“Atualmente, milhares de soldados ucranianos estão completamente cercados pelo Exército russo, estão numa posição vulnerável e muito má. Pedi a Vladimir Putin que lhes poupasse a vida”, escreveu Donald Trump numa mensagem na rede Social Truth.

O Presidente norte-americano referiu ainda “discussões muito boas e produtivas com o Presidente Putin ontem [quinta-feira]”, sem especificar se os dois chefes de Estado falaram diretamente por telefone ou através de emissários. “Há uma boa hipótese de que esta guerra terrível e sangrenta finalmente termine”, acrescentou Donald Trump.

Steve Witkoff, enviado especial da Casa Branca, chegou a Moscovo na quinta-feira para apresentar aos russos o plano dos EUA para uma trégua de 30 dias no conflito na Ucrânia.

Numa reunião à porta fechada do Conselho Nacional do PSD, José Pedro Aguiar-Branco, presidente da Assembleia da República, comentou que Pedro Nuno Santos fez “pior à democracia em seis dias do que André Ventura em seis anos”. “Vi com alguma perplexidade porque, estando ou não numa reunião partidária, continua a ser presidente da Assembleia da República, que é uma função e um cargo muito importante em Portugal, a segunda figura do Estado”, comentou Ferro Rodrigues, questionado pela agência Lusa.

Eduardo Fero Rodrigues lembrou que, quando como membro da Comissão Política do PS e ao mesmo tempo presidente da Assembleia da República, deixou de ir a essas reuniões partidárias para não prejudicar o seu trabalho institucional no parlamento.

“É uma coisa de tal maneira infeliz, aquilo que foi dito, e de tal maneira irracional que alguma ponderação teria sido o mínimo dos indispensáveis”, condenou. O antigo presidente do parlamento disse esperar que “daqui se retirem consequências sobre o futuro de Aguiar-Branco como presidente do parlamento”.

“Não tem condições de ser eleito com a mesma base parlamentar com que foi, que foi o PSD e o PS. Seria muito estranho depois daquilo que ele disse do líder do PS que o PS estivesse disponível, no caso dessa questão se vir a colocar”, defendeu. Para o antigo secretário-geral do PS, há uma coisa “bastante grave” naquilo que Aguiar-Branco disse sobre Pedro Nuno Santos que tem que ver com o facto de terem sido os deputados do PS, e não os do Chega, que permitiram a sua eleição como presidente do parlamento há cerca de um ano. “Quem votou a favor dele há um ano, e bem, foi o PS para ultrapassar um impasse que se vivia na Assembleia da República. Esquece isso tudo e trata mal aqueles que permitiram que fosse presidente da Assembleia da República durante este ano”, acusou.

O líder socialista rejeitou na quinta-feira qualquer conflito institucional ou pessoal com o presidente do parlamento.


1 “Vagar” instaurou-se como epicentro e gatilho temático da candidatura vencedora de Évora a Capital Europeia da Cultura (CEC) em 2027, preconizando e exaltando assim uma mundividência e atitude vivencial estimulantes e inspiradoras intimamente associadas às especificidades e potência(s) daquele território – amiúde percecionado, redutoramente, como “periférico”. Curiosamente, ao mesmo tempo, essa desaceleração/lentidão pode ser um interessante pretexto para abordar precisamente o seu significado contrário, numa reflexão (auto-)crítica: os desafios, dificuldades e entropias atinentes à gestão, fixação, permanência e atração para zonas do interior na contemporaneidade, neste caso em cidades médias com vincado caráter cultural. 

Ambas as perspetivas são relevantes e produtivas em termos de leitura (des-)construtiva da realidade eborense, daí que o “vagar” seja um conceito especialmente operativo. Não apenas para destacar as identidades e suas representações sociais e simbólicas, sublinhar a positividade do modus vivendi, estimular/envolver os agentes locais e dar-lhes alento, como também para retratar e questionar “temas difíceis”, tendências e ritmos de evolução socioeconómica e cultural, narrativas (imagens/miragens, realidades e perceções), participação dos cidadãos, ou ainda para lançar interrogações divergentes e inovadoras, e traçar renovados caminhos de futuro. 

Cidade média do interior do País, Évora situa-se num território de baixa densidade, está ancorada num significativo património histórico material reconhecido pela UNESCO, ostenta uma centralidade regional a nível administrativo, empresarial e económico, e apresenta uma tradição cultural significativa no contexto geral do Sul do País. O seu perfil insere-se, aliás, num paradigma crescentemente valorizado a nível europeu na escolha das CEC, que são as cidades de menor dimensão, com caráter cultural, que envolvam a área circundante. Ao longo dos anos, o principal desafio das capitais europeias tem-se prendido, invariavelmente, com o modo como cada detentora do título conjuga e doseia, com maior ou menor competência, agilidade e efeito transformador, as componentes (desejavelmente inter-relacionadas) da programação cultural e da melhoria de infraestruturas e requalificação urbana, e ainda de como a cidade contemplada interage e se posiciona, em termos cooperativos, perante o amplexo europeu.

A aposta no conceito de “vagar” acaba por se alinhar, cada vez mais, com preocupações políticas, urbanísticas e sociológicas atuais, relativas à falta de adequação estrutural, integração e humanização de/em contextos citadinos, ao seu automatizado e frenético ritmo quotidiano (e efeitos perniciosos nos processos de sociabilização), à relevância das questões ambientais e da mobilidade ativa, à valorização da pausa/intervalo e do ócio, a uma vivência mais empática do tempo, ao cuidado com o outro.

2 – Évora CEC 2027 enfrenta, desde logo, um desafio basilar, que tem que ver com uma reflexão – que se pretende consequente – sobre a gestão, organização, urdidura e pulsação da cidade nas suas dimensões espácio-temporal, infraestrutural, arquitetónica, ambiental, sustentável e sociológica. Para se constituir como exemplo de boas práticas, aspira-se, em primeiro lugar, a uma urbe que privilegie a conectividade (na densidade) e a integração (na expansão), evitando a exclusão social e não intensificando as divisões – no fundo, que se assuma como um lugar (reimaginado) de maior plasticidade e adaptabilidade. Daí que a dimensão cultural não possa estar/ser alheada dessa equação, enquanto instrumento de participação das pessoas no pensamento e governança da cidade e como motor para a transformação do tecido socioeconómico e empoderamento das comunidades. 

A transformação de bairros considerados prioritários em laboratórios de inovação arquitetónica, urbana e paisagística (o caso do conjunto habitacional da Malagueira, projetado por Álvaro Siza Vieira) permitirá melhorar a qualidade de vida das populações

O que passará inevitavelmente por revisitar tópicos como as dinâmicas de mobilidade coletiva e a proximidade (sendo esta o novo zeitgeist do urbanismo contemporâneo), a acessibilidade física e social a equipamentos culturais (e outros), a articulação entre zonas autorizadas para estacionamento/circulação rodoviária e áreas patrimoniais classificadas, a eficácia e atratividade da sinaléctica, a poluição visual patente em fachadas de edifícios e em rotundas, largos e praças, os processos de (re)ativação cultural de edificado devoluto, a existência de espaços verdes e de outras zonas sombreadas (também para combater o excesso de calor e baixar a temperatura média habitual, tão exigente para habitantes e turistas em locais como Évora) ou até as próprias tipologias e opções de iluminação urbana. 

Mas também por percorrer aspetos como os níveis de ruído citadino (inclusive dos eventos culturais) e sua monitorização/controlo, as modalidades e instrumentos de divulgação da agenda cultural e sua disseminação contextual e enquadramento visual, a localização e horário de funcionamento dos serviços turístico-culturais de informação ou as variadas dinâmicas (in)formais de animação em contexto outdoor e em microlocais inusitados e não convencionais. Ou ainda enfocando a necessidade de um balanço lúcido e humanizado entre sentar privado (associado às esplanadas e cafés) e sentar público, a pedonalização de rotas e o incentivo a uma maior caminhabilidade, inclusive no acesso à oferta cultural (Évora personaliza bem, de alguma forma, o perfil de “cidade de 15 minutos”, a pé ou de bicicleta), a manutenção da paisagem lúdica urbana, da convivialidade espontânea e da possibilidade de um brincar livre sem soluções artificiais, entre outros aspetos. Todos estes fatores têm múltiplas e profundas implicações, ora mais visíveis ora mais subtis, na vida diária e cultural dos habitantes, na complexa tessitura que enforma uma cidade contemporânea.

Estas questões estruturais podem marcar a diferença entre cidades que apostam na passagem, na circulação e no consumo, e outras que – sem descurar também obviamente uma dimensão económico-lucrativa – põem, de facto, a tónica no capital social do lugar, na permanência e no encontro, na criação de âncoras relacionais e funcionais (o alargamento dos passeios, por exemplo, cria mais oportunidades de pausa e encontros espontâneos), na ativação de redes de solidariedade e vizinhança. Assim, consolidar-se-ão práticas sociais e culturais mais diversificadas, inclusivas e democráticas, sendo que estas urbes tenderão também a ser mais inovadoras e criteriosas em aspetos como, por exemplo, a forma, conforto e localização do seu mobiliário urbano (veja-se a relevância dos bancos coletivos, contudo gradualmente rasurados das cidades ou reduzidos, não poucas vezes, a reiterados exercícios disfuncionais de feição geometrizante e minimal). Tudo isto para não se esquecer as crianças e os mais velhos, as pessoas com deficiência, os mais frágeis e vulneráveis da pirâmide social, ou aqueles que querem simplesmente repousar.

Na verdade, a Évora CEC pode e deve – através de formatos educativos, pensamento, festa e intervenção artística multidisciplinar – identificar, questionar e visibilizar estes temas, contribuindo para a discussão coletiva e maior envolvimento cívico nos destinos da cidade. Visando sempre o desígnio maior do futuro urbano: uma desejada mobilidade económica e social. E aqui a arquitetura desempenha um papel crucial, pois a cultura e as artes assentam, e muito, em relações convergentes/divergentes de índole criativa e crítica entre indivíduo e espaço (construído ou não, real ou imaginário, literal ou metafórico, apelativo ou disfórico). Por exemplo, a transformação de bairros considerados prioritários em laboratórios de inovação arquitetónica, urbana e paisagística (veja-se o caso do conjunto habitacional da Malagueira, projetado por Álvaro Siza Vieira) permitirá melhorar a qualidade de vida das populações, respeitando a sustentabilidade ecológica e a inclusão social, e fomentando a sua participação ativa (e decisória) em iniciativas e projetos resultantes destas dinâmicas criativas.

Ainda a este nível, Évora 2027 pode configurar-se como um interessante case study para uma útil reflexão em torno dos desafios e estratégias de articulação e convivência, na contemporaneidade, entre os princípios e regras da salvaguarda patrimonial e os objetivos e moldes da programação cultural e artística numa cidade cujo centro histórico está classificado como Património da Humanidade pela UNESCO desde 1986.

A CEC pode contribuir, assim, para uma afinação do olhar sobre equipamentos/contextos e não lugares, quer interpelando visões, valências, fluxos e impactos ligados aos mesmos, quer apropriando-se deles e propondo novas práticas e leituras, quer ainda estimulando a sua construção/criação, requalificação ou refuncionalização. É premente, por exemplo, a construção de um equipamento de referência, modulável, que possa acolher eventos variados de média-grande escala e, mormente, determinadas tipologias específicas de oferta artística (congressos e seminários internacionais; dança clássica e contemporânea, ópera) com requisitos técnicos e de fruição pública adequados – ainda que não seja um objetivo realisticamente concretizável até 2027. Por outro lado, Évora necessita ainda – e podendo, para tal, aproveitar edificado já existente – de espaços de dimensão variável, de cariz multidisciplinar, dotados de condições apropriadas aos domínios da criação, experimentação, pesquisa e investigação artísticas, e a pensar também na fixação de estruturas/projetos culturais independentes, como centros de residências, hubs criativos e espaços de coworking. 

Cante O Alentejo Central abarca diversas manifestações de saber-fazer tradicional que estão classificadas e protegidas via UNESCO

3 – Uma outra meta da Évora CEC prende-se com a questão do posicionamento cultural deste território (para dentro e para os seus entornos) e, assim, com as lógicas, estratégias e práticas de participação, criação-programação, mediação e comunicação/marketing culturais que se pretende priorizar e consolidar. Este desiderato afigura-se essencial para uma mais ambiciosa afirmação da cidade/concelho em escalas suprarregionais e no plano internacional, sendo que a candidatura eborense a CEC, pela visibilidade e repercussão, tem alimentado e pode ajudar a cimentar e expandir mais essa narrativa territorial. 

A construção dessa visão estratégica abrange temáticas como os modelos de gestão cultural (dos equipamentos, recursos humanos, logísticos e orçamentais, agendas e eventos-âncora, programas de apoio), as relações entre entidades públicas, terceiro setor e empresas (incluindo o mecenato cultural), as políticas de capacitação, autonomização e empoderamento dos recursos culturais endógenos e de atração de criativos e massa crítica externos, a capacidade de circulação artística das estruturas eborenses em esferas nacionais e internacionais, ou a adoção e desenvolvimento de mecanismos colaborativos (acordos de cooperação, redes e outras parcerias) no plano cultural.

O eixo Évora-Montemor-o-Novo constitui, neste momento, um ecossistema de assinalável vitalidade e diversidade no Alentejo, sobretudo no que concerne ao setor artístico independente, situando-se aí, de facto, a maioria das entidades apoiadas na região pela tutela da Cultura através da Direção-Geral das Artes (Malvada, CENDREV, a bruxa Teatro, PedeXumbo, Companhia de Dança Contemporânea de Évora, Pó de Vir a Ser, Alma d’Arame, Sinistra, O Espaço do Tempo, Projecto Ruínas, Oficinas do Convento ou Trimagisto, entre outras estruturas). Campos como a dança (étnica e contemporânea), o cruzamento disciplinar, as artes plásticas ou o teatro têm assumido um papel muito relevante a este nível. Acrescem entidades culturais como sejam o Armazém 8 ou o Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida, ambas sediadas em Évora, que têm vindo a dinamizar, em diferentes registos, uma regular e significativa programação de artes performativas e visuais que envolve públicos-alvo plurais, questiona o território e gera renovados diálogos entre criadores, intérpretes e públicos. 

A área da música é igualmente um motor cultural desta sub-região, sobretudo em Évora, com entidades como a Associação Eborae Mvsica/Conservatório Regional de Évora e a Universidade, através da sua Escola de Artes (com oferta em Música, Ensino da Música e Musicologia, entre outras disciplinas), a darem o mote, sendo, contudo, fundamental que haja depois um ecossistema cultural e artístico local/regional robusto capaz de absorver, em termos de mercado de trabalho, profissionais formados através destas instituições de referência. Isto sem esquecer a relevante herança a nível da música polifónica simbolizada pela Escola de Música da Sé Catedral de Évora (com grande notoriedade nos séculos XVI a XVIII), área que pode ser ainda mais densificada e aprofundada através de projetos multidisciplinares e interpretativos que invistam nos domínios da investigação, reflexão crítica e conhecimento, envolvendo ativamente as comunidades locais – conforme, aliás, previsto no Bidbook da candidatura de Évora a CEC 2027. 

As alterações introduzidas em 2024 no estatuto das orquestras regionais preveem agora a possibilidade de o Alentejo ou as regiões autónomas poderem apresentar projetos musicais sustentados que venham a beneficiar de um financiamento continuado da tutela da Cultura em conjugação, obviamente, com o apoio dos municípios locais. A criação de uma orquestra dedicada à música erudita no Alentejo, incorporando músicos e outros profissionais da área artística que também provenham das instituições de ensino da região, afigura-se um investimento de inegável relevância, quer para uma maior diversificação da oferta cultural, quer ainda para a formação de públicos neste domínio em particular, quer também para uma desejável articulação, em termos de mediação cultural e artística, com os agentes educativos da região. 

Évora 2027 pode, de facto, ajudar a alavancar este objetivo, aglutinando, num trabalho em parceria alargada, vontades e forças necessárias para tal efeito. Na verdade, o Alentejo dispõe já de alguns eventos de referência na área da música erudita, como, por exemplo, o “Terras sem Sombra” ou o Festival Internacional de Música de Marvão (adite-se, ainda que mais recentemente, o Festival Internacional de Órgão de Évora), com os quais uma futura orquestra regional poderá inclusive estabelecer profícuos diálogos e parcerias.

A revitalização de uma tradição longa e intensa de programação municipal com assinalável enfoque na música étnica/world music e no diálogo intercultural – que gerou, a partir de/em Évora, férteis projetos criativos e colaborações (encontros inéditos, encomendas/coproduções, itinerâncias) com múltiplas latitudes, estilos e linguagens deste universo – constituem igualmente dinâmicas-âncora que deverão ser impulsionadas pela CEC. 

A articulação estratégica entrea potência natural e emocional da paisagem, a sociabilidade informal mediterrânica e os produtos culturais endógenos afigura-se essencial como proposta de valor para alavancarmais territórios como Évora

Por outro lado, a quadratura (ou aquilo que pode vir a ser) Évora-Arraiolos-Estremoz-Elvas reveste-se igualmente de manifesta pertinência quando se pensa atualmente nas artes plásticas e, de modo mais lato, nas artes visuais nesta zona do Alentejo. Há, de facto, um conjunto de entidades, dinâmicas, projetos programáticos e práticas colaborativas de escala regional e nacional que tem vindo a ser implementado e consolidado nestes quatro concelhos (por entidades como a já aludida Pó de Vir a Ser, a Córtex Frontal ou a associação A.R.T.M.O.Z.), para os quais deverá haver um olhar atento e holístico/articulado, atendendo ao potencial crescente de expansão e colaboração deste orgânico universo, já assente em parcerias tanto internas como com outros centros de criação e programação artísticas congéneres situados noutras zonas do continente e dos arquipélagos.

O património cultural imaterial (PCI) também tem de ser convocado para esta equação, sendo que o Alentejo Central abarca diversas manifestações de saber-fazer tradicional que estão classificadas e protegidas via UNESCO, destacando-se o cante, a manufatura de chocalhos, a dieta mediterrânica ou a produção de figurado em barro de Estremoz. Nestes domínios, além da recolha, estudo, mapeamento, sensibilização educativa e valorização dos respetivos saberes e técnicas, é fulcral que a CEC 2027 contribua para que se invista ambiciosamente noutras dimensões da salvaguarda, as quais têm sido, em vários casos, menos exploradas. A capacitação técnica, a profissionalização dos agentes, a transmissão sustentada do know-how a nível geracional, a criação de diálogos com outras manifestações estrangeiras congéneres classificadas como PCI da Humanidade, os modelos de negócio, circuitos comerciais e estratégias de mercado, ou a máquina de comunicação e marketing patrimoniais, são algumas delas – o que implica, entre outras condições, um trabalho concertado, nos territórios, entre as áreas da cultura, turismo e economia.

4 -Terceiro desafio: o binómio cultura-turismo representa, neste território (como em todo o Alentejo), um ativo socioeconómico fundamental. Daí que a articulação estratégica entre a potência natural e emocional da paisagem, a sociabilidade informal mediterrânica e os produtos culturais endógenos se afigure essencial como proposta de valor para alavancar mais territórios como Évora e sua(s) envolvente(s). E isto passa não apenas pela aposta em setores em acelerada expansão e afirmação nacional e além-fronteiras (os casos do enoturismo e dos turismos rural e patrimonial), como por outros segmentos em franco crescimento: a observação astronómica, destacando-se o reconhecido potencial do Grande Lago do Alqueva; o turismo pedestre, ao explorar os múltiplos benefícios do caminhar para a saúde física e mental num território onde domina a quietude, a visualidade, a abertura e o “vagar”, sendo que – como já referido – Évora, pela sua orografia, apresenta um enorme potencial pedestre, não só a nível de circuitos intramuros mas também no seu perímetro exterior e periferias (com todas as derivações socioculturais que daí podem advir); ou o turismo literário, tendo sido lançado em 2024 o festival LiterÁrea e a primeira Rede de Hotéis Literários do País, ambos pelo Turismo do Alentejo e Ribatejo em concertação com vários parceiros públicos e privados. Destaquem-se ainda localidades como Cabrela e Casa Branca, que, fruto de dinâmicas continuadas de articulação local-global, têm vindo a consolidar-se como microcentralidades culturais no campo literário em contextos não urbanos.

Sendo tendências programáticas revalorizadas e mais incrementadas após o período pandémico (ainda que com antecedentes), têm vindo a surgir em vários pontos do Alentejo, inclusive na sua zona central, festivais culturais e eventos similares que, apostando no potencial cénico e ambiental da sua morfologia natural, privilegiam o segmento híbrido da arte na paisagem, uma agenda de propostas menos densa, uma maior informalidade e micro/médias escalas a nível de público. A oferta é composta, geralmente, por percursos sensoriais imersivos, rotas comentadas, instalações multidisciplinares, concertos e performances inusitados, debates em locais não convencionais e workshops informais, e tem vindo, visivelmente, a atrair um crescente e eclético número de adeptos, quer locais, quer provindos das principais urbes, quer turistas estrangeiros – movimento que será certamente inspirador e profícuo para a CEC 2027.

O Alentejo também é, por outro lado, esse labirinto socioecológico que enfrenta desafios tremendos como a gestão hídrica, o despovoamento e a desertificação, e a sua região central não foge à regra. Daí que se esteja a instaurar, cada vez mais, também como território-experiência, na procura de novas soluções em termos de aproveitamento da terra, através de processos de agricultura regenerativa, permacultura, agroecologia. De índole comunitária e baseadas no cuidado com o solo e as pessoas, estas práticas assentam num modelo de governança colaborativa, visando a sustentabilidade dos ecossistemas, inscrevendo-se nesta linha projetos como, entre outros, o Terramay Portugal, no Alandroal, ou a Herdade do Freixo do Meio, em Montemor-o-Novo. O património cultural imaterial e as artes têm um papel importante neste paradigma enquanto valências, ora aglutinadoras ora complementares, conjugadas com modelos sustentáveis e de turismo regenerativo, com os quais Évora 2027 pode, assim, criar estimulantes sinergias. 

5 – Atendendo às contingências temporais (e também orçamentais) decorrentes do histórico do processo, a CEC em Évora terá forçosamente de conjugar, de modo coerente e realista, os principais leitmotive insertos no Bidbook da candidatura com um conjunto de ajustes, afinações e até algumas “inovações” programáticos, técnicos e logísticos que possam viabilizar, no prazo previsto, a concretização de um projeto consistente, impactante e com rastro(s). A realidade política eborense resultante das eleições autárquicas de outubro de 2025 também poderá, desejavelmente, influenciar de modo positivo esta equação. 

Em suma: a CEC 2027 é uma inequívoca janela de oportunidade para o Alentejo/Évora, não devendo ser, contudo, um ponto de partida (pois o tempo urge) ou uma paragem final (pois a fase pós-capital é tão ou mais importante do que as demais), mas sim um pensamento-ação em movimento contínuo, que visa potenciar e afirmar a singularidade, densidade e beleza desta urbe e sua envolvente, e posicioná-la culturalmente em múltiplas frentes e escalas. É também uma corajosa ponte para outras “margens” menos evidentes ou visíveis da cidade/concelho. E é ainda um útil passaporte para sair dela e, com algum distanciamento crítico, olhá-la de fora. Pois a cultura é tudo isso: espanto, inquietação, questionamento.

Palavras-chave:

Nenhum povo leva o almoço tão a sério como os portugueses. E, em Lisboa, almoçar não é um hábito: é um desígnio. Lisboa celebra o almoço como um sacramento, e talvez o faça com mais estrondo porque, sendo uma cidade de serviços, é habitada por quem gosta de ser servido. Ajuda também a concentração de função pública – um funcionário sem almoço é um corpo sem alma.

O almoço, em Lisboa, não é apenas uma pausa: é um pilar fundador da identidade, uma necessidade ontológica. Em 1755, entre os escombros, no meio do fumo e da lama, ainda se serviam travessas de peixe assado. Hoje já não se tropeça tanto em portas fechadas, mas houve um tempo em que um incauto que se atrevesse a ir a uma repartição entre a uma e as três da tarde dava de caras com um silêncio sepulcral. Um vácuo administrativo. Uma ruína.

Basta circular por Lisboa a essas horas para perceber. O que se encontra é uma cidade desimpedida, arejada, livre. Há lugar para estacionar o automóvel, há senha nos Correios e é já a próxima no contador electrónico, há fluidez de movimentos. Até a Segunda Circular, que só às duas da manhã lhe dão descanso, se torna verosímil como estrada. Por isso, é reservar para estas horas as tarefas que exigem mais voltas pela cidade. Quem se atrever ao jejum é recompensado. Parece Agosto.

Mas sejamos justos: não é tanto a refeição que se celebra, mas a vida. O que importa saber é isto: o lisboeta almoça para viver.

Diz-se isto com frequência, sempre acompanhado por comparações com os hábitos estrangeiros. E lá vem o passatempo nacional que move montanhas: o que fazem os outros. E o que fazem melhor. E o que nós fazemos pior. “Desperdiçamos demasiado tempo à mesa.”, “Lá fora, produz-se mais.”, “Uma sandes e está a andar.”

Ora, estou em crer que os hábitos têm valor próprio e que esse valor é directamente proporcional à sua opacidade. Quanto mais remoto, melhor. E mais: qualquer hábito é preferível ao vazio. O vazio não é apenas incómodo, gera o caos. O hábito, mesmo precário, é um princípio de ordem, ainda que instável. A repetição de um gesto não precisa de justificação para ser essencial. Quem não percebe isto nunca percebeu nada da vida. E quem nunca se sentou a almoçar como deve ser, já perdeu. Sei também que, nesse infausto dia em que acabarem com o almoço (e esse dia chegará), até os que hoje o criticam hão de lamentá-lo. “Antes havia tempo.”, “Antes almoçava-se.”, “Antes vivia-se.”

Antecipando-me, lamento já.

Mas quem leva mais a sério o almoço? Os que compreendem que a mesa não é um acessório, mas um centro de operações. Melhor: quem leva mais a sério esse pináculo existencial que é sentar-se à mesa e atacar um bacalhau assado com batatas a murro? Os que sabem que um almoço não se reduz à comida, mas à vida que ali acontece.

Há quem coma porque tem fome e há quem almoce por convicção. Uns mastigam em silêncio, entre o relógio e a obrigação; outros fazem do almoço um congresso. Para os verdadeiros adeptos, o almoço não é apenas uma refeição – é um acontecimento. É à mesa que se reescreve a história, se redefinem os princípios, se afinam golpes e se desenham futuros. Não é lenda: os conjurados afinaram a Restauração entre castanhas e nacos de javali. O 25 de Abril? Congeminou-se com polvo e azeite, num qualquer restaurante anónimo onde se lavraram sentenças entre talheres. O verdadeiro almoço tem algo de ritual e de conluio. Se há um almoço, há uma ideia; se há uma ideia, há um plano; e se há um plano, alguém há de pagar por ele.

Esta quarta-feira, o encontro foi marcado para a uma da tarde na Tasca do João. As semanas em que não almoço são mais difíceis. Porque precisamos de estar uns com os outros. Já não há clubes. Tudo o que servia para juntar pessoas tornou-se museu de si mesmo. O Estado, que sempre teve apetite para engolir tudo à sua volta, já devorou a escola, digeriu as associações, fez dos sindicatos um osso roído. Enquanto não abocanhar os restaurantes, resistimos.

Este texto era para ser sobre a queda do Governo. Ou sobre a nova mania de proclamar Lula como líder moral. Ou então sobre a morte. Tudo coisas que se conversaram esta quarta-feira, na Tasca do João. Mas acabou por ser sobre o próprio acto. E bem. Porque o almoço não é apenas sobre tudo. O almoço é tudo. Quem duvida, que tente viver sem ele.

Manuel Fúria é músico e vive em Lisboa.
Manuel Barbosa de Matos é o seu verdadeiro nome.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Imagine um ruído de fundo que nunca desaparece – não é ensurdecedor, mas está sempre lá, subtil e persistente. No início, parece insignificante, algo que pode ignorar. Mas, com o tempo, esse zumbido constante torna-se parte do seu dia, afetando sem que se perceba. A crise política em Portugal tem sido assim – um fio de incerteza que se entranha na rotina, um pano de fundo instável que, mesmo sem ser avassalador a cada momento, desgasta aos poucos.

A política não é apenas um jogo de interesses entre partidos. Ela infiltra-se no noticiário, nas conversas casuais, nas redes sociais e até na forma como olhamos para o futuro. E mesmo quem não se envolva diretamente acaba por sentir o peso da instabilidade. O nosso cérebro está desenhado para detetar ameaças e procurar previsibilidade.

Quando vivemos numa realidade volátil e incerta, como é o caso da política atual, a amígdala – a estrutura responsável pelo processamento do medo – entra em sobrecarga. O resultado? Uma sensação constante de inquietação, mesmo quando não há uma ameaça imediata à nossa vida.

A incerteza política também gera um efeito cascata na forma como percebemos o mundo. Estudos mostram como períodos de crise aumentam os níveis de cortisol, a hormona do stress, o que pode afetar o sono, a concentração e até o sistema imunitário. Para muitos, a frustração já não vem apenas dos acontecimentos políticos em si, mas da exaustão mental de os acompanhar. Sentimos que nada muda, que estamos num ciclo vicioso de desilusão e instabilidade.

E depois há a desinformação. O cérebro humano tem um viés de negatividade – prestamos mais atenção a notícias alarmistas porque, em termos evolutivos, o perigo sempre exigiu maior vigilância. O problema é que, na era das fake news, essa hiperatenção ao medo torna-nos ainda mais vulneráveis ao stress coletivo. O populismo cresce exatamente sobre esse terreno fértil de cansaço e descrença, explorando a necessidade emocional de respostas simples para problemas complexos.

Então, como sair deste ciclo? Desligar-se por completo da realidade não é uma solução, mas encontrar um equilíbrio é essencial. Experimente mais vezes:

  • Filtrar a informação: Nem tudo o que lê ou ouve merece espaço na sua mente. Escolha fontes confiáveis e evite consumir notícias sem critério.
  • Crie pausas informativas: Se sente que as notícias provocam ansiedade, faça intervalos. A política pode esperar – a sua saúde mental, não.
  • Foque-se no que está ao seu alcance: A sensação de impotência agrava o stress. Em vez de se perder no caos global, tente agir no que está ao seu redor, seja através do voto, da participação cívica ou simplesmente ajudando a sua comunidade.
  • Priorize o bem-estar: O país pode estar em crise, mas isso não significa que a sua vida tenha de ser consumida por ela. Encontre momentos de prazer e normalidade, porque o equilíbrio também é uma forma de resistência.

Mesmo em tempos de instabilidade, podemos escolher não ser reféns dela.

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Palavras-chave:

Em tempos imprevisíveis, comecemos por uma adivinha: qual o europeu favorito da família Trump? Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria? Giorgia Meloni, a chefe do governo de Itália? Não, não é nenhum dirigente nacional-populista do Velho Continente. Dica: é um homem de 51 anos, pugilista amador e antigo trabalhador da construção civil. Já identificou a personagem que, em outubro, participou na campanha presidencial republicana no estado da Pensilvânia, que já visitou Mar-a-Lago (a residência principal da mais poderosa dinastia norte-americana da atualidade), ou que, em janeiro, assistiu à tomada de posse do 47º Presidente e até conseguiu entrar na Sala Oval?

Czarismos Putin, antigo oficial do KGB, aprendeu cedo a importância da geografia e já mergulhou nas águas do Ártico. Trump nega as mudanças climáticas, mas quer ganhar com o degelo e apoderar-se da Gronelândia

Chega de perguntas disparatadas, embora todas assentem em factos e dos que não são alternativos. Estamos a falar de Jorgen Boassen, o gronelandês que se tornou o principal representante do movimento MAGA (Make America Great Again) na maior ilha do mundo. Graças a este novo trabalho, pelo qual começou a ser pago recentemente, o corpulento ativista tornou-se uma celebridade internacional e com direito a dizer de sua justiça em títulos como o New York Times, Le Monde, Rolling Stone ou Politiken. Só o seu talento comunicacional e o apoio incondicional a Trump justificam tanta atenção, a pretexto das eleições legislativas no inóspito território 23 vezes maior do que Portugal e onde só vivem 57 mil almas ‒ o que confere à Gronelândia o recorde de mais baixa densidade populacional do planeta. “Aqui, detestam-me, e acham que sou um traidor ao meu país”, afirmou Boassen à agência AFP, explicando que tem recebido “ameaças de morte” por defender o homem que, desde 2019, tem feito sucessivas propostas para adquirir ou conquistar a ilha, “de uma maneira ou de outra” ‒ Trump dixit, na passada semana, em pleno Congresso. Paradoxalmente, o antigo trolha não acredita que o seu ídolo político alguma vez ordene uma invasão militar da nova ilha do tesouro, assim chamada devido à localização estratégica (ver infografias) e por regurgitar de riquezas naturais (petróleo, gás, rubis, urânio, minérios de terras raras…): “Ele diz muita coisa para obter o que pretende (…). Sabe, é a ‘arte do negócio’” ‒ afirma o “Trump gronelandês”, referindo-se ao mais conhecido livro da autoria do ex-promotor imobiliário nova-iorquino.

O resultado final das eleições realizadas na última terça-feira, 11, é uma minudência comparada com o que está em jogo no Ártico. Durante décadas, ainda durante a Guerra Fria, a região deu origem a um mote muito usado pelos países da NATO: “Alto Norte, baixa tensão.” O lugar onde, aparentemente, nada de importante se passava permitiu, por exemplo, que as grandes potências se entendessem sobre o futuro (desmilitarizado) das zonas adjacentes ao Polo Norte e criassem, em 1996 (ver cronologia), um fórum intergovernamental para o efeito. Em outubro de 1987, num dos seus discursos mais famosos, na cidade de Murmansk, o então líder da União Soviética, Mikhail Gorbachev, propôs que as áreas boreais se transformassem em reservas de paz, imunes à ganância comercial e geopolítica. Só que as coisas mudaram e o século XXI, com a ajuda das alterações climáticas e dos populismos, encarregou-se de acelerar a história.

O Círculo Polar Ártico está a aquecer quatro vezes mais do que o resto do planeta (a superfície gelada que diminui anualmente é praticamente equivalente à área de Portugal), o que desperta a cobiça de diferentes atores globais. Na última década, face ao degelo e à abertura de novas rotas marítimas, a região tem vindo a ser palco de uma militarização galopante e de uma verdadeira corrida às suas matérias primas ‒ nomeadamente 13 por cento das reservas mundiais de petróleo e perto de 30 por cento das jazidas de gás natural por identificar e explorar. “Considerado durante muito tempo como uma fronteira remota, desolada e irrelevante, o Ártico está a converter-se num microcosmos das principais tendências estratégicas do nosso tempo. (…) É aí que estão os interesses da Rússia e dos Estados Unidos da América, a diminuição da influência da Europa e o crescente peso geoestratégico da China”, escreveu, no El País, Moisés Naím, o prestigiado académico e ensaísta que foi diretor da revista Foreign Policy e, antes, também ministro da Venezuela e diretor do Banco Mundial.

BATALHAS NAVAIS

De acordo com vários centros de reflexão nos Estados Unidos da América, a Rússia tem agora 22 bases e aquartelamentos militares no Ártico, enquanto os EUA e demais parceiros da NATO possuem nada menos do que 27. E, nestas estatísticas que nem sempre são de fiar pelo costumeiro segredo de Estado, há um país europeu que se destaca: a Noruega, com 12 (seis delas a serem usadas por tropas norte-americanas devido aos acordos de defesa entre Washington e Oslo). Por coincidência, neste preciso momento, o milenar reino escandinavo está a servir de anfitrião ao exercício bélico Joint Viking 2025, iniciado a 3 de março e que decorre até sexta-feira 14. Mais de 10 mil soldados de nove países (EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Canadá, Bélgica, Finlândia e Países Baixos) encontram-se a realizar operações aeronavais em larga escala, no extremo norte norueguês, com a missão de testarem as respetivas capacidades em pleno inverno ártico e para a eventualidade de resistirem a uma ofensiva da Rússia. Detalhe adicional: as manobras destas forças aliadas coincidem com os “treinos de fogo real” da marinha de Vladimir Putin, ao largo da península de Kola, o quartel-general da esquadra do Norte (que data dos tempos de Catarina, a Grande, no século XVIII) e onde estão sediados os submarinos estratégicos do Kremlin, equipados com mísseis nucleares capazes de atingir alvos múltiplos em qualquer ponto do globo. 

Para que não haja dúvidas, trata-se de uma batalha naval simulada, em que todos os intervenientes mostram o que podem valer caso tenham de se enfrentar nas neves e no gelo que deixaram de ser eternos. Desde que Donald Trump reiterou a vontade de “tomar” a Gronelândia à Dinamarca e converter o Canadá no “51º estado” dos EUA que o Kremlin, através do omnipresente porta-voz Dmitry Peskov, diz estar a acompanhar “acontecimentos dramáticos”. Ainda antes da tomada de posse do 47º Presidente, o agora conselheiro de Segurança Nacional e antigo coronel das forças especiais norte-americanas, Mike Waltz, numa entrevista à Fox News, afirmou que o seu país tinha de apoderar-se da maior ilha do mundo para “conter a influência da Rússia e da China” no Ártico. Em causa, no seu entender, está a proclamada “amizade sem limites” entre Vladimir Putin e o respetivo homólogo de Pequim, Xi Jinping, que permitiu que as Forças Armadas dos dois países tenham já levado a cabo exercícios conjuntos, incluindo no Círculo Polar Ártico. Algo supostamente desconcertante e inaceitável para a Administração Trump: “A Rússia quer ser o rei do Ártico, possui mais de 60 quebra-gelos, alguns com propulsão nuclear. (…) Nós só temos dois e um deles acaba de ficar inoperacional devido a um incêndio”, alega Mike Waltz, que acusa o Kremlin de querer colonizar e explorar uma área superior a 1,2 milhões de metros quadrados à volta do Polo Norte, ao arrepio da “legislação internacional”. Uma argumentação, no mínimo, curiosa, vinda de alguém tão próximo do homem tido como o mais poderoso do mundo e agora empenhado em fazer tábua rasa de toda a ordem internacional criada pelos próprios EUA há oito décadas. Washington pode queixar-se de Moscovo olhar para o Alto Norte como o novo Eldorado, mas os norte-americanos deviam também fazer mea culpa. Desde a II Guerra Mundial que têm uma presença militar ininterrupta no Círculo Polar Ártico ‒ e não é apenas no Alasca, território que adquiriram à Rússia, em 1867, por uns módicos 7,2 milhões de dólares. Ainda antes do ataque japonês contra Pearl Harbor, em dezembro de 1941, os norte-americanos já tinham instalado estações meteorológicas e de transmissões em diferentes pontos da Gronelândia, a começar por aquela que se tornaria depois na base militar de Thule ‒ atualmente designada Pituffik ‒, que desempenhou um papel fundamental no rastreio e reconhecimento do arsenal nuclear soviético.

NEGÓCIOS DA CHINA

É natural que Trump não suporte ser informado das frequentes conversas entre Putin e Xi sobre o Ártico. Mais irritante ainda é a Casa Branca saber que russos e chineses se têm entendido às mil maravilhas para a exploração das novas rotas marítimas na região. A 11 de setembro de 2024, dois enormes navios, o Flying Fish 1, com cinco mil contentores a bordo, e o NewNew Star, com três mil, cruzaram-se ao largo do arquipélago de Novaya Zemlya (território da Rússia), sem necessidade de serem acompanhados por quebra-gelos. Pela primeira vez na história da navegação comercial, tinham ambos usado a chamada Passagem do Nordeste, a ligação do Atlântico ao Pacífico através do estreito de Bering e ao longo da costa siberiana. Para grande irritação dos norte-americanos, está provado que as vias marítimas do Ártico constituem uma alternativa aos canais do Suez e do Panamá. E quem mais beneficia deste facto é a segunda maior economia do mundo. O que não aconteceu por acaso. Em 2004, Pequim tinha já chegado a acordo com a Noruega para a instalação de um posto científico-meteorológico em Ny-Alesund, no estratégico arquipélago de Svalbard.

Os resultados devem ter sido animadores e, em 2016, o regime de Xi Jinping obteve autorização para montar um complexo de monitorização espacial em Kiruna, no ponto mais a norte da Suécia, e um outro observatório de investigação em Kárhóll, na Islândia. Atualmente, já poucos duvidam de que estes investimentos de Pequim tinham dupla motivação: comercial e militar. No antigo Império do Meio, percebeu-se sem pressas que o Ártico poderia ser navegável vários meses ao longo do ano e que isso iria acontecer antes do final da presente década. As estatísticas deram-lhes razão. Em 2016, 19 navios de carga recorreram à rota do Nordeste, o ano passado foram 92, a maioria chineses. As ligações marítimas entre a Europa, a Ásia e as Américas ficaram mais curtas e baratas (ver infografia). Uma viagem entre Roterdão e Xangai pode fazer-se em duas semanas e não em 30 dias, como sucedia há uma década. Depois de se ter autoproclamado como “nação quase ártica” em 2018, a China tem agora planos para alargar a sua “rota da seda polar” e assumir-se como uma “grande potência polar” em 2035. Para concretizar esses objetivos, terá de continuar a fazer avultados investimentos. Seja na Rússia (perto de 200 mil milhões, só entre 2012 e 2017) seja na Gronelândia (dois mil milhões, no mesmo período).

Autodeterminação A primeira-ministra da Dinamrca, Mette Frederiksen, e o ainda líder do governo autónomo da Gronelândia, Múte Egede, vão ter de se entender sobre o futuro da ilha Foto: Mads Claus Rasmussen

A 18 de fevereiro, em Riade, na capital saudita, russos e norte-americanos encontraram-se para discutir a situação na Ucrânia. Na altura, as atenções mediáticas giraram à volta do facto de os ucranianos e os europeus estarem ausentes. No entanto, houve exceções. A Interfax, agência noticiosa com ligações privilegiadas ao Kremlin, revelou que os negócios do Ártico também fizeram parte da agenda. Quais as implicações de um possível entendimento entre Trump e Putin sobre o Polo Norte? “Moscovo vê com bons olhos a cooperação com os EUA por dois motivos. Primeiro, a Rússia tem enfrentado vários problemas para desenvolver a rota do Nordeste devido às sanções [ocidentais]. (…) Segundo, as atividades da República Popular da China no Ártico exploraram as debilidades financeiras da Rússia e fazem com que Moscovo veja com preocupação a possibilidade de Pequim vir a ser uma grande potência na região”, escreveu, na passada semana, Paul Globe, antigo analista da CIA reconvertido em investigador da Jamestown Foundation, um think tank em Washington. Moral da história: Moscovo quer usar o Ártico para separar ainda mais os EUA e a Europa. Washington quer usar o Ártico para sabotar a amizade ilimitada entre Moscovo e Pequim. Complicado? Só se for para Jorgen Boassen e para os gronelandeses que acreditam num referendo, a curto prazo, para a independência da ilha, que tem uma das taxas de suicídio mais elevadas do mundo.

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No decurso desta semana, assistiu-se à rejeição da moção de confiança apresentada pelo Governo e cujo chumbo culminou na sua demissão. Independentemente dos argumentos jurídicos e políticos que estão na base das posições assumidas pelos diversos partidos com assento parlamentar ou da posição que cada cidadão possa ter acerca da conveniência ou necessidade da realização de eleições antecipadas, o certo é que aquilo a que se assistiu corresponde a um processo regular, dentro do que são as regras constitucionais e regimentais da Assembleia da República.

Em democracia, o trajeto de cada legislatura pode enfrentar problemas ou desafios para os quais o sistema encontra resposta dentro dos quadros de pluralidade e da representação popular. Obviamente que os mandatos assentam em projetos para um dado horizonte temporal, sendo que, quando interrompidos, poderão levar ao natural adiamento de determinados processos legislativos, ao atraso na implementação de certos mecanismos ou até ao protelar de diversas negociações em curso.

As reformas fazem-se com tempo, com ponderação e com equilíbrio e naturalmente que as interrupções podem acarretar algumas dificuldades. O sistema não é perfeito, porém é o mais perfeito que conhecemos. É fruto de sucessivas conquistas civilizacionais e é o sistema onde queremos viver. Lembrando Winston Churchill: “a democracia é o pior dos regimes, à exceção de todos os outros”. 

No caso particular da justiça portuguesa, o que sucede numa situação desta natureza? A nossa democracia, assente num Estado de Direito, é enformada por um princípio basilar de separação de poderes. Os tribunais, juntamente com o Governo, a Assembleia da República e o Presidente da República, consistem em órgãos de soberania do Estado, titulares do poder judicial, e regem-se por princípios de independência. Por esse motivo, a circunstância de um dos pilares do Estado atravessar um momento de transição e de redefinição não interfere no normal funcionamento dos demais, pelo que os tribunais prosseguem em pleno e normal funcionamento, assegurando a sua função constitucional. Não é indiferente, contudo, a circunstância da consagração constitucional de uma interdependência entre órgãos de soberania. Aos tribunais, a quem não cabe o poder legislativo, cumpre aplicar a lei, estando sujeitos à mesma. Nessa medida, se os tribunais prosseguem o seu trabalho, fá-lo-ão com os mecanismos legais e com as condições vigentes e disponíveis.

Em qualquer cenário, que a breve trecho se definirá, impor-se-á que se dê andamento à legislação atinente ao fim da imposição da presença física dos magistrados no ato da distribuição de processos e que tem provocado fortes entropias no funcionamento dos tribunais; impor-se-á avançar com o alargamento da base de recrutamento de juízes desembargadores para o Supremo Tribunal de Justiça, em ordem a acautelar o número elevadíssimo de jubilações que se vislumbram no horizonte e que poderão colocar o sistema ainda em maior estrangulamento; impor-se-á não perder de vista a instituição de mais e melhores meios de combate à corrupção que nos tem levado a elevados índices ao nível da sua perceção e, em definitivo, impõe-se proceder a uma valorização das carreiras ligadas à justiça, atraindo os melhores e dando-lhes a devida motivação e condições para que permaneçam ao serviço desta causa pública, em prol dos cidadãos, ao invés de se persistir numa preocupante e consistente fuga de talentos para outras áreas e para outros países.

Em qualquer legislatura, o que os cidadãos clamam, no que à Justiça respeita, é, essencialmente, por independência, qualidade e celeridade. Num cenário constitucional em que também vigora a interdependência, o que se reclama é que a Justiça, enquanto função soberana do Estado, não seja relegada para um plano de esquecimento e de desinvestimento. Importa que, mesmo nas dificuldades conjunturais, não se perca de vista a questão de fundo e o plano alargado, ou seja, a questão de saber o que é que queremos para o nosso país para além do horizonte do momento.

O edifício da Justiça consiste numa das fundações da nossa democracia e da nossa organização coletiva em contexto de liberdade. Ele persiste, mas deve ser pensado bem para além do horizonte das legislaturas.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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O VOLT Live é um programa/podcast semanal sobre mobilidade elétrica feito em parceria com a Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE).

Neste VOLT Live, episódio 97, fazemos um resumo das notícias que marcaram a semana no que à mobilidade elétrica diz respeito, incluindo os prémios Carro do Ano, a nova patente da Stellantis para caixas de velocidades em carros elétricos, a chegada da LeapMotor a Portugal, o novo Mercedes CLA e a situação do apoio à compra de veículos elétricos.

Em Polo Positivo e Polo Negativo comentamos a confirmação da produção do VW ID.EVERY1, que deverá ser o carro 100% elétrico mais acessível da marca alemã, na fábrica da Autoeuropa em Palmela e a associação política da Tesla ao governo de Trump reforçada pelo próprio Elon Musk.

Em Produto da Semana analisamos o LeapMotor T03, um carro elétrico abaixo dos 20 mil euros, que surpreende pela tecnologia e habitabilidade. Em Carrega Aqui listamos quais os maiores entraves à instalação de novos postos de carregamento. Uma lista maior do que muitos possam pensar.

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Fartei-me disto tudo. Para deputados, quero apenas pessoas que acabam os verbos em s: “comestes”, “fizestes”. Quero o maluco do autocarro na condução dos Negócios Estrangeiros, e os trabalhadores do supermercado, que indicam o corredor, condecorados com a Ordem Militar de Avis.

Sendo mesmo sincero, cansei-me. Sempre que um qualquer político quisesse entrar em guerra, era pô-lo a dividir o Camões em orações e “só sais daqui quando estiver tudo feito”. Em vez de polícias, destacar pelos quarteirões aquelas senhoras que passam a vida à janela do nosso país. Não nos protegeriam de coisa alguma, mas estaríamos sempre a par dos inúmeros amantes da vizinha do 3º andar.

Na mesma linha, era queimar toda a literatura, porque não se monta um móvel do IKEA consultando um romance, nem se cura um dedo partido com sonetos de Florbela. Talvez mesmo eu tivesse aprendido qualquer coisa, que, quando perdi o meu avô, me arrisquei nos lirismos toscos de uma adolescência então vencida.

Assim, tudo estaria certo: na Assembleia, a conversa seria “aprovastes o Orçamento?”, e nas embaixadas decretar-se-ia a obrigatoriedade de ter pontas de cigarro apagadas e de se dar gritos inesperados. Além disso – em notícia de última hora – parece que a tal do 3º andar descartou todos os amantes, encontrando-se, finalmente, a endireitar a sua vida.

E, portanto, peço que perdoem esta minha insolência, mas senti-me ligeiramente farto disto tudo.

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Metade da população global tem em comum traços ancestrais de uma comunidade de pastores chamada Yamnaya que habitava no que é atualmente a Ucrânia. A conclusão é de David Reich, geneticista da Universidade de Harvard, que conta que essa comunidade se expandiu bastante em direção ao que é atualmente a Europa e a Ásia.

O berço do povo Indo-Europeu pode então ser rastreado até à região ucraniana de Mykhailivka. A cultura Yamnaya deve o seu nome aos yama (ucraniano e russo para ‘poços’) em que enterravam os seus mortos e deu origem depois a vários povos antigos, como Romanos, Celtas, Persas e Macedónios, noticia o Kyiv Independent.

A equipa de investigadores analisou o ADN encontrado em 450 indivíduos pré-históricos em cem diferentes locais na Europa e outras mil amostras já conhecidas, reforçando assim a conclusão de uma herança genética comum.  

O estudo mostra que a invasão russa está a devastar o património cultural da Ucrânia: até fevereiro, 485 locais culturais ucranianos tinham sido danificados pela guerra, incluindo dois locais arqueológicos e sabe-se que as tropas russas saquearam vários artefactos das regiões da Crimeira e do Donbass, levando-os para a Rússia, pelo menos desde 2014.