento de gás natural russo), perda de competitividade face à concorrência chinesa, em particular no setor automóvel, e crescente falta de mão de obra em áreas críticas, da saúde à tecnologia. Motivos de sobra para Michael Grömling, do instituto IW, com sede em Colónia, dizer que a Alemanha se encontra em “terreno desconhecido” e que tudo pode piorar com uma guerra comercial global, caso a Administração Trump cumpra as ameaças de impor tarifas aos produtos germânicos e da União Europeia. Monika Schnitzer, a presidente do prestigiado comité de (cinco) sábios que apresentam recomendações económicas ao Parlamento e ao governo de Berlim, está inteiramente de acordo. E, numa entrevista recente ao Le Monde, vai mais longe: “Em matéria de segurança, durante décadas, creio que fomos demasiado ingénuos e confiantes por acreditarmos que a poderíamos confiar aos americanos. (…) Agora não temos escolha. Se queremos ser soberanos nas nossas decisões e não depender de Washington, temos de desenvolver as nossas próprias forças.” A professora da Universidade Luis Maximiliano de Munique, sem se comprometer, está a dizer algo parecido com o que promete o homem que gosta de soletrar o seu apelido (Merz) para não haver confusões com o mês de março (märz). O líder da CDU quer que o seu país seja uma “potência média de primeiro plano” e contribua para uma “Europa soberana”. Como pretende fazê-lo ainda não se sabe porque o seu programa eleitoral promete, por exemplo, “apoiar a Ucrânia com todos os recursos diplomáticos, financeiros e humanitários necessários”, sem esclarecer se o país invadido pela Rússia em fevereiro de 2022 conta com o apoio de Berlim para entrar na UE ou na NATO.
Rivais Angela Merkel e Friedrich Merz tinham ambos a ambição de liderar a CDU e a Alemanha. Ela conquistou a chancelaria em 2005, ele dedicou-se aos negócios Foto:Stephanie Pilick/LUSA
Friedrich Merz já disse várias vezes que, com ele no poder, haverá “ruturas estruturais – epochenbruch – e não uma simples “viragem política” (zeitenwende), como a que anunciou Olaf Scholz após as tropas russas entrarem em Kiev, com um investimento de 100 mil milhões de euros nas Forças Armadas alemãs. O gigante democrata-cristão (tem 1,98 m) apresenta-se nestas eleições como um falcão em política externa e já garantiu que não será um “chanceler da paz” como Scholz. Quais as implicações desta postura? “Os europeus têm de construir um mercado de produtos militares suficientemente forte para reduzir a nossa dependência” [entenda-se dos EUA]. Uma frase batida que a maioria dos líderes da UE subscreve. Os detratores deste jurista católico que foi eurodeputado, deputado e administrador de 16 grandes empresas (BlackRock incluída, a multinacional que gere ativos superiores a dez biliões de euros e cujos interesses já se estendem à futura reconstrução da Ucrânia) não vão dar-lhe descanso. Quanto mais não seja porque Friedrich Merz é um poço de contradições equiparável a Alice Weidel. Filho e neto de nazis, acusam-no de ser arrogante, implacável, ambicioso e desbocado. Não é de estranhar. Este conservador já comparou a homossexualidade com a pedofilia, já acusou os refugiados de guerra ucranianos de serem “turistas das ajudas sociais” e já afirmou que os imigrantes em geral se comportam como “pequenos paxás” que merecem ser deportados para países como o Ruanda. No final de novembro, a Economist escreveu que a Alemanha iria “virar à direita”. Veremos até que ponto Friedrich Merz – ou Alice Weidel – lhe dará razão.
Miguel Arruda, o deputado que ficou como não inscrito depois de ter sido acusado de roubar malas nos aeroportos de Lisboa e Ponta Delgada usou, esta sexta-feira, uma forma peculiar de votar no plenário da Assembleia da República. A cada votação levantou o braço em riste, emulando o gesto feito pelos nazis.
O gesto de Miguel Arruda provocou uma intervenção de deputado do Livre, Rui Tavares, mas a VISÃO sabe que a forma como o deputado que saiu da bancada do Chega votou causou desconforto em várias bancadas.
Rui Tavares fez uma interpelação à mesa da Assembleia da República para denunciar que Arruda, pelo menos por duas vezes, “de forma consciente e deliberada”, votou “fazendo o gesto da saudação fascista, nazi ou romana”.
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“E é um facto que em qualquer parlamento europeu ou qualquer parlamento do mundo tem uma gravidade enorme, porque é uma afronta aos valores democráticos”, acusou o deputado do Livre.
Arruda nega simbolismo do gesto
Confrontado pelo vice-presidente da Assembleia, o socialista Marcos Perestrello, Miguel Arruda, que num telefonema divulgado pela página humorística Jovem Conservador de Direita, revelou a sua proximidade a Mário Machado e ao movimento nacionalista, negou que estivesse a usar o gesto nazi.
“Estava só a sinalizar o meu sentido de voto desse modo. Há vários líderes a fazerem o mesmo, até de esquerda”, disse, argumentando que estica o braço para tornar o seu voto visível para a mesa da Assembleia da República, uma vez que ocupa a última fila do extremo direito do hemiciclo, atrás do Chega.
A votação de Miguel Arruda não deu nas vistas, porém, apenas pelo gesto usado. Arruda foi o único a votar, esta sexta-feira, contra o voto de pesar pela morte da escritora e feminista Maria Teresa Horta, que foi vítima de perseguição no Estado Novo.
O texto do voto de pesar, que teve o voto favorável de todos os outros deputados, enaltecia Maria Teresa Horta pelo seu “percurso de vida marcado pela resistência ao fascismo e pelo ativismo em defesa da democracia e da emancipação da mulher”.
“Em 1972, escreveu, com Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno, as Novas Cartas Portuguesas (1972), obra seminal do pensamento feminista português e texto decisivo de oposição ao Estado Novo. O livro, que denunciava a situação política do país, a guerra colonial, a condição da mulher, a emigração e a falta de perspetivas para o futuro dos jovens, agitou a consciência pública do país e desembocou num processo judicial politicamente motivado”, lia-se no texto contra o qual Miguel Arruda votou.
Chamemos-lhe o ‘furacão’ DeepSeek. Ninguém conhecia, de repente passou, levando consigo quase um bilião de dólares de valor em bolsa das maiores empresas do mundo, e para trás deixa um rasto de ‘danos’ que vai demorar algum tempo até que as ‘vítimas’ possam recuperar totalmente dele. A tecnológica chinesa saltou para a ribalta do competitivo mundo da Inteligência Artificial e não foi por acaso.
O que torna, afinal, a DeepSeek e os respetivos modelos de IA tão badalados? Porque, é importante sublinhar, foram os principais visados pelo sucesso da empresa – a OpenAI e a Nvidia – os primeiros a admitirem que os modelos da empresa são “impressionantes” e um “excelente avanço de IA”.
Existe um conjunto de fatores que torna a DeepSeek num caso peculiar no segmento da Inteligência Artificial. Para começar, o facto de ser uma empresa chinesa. Isto significa que, em condições normais, a tecnológica não tem acesso aos mais recentes e mais avançados chips de processamento para tarefas de IA da Nvidia, devido aos bloqueios comerciais dos EUA, o que a coloca em desvantagem teórica quando comparado com outras grandes empresas de IA, como a OpenAI, a Anthropic, a Meta ou até mesmo a europeia Mistral.
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Pode parecer um pormenor numa história maior, mas não é. Esta limitação de hardware obrigou a tecnológica a ser criativa do ponto de vista do software. E é desta criatividade que surgem as características que tornam os modelos da DeepSeek tão diferenciadores, sublinha a publicação Stratechery.
Os modelos da DeepSeek que estão a fazer furor – DeepSeek-V3 e DeeSeek-R1 – pertencem à chamada categoria dos grandes modelos de linguagem (LLM), que são capazes de interpretar e gerar texto com uma qualidade próxima à dos humanos em diferentes tópicos. Mas é preciso recuar uma geração, até ao DeepSeek-V2, para perceber os ‘ingredientes’ secretos.
Foi no DeepSeek-V2 que a tecnológica chinesa introduziu o conceito de Mixture of Experts (MoE no acrónimo em inglês, mistura de especialistas em tradução livre). Nas versões anteriores deste modelo (e de outros, como o GPT-3.5 da OpenAI), o modelo era todo ativado durante o processo de treino e de inferência (na prática, quando aplica a aprendizagem na resolução de problemas). Aquilo que as empresas começaram a perceber é que não é necessário ‘acordar’ todo o modelo de IA para executar uma grande parte das tarefas. Aquilo que o MoE permite fazer é ‘dividir’ o modelo por diferentes áreas de especialidade. Com o DeepSeek-V2, a startup chinesa criou não só caminhos de resposta especializada, mas também caminhos de resposta partilhados. Assim, um determinado pedido ativava um grupo mais pequeno de parâmetros, enquanto outro pedido ativava outro conjunto de parâmetros.
A empresa introduziu ainda outra novidade, chamada de DeepSeekMLA, ou multi-head latent attention (atenção latente múltipla, em tradução livre), que na prática permite reduzir de forma significativa a quantidade de memória que o modelo precisa na fase de inferência.
Estes foram os passos que permitiram à tecnológica, numa primeira fase, criar um LLM mais otimizado e eficiente. E com base nestes desenvolvimentos, a empresa conseguiu ainda melhores resultados de eficiência quando lançou, em dezembro de 2024, o modelo DeepSeek-V3.
Segundo dados da tecnológica, o modelo V3 tem 671 mil milhões de parâmetros, mas cada ‘especialista’ apenas ativa 37 mil milhões de parâmetros para responder aos diferentes comandos do utilizador. O que significa que é necessário muito menos poder de computação para responder aos pedidos dos utilizadores, o que torna a utilização global destes modelos mais acessível para a empresa.
Segundo a publicação técnica partilhada pela DeepSeek, treinar o modelo V3 ‘só’ precisou de 2788 mil horas de computação em gráficas Nvidia H800, o que a um custo de dois dólares por hora, significa um custo total de 5,5 milhões de dólares, cerca de cinco milhões de euros ao câmbio atual, para treinar o modelo.
Importa sublinhar aqui que este custo, apresentado pela própria DeepSeek, tem por base apenas o treino do modelo DeepSeek-V3 e não considera, por exemplo, todo o investimento que foi necessário para desenvolver o DeepSeek-V2, que está em grande medida na base da geração seguinte.
Mas segundo a análise da publicação Stratechery, esta poderá não ser a única razão para os custos inferiores dos modelos da DeepSeek.
O caso do modelo DeepSeek-R1
Se o modelo V3 começou a levantar ondas logo no final de dezembro de 2024, quando foi lançado, foi o lançamento mais recente do modelo DeepSeek-R1 que completou a transformação da startup no tal ‘furacão’. Nos testes de desempenho existentes para modelos de IA, o modelo chinês conseguiu resultados semelhantes aos modelos de referência da OpenAI (GPT-4o) e da Anthropic (Claude Sonnet-3.5).
O R1 pertence à categoria dos chamados LLM de raciocínio, isto é, que estão estruturados de forma diferente para produzir resultados de melhor qualidade em áreas como a programação, a matemática e a lógica. É como se o modelo ‘pensasse’ mais, melhor, para responder ao pedido do utilizador. E também aqui a DeepSeek aplicou uma estratégia que lhe permitiu obter resultados otimizados.
Em vez de usar técnicas de aprendizagem por reforço com feedback humano (RLHF), a técnica que tornou o ChatGPT tão popular, por cruzar a aprendizagem automática com dados oriundos de treinadores humanos, a DeepSeek decidiu usar apenas e só técnicas de aprendizagem por reforço (reinforcement learning). Mas em vez de atribuir uma única recompensa ao modelo pela resposta certa, atribuiu uma segunda, associada à escolha correta do melhor processo de ‘raciocínio’.
Isto fez com que o DeepSeek-R1 passasse mais tempo não só a criar a resposta, mas também a reavaliar a própria abordagem inicial ao problema. Mais do que instruir o modelo sobre a melhor forma de resolver o problema, deram-lhe os incentivos certos para que o descobrisse sozinho.
A publicação Stratechery sublinha que o uso de aprendizagem por reforço, apenas e só, pode lançar o segmento da Inteligência Artificial para um cenário de “descolagem” em termos de rapidez de evolução – de forma simplificada, os modelos de IA estão a ensinar-se a si próprios sobre como resolver problemas.
Processo de destilação
No mundo da Inteligência Artificial existe uma técnica chamada de destilação. Consiste no treino de um modelo de IA mais pequeno, mas com base num modelo de IA maior. Isto permite, na prática, que o modelo mais pequeno consiga aproximar-se da forma de funcionamento (e dos resultados) do modelo mais avançado, mas sendo muito mais eficiente em termos de computação e memória.
Mas para que o modelo mais pequeno possa ser treinado, é necessário criar o modelo grande. A OpenAI faz isto nos seus modelos. Por exemplo, o GPT-4 Turbo é uma destilação do GPT-4. Mas é possível (ainda que teoricamente ilegal) extrair informação de como os grandes modelos funcionam, sem ser necessário ter acesso interno a esse modelo – via interfaces de programação de aplicações (API) ou dos próprios serviços disponibilizados publicamente (a forma como o ChatGPT responde a um pedido nosso inclui ‘migalhas’ sobre a forma como essa informação foi estruturada).
Por outro lado, a DeepSeek disponibiliza os modelos em código aberto, o que significa que qualquer pessoa e empresa pode pegar na base do trabalho da DeepSeek para criar os seus próprios modelos de IA. Uma abordagem que não sendo isolada (a Meta disponibiliza o modelo Llama também em open source), não é exatamente a regra das grandes empresas de Inteligência Artificial do momento.
Importa sublinhar que todas as técnicas aqui descritas não são exclusivas da DeepSeek. São, em grande medida, usadas também pelas restantes empresas de Inteligência Artificial que estão a desenvolver os chamados modelos de fronteira (nome dado aos modelos de IA mais avançados). O que nos leva novamente à questão da otimização: a diferença é que a DeepSeek fez tudo isto com constrangimentos de hardware, o que por sua vez fez com que o custo de desenvolvimento (e de operação) do sistema seja muito mais baixo do que os rivais.
E foi este momento de ‘afinal, é possível fazer semelhante com muito menos?’ que lançou, na semana passada, os mercados bolsistas numa forte quebra, por colocar numa nova perspetiva as reais necessidades de grandes empresas e projetos de IA. Ou como é dito na Stratechery, “simplesmente pagar mais à Nvidia não é o único caminho para criar melhores modelos de IA”.
Todos estes ingredientes permitiram à DeepSeek criar modelos que são semelhantes em desempenho aos modelos de referência da OpenAI (GPT-4o) e da Anthropic (Claude Sonnet-3.5).
A luta pelo domínio tecnológico da Inteligência Artificial segue dentro de momentos.
De acordo com o ministro da Educação, Ciência e Inovação (MECI), Fernando Alexandre, as instituições de ensino superior vão poder abrir mais vagas nos cursos mais procurados pelos alunos – como Medicina e Educação. “Há um conjunto muito elevado de alunos em Portugal que desiste porque estão desajustados do curso que queriam tirar”, disse esta sexta-feira durante a sessão de abertura do III Encontro Intercalar de Provedores do Estudante, em Lisboa.
O ministro da Educação adiantou que é preciso “ajustar a oferta à procura” uma vez que “a percentagem de alunos que não entram na 1.ª opção é muito elevada e, por isso, chegam logo ao ensino superior com alguma desmotivação”. “Não estou a dizer que se irá liberalizar o sistema”, garantiu o ministro, sublinhando que a oferta formativa das instituições deve corresponder às preferências dos alunos, que “à partida estão ajustadas às necessidades da economia e da sociedade”.
A ideia, segundo o ministro, é dar continuidade ao plano que – no atual ano letivo – já permitiu às instituições abrir mais vagas nos cursos mais procurados, como Medicina e Educação. “Vamos ter um aumento muito significativo de vagas na área da Educação”, referiu.
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Este ano, segundo o calendário fixado, as vagas para o ano letivo 2025/2026 deverão ser conhecidas a 17 de fevereiro, mais cedo do que anos anteriores, para garantir “que os candidatos conhecem antecipadamente os ciclos de estudos e as vagas disponíveis em todas as vias de ingresso”.
Encontra-se também em curso uma revisão do Regulamento das Bolsas de Estudo no âmbito da Ação Social no Ensino Superior (RABES), tema que Fernando Alexandre comparou “uma manta de retalhos”, por nem sempre ser claro para os alunos quais são os apoios a que podem ter direito. “Não é óbvio que seja eficaz e garanta a equidade para que todos possam ter acesso ao ensino superior”, sublinhou. A revisão deverá estar concluída em abril.
Durante anos, o par Microsoft/Intel deu cartas na indústria das Tecnologias de Informação (ao ponto de ter sido cunhado o termo Wintel para designar o domínio das empresas). Depois, com o advento dos smartphones, ambas ficaram para trás, nos anos 2000 e 2010. Agora, com a Microsoft a recuperar o ritmo, a Intel ainda está com dificuldades. É disso que dá conta Bill Gates que, numa entrevista à Associated Press, considera que as rivais Nvidia e Qualcomm lideram na Inteligência Artificial e nos processadores para smartphones e a TSMC destaca-se nas tecnologias de produção.
“Estou estupefacto que a Intel basicamente tenha perdido o rumo. O Gordon Moore sempre manteve a Intel na vanguarda. E agora estão para trás em termos de design de chips e para trás na fabricação de chips. Acho que o Pat Gelsinger foi muito corajoso ao dizer: ‘Não, vou corrigir o lado do design, vou corrigir o lado do fabrico’. Esperava, para o seu bem, para o bem do país, que fosse bem-sucedido. Esperava que a Intel recuperasse, mas parece ser muito difícil agora”, afirma Gates. De recordar que Pat Gelsinger saiu da Intel em dezembro.
Depois de perderem o ‘comboio’ dos smartphones, Intel e Microsoft puderam capitalizar com outras tendências grandes do mercado, como a Inteligência Artificial e os centros de dados. A Microsoft conseguiu recuperar o fulgor de outros tempos, sobretudo com a IA, mas a Intel não aproveitou a oportunidade e, apesar de vender processadores para as estações do 5G, não conseguiu beneficiar da transição para o 5G como outros players do mercado.
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A empresa está a reduzir custos e despediu mais de 15 mil trabalhadores nos últimos 15 anos. Apesar de uma falência ainda ser um cenário distante, dadas as instalações que possui e por ainda ter uma fatia de leão dos processadores de computadores e centros de dados, a Intel enfrenta um futuro incerto para os próximos tempos.