Em maio de 2017, a agenda autárquica já fervia nos bastidores. Miguel Pinto Luz, então líder da distrital do PSD, é apanhado numa escuta telefónica da Operação Tutti Frutti a falar com Sérgio Azevedo sobre a importância de controlar os gabinetes na Câmara e na Assembleia Municipal de Lisboa. “E, portanto, a minha agenda enquanto presidente da distrital, é garantir que o meu grupo, que és tu, que é o Newton e não sei o quê, saem com aquilo que me pediram e vão sair com aquilo que me pediram.” Pinto Luz tinha uma certeza sobre a campanha autárquica: “Tem de ser dirigida pelas nossas gentes que, neste caso, és tu, o Luís Newton, o Quadrado, o Ribeiro.” Estas eram as personagens-chave: Luís Newton, então o homem forte do núcleo Ocidental do PSD Lisboa, Paulo Quadrado, um dos homens do então poderoso cacique do núcleo Central de Lisboa, Rodrigo Gonçalves e Paulo Ribeiro, que viria a ser eleito líder da concelhia do PSD em Lisboa em 2018 e que havia de se demitir em 2019, depois de uma divergência com Newton sobre as listas de deputados. Mas como é que se constrói este poder no PSD? A resposta passa por uma máquina de criar tropas partidárias, na qual a JSD e os empregos públicos têm um papel importante.

Luís Newton e Sérgio Azevedo cruzaram-se pela primeira vez na JSD. Azevedo chegou a líder da distrital da JSD, Newton chegaria a líder da concelhia do PSD Lisboa em julho de 2020, quando já era presidente da Junta de Freguesia da Estrela. Enquanto Luís Newton foi crescendo no aparelho partidário, Sérgio Azevedo já não tinha cargos no partido, mas era deputado e, como revelam as escutas que constam da acusação da Operação Tutti Frutti, tinha muita influência na feitura das listas locais. Quando, numa dessas conversas, Azevedo diz a Pinto Luz que “o que interessa é controlarmos os gabinetes”, está a referir-se a uma das formas de garantir poder na estrutura do partido: a distribuição de empregos que asseguram votos nas disputas internas. Neste jogo, a JSD torna-se um viveiro de exércitos de apoiantes.
O peso da JSD em eleições internas
“É habitual, em campanhas internas, ir aos liceus e inscrever militantes”, conta à VISÃO um social-democrata que, a coberto do anonimato, revela como alguns desses novos inscritos são depois trazidos para empregos públicos, ajudando a arregimentar as suas redes de influência para as eleições internas. O peso que têm não é determinante, mas é importante: na última eleição a que concorreram duas listas em Lisboa, havia três mil militantes com as quotas em dia, desses foram votar 1 200, dos quais entre 200 e 300 eram da Jota. “A JSD tem cerca de um quarto dos votos nas votações internas, mas também é importante porque tem inerências no partido, incluindo no Congresso, onde vale 70 delegados”, acrescenta outra fonte social-democrata, que explica a quantidade de Jotas em gabinetes do Governo e das câmaras do PSD também pela necessidade de “formar quadros políticos” que depois possam ocupar outros cargos. “Os mais referenciados têm de ter mais tempo e ter uma atividade profissional mais próxima do partido para se dedicarem à política”, justifica-se este dirigente partidário, que deu emprego a vários jovens militantes.
No caso de Lisboa, a Junta de Freguesia da Estrela tornou-se, com Luís Newton, um polo importante para distribuir empregos, numa altura em que o PS controlava a Câmara Municipal de Lisboa e a maior parte das freguesias. Isso ajudou a catapultar Newton, que foi eleito para a Estrela pela primeira vez em 2013, depois de a reforma administrativa da cidade feita por António Costa agregar nessa Junta as freguesias de Lapa, Santos-o-Velho e Prazeres. Logo em 2014, entra para a Junta de Freguesia da Estrela Mafalda Cambeta, “para implementar na Estrela o projeto de Atividades de Interrupções Escolares que ela tinha desenvolvido com sucesso na Junta de Santa Isabel”, como Newton explicou ao Observador em 2017. Cambeta é hoje deputada municipal, diretora da Divisão da Comunidade na Estrela e faz parte da direção da concelhia de Lisboa do PSD, mas foi quando chegou a líder da concelhia de Lisboa da JSD que se tornou uma peça importante e passou a fazer parte do núcleo de influência de Luís Newton.

A concelhia da JSD Lisboa tem neste momento a liderança interina de Camila Botão, que deverá ser candidata, e que passou pela Junta de Freguesia da Estrela. Botão, que rescindiu o contrato a 28 de fevereiro de 2023, entrou por concurso público para a Junta – obtendo 20 valores na prova de entrevista – como técnica superior em dezembro de 2022. Em janeiro de 2022, tinha assinado com a Estrela um contrato de prestação de serviços na área da comunicação, numa data em que era ainda finalista do curso de Administração Pública. Diogo Guerra é o candidato que deve concorrer contra o atual líder da distrital de Lisboa da JSD, Eric Habibo, e também ele está nos quadros desta Junta como técnico superior, sendo chefia intermédia desde janeiro de 2024. Apesar de trabalhar na Estrela, Guerra lidera neste momento a JSD de Odivelas. Susana Duarte, da JSD de Oeiras (onde é agora vereadora), também já passou pela Estrela, onde entrou por concurso para a categoria de assistente técnica na área da Gestão Territorial, sendo licenciada em História. Ana Roberto, que é presidente da Mesa da Concelhia do PSD Lisboa e presidente da Mesa da Distrital de Lisboa, fez o estágio de Psicologia Comunitária na Estrela em 2019; e em maio de 2022 foi contratada por concurso público para a Junta de Freguesia da Estrela, sendo coordenadora do Departamento da Área de Desenvolvimento Comunitário, já depois de ter sido eleita para esta freguesia em 2021. Marta Pinto, eleita líder da JSD de Odivelas em 2019, foi contratada por concurso público em 2022 como assistente técnica da Área de Apoio Social na Estrela, tendo, entretanto, sido requisitada pela Câmara Municipal de Lisboa para os seus quadros. Na Junta está também Bruna Barata, filha do dirigente concelhio do PSD Lisboa Jorge Barata, que entrou por concurso como técnica superior.
Contactada pela VISÃO, fonte oficial da Junta de Freguesia da Estrela nega que haja qualquer relação entre a filiação partidária e estes recrutamentos. “Os procedimentos de contratação pública na Junta de Freguesia da Estrela (JFE) seguem um modelo de três fases, nos termos da lei, e nos mesmíssimos termos da lei, duas dessas fases são desenvolvidas por entidade externa, onde a JFE não tem qualquer intervenção”, afirma o gabinete de Luís Newton, frisando que a Junta “apenas implementou procedimentos concursais públicos para suprir necessidades próprias, não podendo estar nenhum candidato condicionado por qualquer militância num partido político, nem tão-pouco serem por isso beneficiados”.
Empregos na CML… e não só
No site da Assembleia Municipal de Lisboa, a IL é o único partido que divulga a composição do seu gabinete. Questionada por que motivo não partilha aí essa informação, fonte oficial da bancada “laranja” diz à VISÃO que “esta pergunta deve ser dirigida aos serviços da AML, uma vez que o PSD não gere o site da Assembleia Municipal”. E confirma que Guilherme Barata, vice-presidente da concelhia de Lisboa da JSD, “apoia os deputados na preparação das sessões plenárias e nas comissões” como assessor, recebendo o valor mensal bruto de 1 300 euros a recibos verdes.
Mas não é só na Junta da Estrela e na Assembleia Municipal que se multiplicam as contratações feitas na JSD. Estão no gabinete da vereadora Filipa Roseta, na Câmara Municipal de Lisboa, os conselheiros da distrital da JSD de Lisboa Gonçalo Armindo e Manuel Felgueiras e o secretário-geral da distrital da JSD Lisboa, Miguel Cruz. No gabinete do vereador social-democrata Rui Cordeiro, estão como assessores a conselheira da distrital da JSD Lisboa, Filipa Nascimento, e o ex-líder da JSD Sintra, Francisco Duarte. E no gabinete de Carlos Moedas está o conselheiro distrital da JSD Lisboa, Gabriel Albuquerque. Todos eles são próximos de Eric Habibo, o candidato que Diogo Guerra (próximo de Newton) vai tentar destronar na distrital da JSD. Contactada pela VISÃO, a Câmara Municipal de Lisboa não deu qualquer resposta sobre estas contratações.

O mapa de contratações da JSD vai, contudo, muito além dos limites do concelho de Lisboa. Em listagens a que a VISÃO teve acesso, há, pelo menos, 12 militantes da Jota em gabinetes do Governo e cinco no grupo parlamentar do PSD, além de muitos outros em câmaras espalhadas pelo País. Cada um deles está referenciado como pertencendo a uma fação na JSD que, por sua vez, tem ligações a uma fação ou a um dirigente no PSD. É somando esses apoios que se montam os exércitos que depois determinam quem chega a general no partido e é também aí que se vão tecendo cumplicidades, que não são eternas, mas que ajudam a perceber alguns percursos dentro do aparelho.
A Operação Tutti Frutti levou Luís Montenegro a avocar a feitura das listas de Lisboa para as autárquicas deste ano, retirando a Luís Newton esse poder. Newton terminará o seu último mandato na concelhia de Lisboa em 2026 e não faz tenções de se afastar da vida política. Mas a morosidade com que, previsivelmente, irá desenrolar-se o processo em que é acusado de cinco crimes de prevaricação e cinco de corrupção ativa torna quase impossível manter o plano de tentar suceder a Ângelo Pereira na distrital de Lisboa. As movimentações que agora se desenham nas eleições deste ano na concelhia e na distrital da JSD de Lisboa devem, ainda assim, ter um impacto no xadrez político do partido. Resta saber quem, com Luís Newton e Ângelo Pereira apanhados na Operação Tutti Frutti, poderá vir a ganhar espaço para liderar o PSD em Lisboa. “Estão a preparar o day after”, comenta quem faz parte do núcleo de Newton e Pereira, explicando que as candidaturas de Eric Habibo para a Jota distrital e de Teresa Patrício Gouveia (a militante da Jota de quem se fala) para a concelhia da JSD de Lisboa fazem parte de uma lógica que pretende dar espaço ao grupo de Paulo Ribeiro (que em tempos já foi da mesma fação de Newton), muito próximo de Carlos Moedas. Para já, Alexandre Poço parece mais bem posicionado para suceder a Ângelo Pereira na distrital de Lisboa, até porque conta com o apoio de Cascais, um conselho importante neste xadrez. Na concelhia, Carlos Reis – que ajudou a construir a influência de Sérgio Azevedo e Luís Newton – também parece querer assumir algum protagonismo, afastando-se desse passado. Quem ganhará as disputas internas que se avizinham é incerto, mas não há dúvidas de que as peças já estão a mover-se. E as eleições na JSD podem dar os primeiros sinais.