Perde-se na memória do tempo uma velha fábula que conta a história de vários caranguejos colocados num mesmo balde. Sempre que algum tenta sair, os outros acabam por puxá-lo para baixo, impedindo que qualquer um consiga escapar. Essa dinâmica, tantas vezes usada como metáfora para aludir a desafios coletivos, é apropriada perante encruzilhadas de natureza mais profunda e estrutural. Trata-se do caricato estado a que um sistema chega quando reconhece determinados problemas que o afetam e manifesta a necessidade de avançar num dado sentido, mas depois é incapaz de refletir com sucesso sobre as soluções, levando a bom porto um esforço conjunto de mudança.

Há dias, foi apresentado o relatório intitulado “Megaprocessos e Processo Penal – Carta para a celeridade e melhor Justiça”. Trata-se de uma análise de fundo elaborada por um grupo de trabalho formado por juízes e um procurador-geral adjunto na sequência de deliberação tomada em sessão Plenária Ordinária do Conselho Superior da Magistratura (CSM). Desde há décadas, a expressão crise da justiça assentou arraiais no quotidiano português, mesmo à custa de uma persistente omissão sobre a realidade objetiva, isto é, ignorando a realidade da generalidade dos milhares de casos tratados nos tribunais portugueses numa base diária. E à expressão crise da justiça, em regra, surge associado o clamor da necessidade de uma reforma da justiça. Pese embora a temática, ao longo dos tempos na nossa história democrática, tenha tido diferentes motivos para vir para a ribalta, a verdade é que, mais recentemente, o debate em torno de aspetos como a morosidade da justiça, os megaprocessos ou a configuração da fase de instrução no processo criminal tem sido particularmente aceso.

Ora, o trabalho em causa vem apresentar, precisamente, um conjunto de propostas tendo em vista, além do mais, melhorar a celeridade e a eficiência do processo penal. São ponderadas diversas alterações legislativas ao nível processual penal, tendo sido recebidas com especial ênfase as ideias relativas à redução da fase de instrução, à revisão do regime de recursos, bem como à criação de regras que visam evitar expedientes dilatórios, juntamente com outras em matérias de gestão e organização processual. E, nesta sequência, foram várias as vozes que, de imediato, se levantaram, insurgindo-se ora contra o teor do documento, ora contra a legitimidade dos seus autores. Porém, é a lei, mais concretamente o Estatuto dos Magistrados Judiciais, que prevê de modo expresso que o CSM tem competência para estudar e propor providências legislativas e normativas com vista à eficiência e ao aperfeiçoamento das instituições judiciárias.

Sem prejuízo de se poder concordar mais ou menos com esta ou aquela medida proposta, a verdade é que não só o CSM tem legitimidade democrática, legal e constitucional para o fazer, como, na verdade, o faz no âmbito de uma estrutura plural que reflete igualmente a representatividade característica do Parlamento que nomeia uma parte muito substancial dos seus membros. Não está aqui posta em causa a evidente importância do trabalho conjunto, da cooperação institucional ou do diálogo entre profissões jurídicas para a melhoria do sistema. Nesse eventual processo legislativo, deverá naturalmente, aí sim, ter lugar a audição, além do mais, de todas as estruturas representativas das diversas profissões jurídicas, no seio da qual as propostas poderão ser objeto de concordância, discordância ou aprimoramento.

Independentemente do acerto ou desacerto das propostas apresentadas, o País não pode dar-se ao luxo de continuar a não ponderar o resultado da reflexão qualificada de pessoas conhecedoras do sistema para, logo de seguida, se voltar a agitar com a bandeira da crise e da reforma da justiça sem sequer se efetuar previamente uma ponderação séria sobre as ideias apresentadas, ficando esta abafada pelas entropias de um sistema que se mantém refém do paradoxo do caranguejo.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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A Volvo vai apresentar mundialmente o novo ES90 a 5 de março, mas a fabricante já revela algumas das novidades que podemos encontrar. O destaque maior vai para a tecnologia de 800 volts que permite um carregamento mais rápido da bateria, um melhor desempenho geral e uma maior eficiência do sistema elétrico. A fabricante explica que este é seu modelo com maior autonomia e que carrega mais rápido, também pela combinação de novos software e hardware de gestão de bateria.

Segundo o comunicado, o ES90 consegue carregar a bateria para 300 quilómetros em apenas 10 minutos e, com a carga completa, tem autonomia para percorrer 700 quilómetros.

Para este novo sistema de 800 volts, todos os componentes do sistema elétrico foram atualizados, desde células de bateria, inversor, motores, carregamento e sistemas térmicos. Estas melhorias trazem benefícios ao carregamento, à eficiência e ao desempenho.

Os motores do ES90 são mais leves, o que permite aumentar a aceleração e a autonomia e o novo software de gestão de baterias desenvolvido internamente ajuda a reduzir o tempo de carga (dos 10 aos 80% em apenas 20 minutos, uma redução de 30% do tempo).

A utilização de materiais naturais e reciclados ajuda a reduzir as emissões de CO2 na produção deste modelo, com 29% do alumínio utilizado a ter sido reciclado, tal como 16% dos polímeros e 18% de todo o aço.

A Volvo deve revelar mais detalhes, incluindo preço, disponibilidades e versões do ES90 na apresentação mundial marcada para 5 de março.

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O grupo Meta está a planear ter uma aplicação independente com o chatbot alimentado por Inteligência Artificial para rivalizar com o ChatGPT, o Google Gemini e o Microsoft Copilot. Segundo a CNBC, os trabalhos de desenvolvimento estão em curso e devem resultar num lançamento entre abril e junho deste ano.

A empresa que detém o Facebook, o Instagram e o WhatsApp já inclui funcionalidades do chatbot integradas nestas plataformas, mas a estratégia de lançar uma app independente permite chegar a pessoas que não usam estas soluções. A Meta AI já é capaz de responder a perguntas, gerar imagens, editar fotos e até tem ‘memória’ para fornecer recomendações mais adequadas.

Sam Altman, da OpenAI, reagiu a esta notícia dizendo ironicamente que “OK, talvez façamos uma app de rede social”.

Mark Zuckerberg anunciou recentemente a intenção de investir 65 mil milhões de dólares no desenvolvimento de soluções assentes em Inteligência Artificial e deve revelar mais sobre estas ambições num evento dedicado ao tema, marcado para 29 de abril.

Num mundo dos nómadas digitais, os ultraportáteis tornaram-se padrão. Mas o que fazer quando estes profissionais ‘em movimento’ precisam de ecrãs com áreas generosas? Esta proposta inovadora da Asus é uma boa resposta para quem precisa de mobilidade e, simultaneamente, de um ecrã com muito espaço de trabalho. A junção de dois ecrãs finos e leves numa arquitetura em concha, semelhante à dos portáteis, resulta num sistema funcional e muito fácil de transportar.

Há duas portas USB C Display Port e uma porta Mini-HDMI para a transmissão da imagem. Além de dois botões, há uma género de roda/stick para ajudar a fazer explorar os menus

Pequeno quando fechado, grande quando aberto

O Asus ZenScreen Duo MQ149CD destaca-se pelos dois ecrãs OLED de 14 polegadas integrados num design compacto e versátil. Fechado, parece um ultraportátil com espessura reduzida e com uma pegada pouco maior que uma folha A4. O chassis de alumínio escovado garante resistência e transmite uma sensação de qualidade. Todas as conexões e botões de controlo estão do lado direito. A conectividade é versátil, graças a três portas USB-C: uma para alimentação, uma USB-C com DisplayPort (DP) e uma segunda USB-C DP e suporte para MST (Multi-Stream Transport). A maioria dos portáteis modernos pode controlar o ecrã com um único cabo USB-C, enquanto outros podem usar o mini-HDMI – situação em que é necessária alimentação em separado. De referir que os três cabos são fornecidos, bem como um carregador de energia. O suporte integrado no chassis permite posicionar os ecrãs na horizontal ou na vertical, enquanto a rosca para tripé na parte inferior oferece ainda mais opções de montagem.

O modo tenda é uma das várias possibilidades

Um ecrã para o PC e outro para a Switch

Os dois ecrãs OLED de 14 polegadas com resolução WUXGA (1920×1200 pixels), proporcionam uma grande área de trabalho, que pode ser aproveitada usando diferentes modos: independente, dividido, espelhado e estendido. Isto significa que, considerando o ecrã do portátil, ficamos com um total de três ecrãs. Além disto, há diferentes possibilidades em termos de arquitetura. Os dois painéis podem ficar em ‘tenda’, em modo espelho (a mesma imagem em ambos os ecrãs), para, por exemplo, partilhar uma apresentação; na vertical em modo independente estendido, o que é muito popular entre programadores e prático para editar documentos longos; na horizontal, um formato mais adequado para quem trabalha em criação de conteúdos. No modo independente, cada ecrã pode ter a sua própria fonte de vídeo, permitindo que um utilizador trabalhe num portátil enquanto outro jogue numa consola, por exemplo.

Qualidade OLED

Os painéis OLED oferecem negros perfeitos, cores vibrantes e um contraste a tender para o infinito, proporcionando uma experiência visual imersiva para multimédia e entretenimento. Com um brilho de até 500 nits em HDR e uma gama de cores DCI-P3, o Zenscreen Duo MQ149CD garante uma precisão de cores elevada para edição de fotos e vídeos. Não é, no entanto, uma boa solução para gamers, já que a taxa de atualização está limitada a 60 Hz – pouco para jogos de ação.

Falha de energia

Apesar da funcionalidade e qualidade global, também encontramos algumas limitativas. Os painéis são muito refletivos, o que gera fadiga visual; o monitor não carrega o portátil através da ligação USB-C (não funciona como fonte externa), não há hub USB para ligação de outros periféricos; e a interface de configuração reage lentamente. Durante os testes, tivemos um problema quando estávamos a utilizar o monitor com um único cabo USB C (para dados e alimentação elétrica) configurado com o nível de brilho próximo do máximo e abrimos duas janelas totalmente brancas: o consumo de energia ultrapassou o máximo suportado pela ligação e ficámos sem imagem. A solução foi desligar e voltar a ligar o monitor. No entanto, este problema só acontece com uma conjugação de fatores rara e pode ser facilmente resolvido utilizando o adaptador de energia.

Veredicto

O Asus Zenscreen Duo MQ149CD é um monitor portátil inovador que oferece uma experiência de utilização única, combinando dois ecrãs OLED de alta qualidade num design compacto e versátil. A sua flexibilidade, qualidade de imagem e conectividade fazem deste periférico uma ferramenta para profissionais criativos, estudantes e qualquer pessoa que procure maximizar a sua produtividade em movimento. O preço alto é compensado pela elevada qualidade de construção, funcionalidade e qualidade de imagem. O valor da oferta é reforçado pela oferta do bom estojo de transporte, dos cabos (dois USB C e um HDMI para mini-HDMI).

Tome Nota
Asus ZenScreen Duo OLED MQ149CD – €609,90
www.asus.com

Qual. Imagem Muito bom
Funcionalidade Excelente
Consumo Muito bom
Conectividade Satisfatório

Características 2x ecrãs OLED 1920×1200 (16:10, 60 Hz) ○ brilho até 500 nits ○ 2x USB-C DP, USB-C energia, Mini-HDMI ○ 1,07 kg, 318x211x13 mm

Desempenho: 4,5
Características: 4,5
Qualidade/preço: 3,5

Global: 4,2

 

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Foi com um título repleto de simbolismo, Carta de Alforria, que Plutonio regressou aos discos em nome próprio, no final do ano passado, para mais um capítulo da história iniciada em 2013 com Histórias da Minha Life. Desde então, seguiram-se Preto & Vermelho (2016) e Sacrifício: Sangue, Lágrimas & Suor (2019), que confirmaram o rapper de ascendência moçambicana, natural do Bairro da Cruz Vermelha, em Cascais, como uma das atuais figuras de proa do hip-hop nacional.

O nome Carta de Alforria remete para o documento através do qual se concedia a liberdade aos escravos e, segundo o próprio, funciona assim como uma espécie de metáfora para o atual período da vida de Plutonio, que agora se sente “mais livre dos muitos obstáculos e sacrifícios tantas vezes presentes no passado e finalmente autónomo para se dedicar em exclusivo à arte.”

Logo no dia de lançamento, Carta de Alforria tornou-se o álbum de um artista português mais ouvido de sempre. em apenas um dia. a nível global; no álbum de um artista português mais ouvido de sempre, em apenas um dia, em Portugal; e o tema Interestelar foi o single de um artista português mais ouvido de sempre, num único dia, em Portugal. Poucos se podem gabar de ter chegado onde João Ricardo Azevedo Colaço, mais conhecido como Plutonio, chegou, tornando-se, por direito próprio, uma das vozes mais fortes do atual rap português.

Agora, é tempo de seguir em frente, rumo a um novo e cada vez mais brilhante futuro, que tem nesta estreia em nome próprio, na maior sala de espetáculos do País, a Meo Arena, um dos momentos mais altos, não só para Plutonio como para o próprio hip-hop nacional.

E se já antes se havia afirmado como um artista livre, nunca enredado em falsas fronteiras estilísticas e musicais, agora eleva essa fasquia ainda mais alto, moldando os três géneros que lhe são mais caros, hip-hop, trap e R’n’B, para os transformar num estilo cada vez mais reconhecível como o seu.

Plutonio > Meo Arena > Pq. das Nações, Lisboa > 28 fev e 3 mar, sex e seg 20h30 > €20 a €29

Segundo a mitologia grega, Parthenope é uma sereia submergida nas águas de Nápoles, que ao longo dos séculos enfeita a região com o seu espírito. Paolo Sorrentino, realizador napolitano de espírito inquieto, faz da sua Parthenope, acima de tudo, um ideal irresistível e insuperável de beldade. E o seu filme começa por ser isso mesmo: um ensaio sobre a beleza.

Porque, imagine-se, a beleza desta Parthenope é de tal forma irresistível que todos caem a seus pés, incluindo o irmão. O que tem toda a lógica, pois sendo sua beleza divina, só pode equiparar-se a algo que se pareça com um espelho. Afinal, como reza outro mito, o preço a pagar pela beleza extrema é, eventualmente, a impossibilidade de amar. Sorrentino segura bem o filme nessa primeira parte, em que parece querer levar o conceito de beleza suprema e irresistível a um limite – e, desse ponto de vista, o filme resulta, pois a figura e a interpretação de Celeste Dalla Porta, atriz em revelação absoluta, são mais do que convincentes.

Só que Sorrentino quer mais do que isso. Desenha uma personagem com todo o poder sedutor, mas que nem por isso toma partido da sua beleza de forma manipulatória. Além disso, é de uma inteligência enorme – ou não se tratasse de uma semideusa…

Como é habitual nalguns dos seus filmes, Sorrentino enfatiza a ação com grandes excessos e, por vezes, parece quase perder o controle – excessos menos controlados do que os do grego Yorgos Lanthimos (realizador de Pobres Criaturas). Neste caso, o filme ganharia se simplesmente levasse até ao fim a ideia de estudo sobre a condição feminina de uma mulher extremamente bela. Mas pelo caminho perde-se em episódios paralelos – alguns até de mau gosto, como a deriva noturna pelas ruelas de Nápoles pela mão de um mafioso. Do grande ensaio sobre a beleza que o filme parece propor, fica um espectro de memórias da juventude de uma personagem tão forte quanto intrigante, que chegou a ter o mundo a seus pés.

Parthenope > De Paolo Sorrentino, com Celeste Dalla Porta, Dario Aita, Antonino Annina e Margherita Aresti > 137 min

A música já se faz ouvir por aí, quer saia dos pandeiros, de outros instrumentos de percussão, de sopro ou de cordas. Depois dos ensaios, os blocos de Carnaval vão desfilar pelas ruas de Lisboa, trazendo o calor dos ritmos brasileiros. Haja alegria, que os programas variados não vão deixar ninguém indiferente e muito menos em casa.

Eis a agenda dos cortejos e festas até de madrugada para segunda e terça de Carnaval.

→ 3 mar, seg

Blocu

Bloco de Carnaval queer e eletrónico. Concentração Campo de Santa Clara > 16h

Rebola, Columbina!

A energia contagiante da Columbina Clandestina toma conta da Musa de Marvila. R. do Vale Formoso, 9 > 18h-5h

→ 4 mar, ter

Carnaval entre portas

Desfile entre Benfica e a Amadora, com o Bloco Bué Tolo (mistura ritmos que vão de sambas-enredo a clássicos do rock‘n’roll em versão carnavalesca) e a Banda Axé Babá, formada por músicos da Bahia. Concentração Parque da Granja > 14h

Batuca Boa: Baile de Carnaval

O Baile de Carnaval do bar Samambaia é na Padaria do Povo, em Campo de Ourique, com Fábio Allman, Banda Berimbau e a escola de ritmos brasileiros Batuca Boa. Padaria do Povo > R. Luís Derouet, 20A > 19h-23h > €15

Ao velho e eterno dilema entre manteiga e canhões, o general Frederik Vansina, chefe das Forças Armadas da Bélgica, deu na passada semana uma resposta que dispensa grandes interpretações: “Não estamos em tempo de guerra, mas é difícil afirmar que ainda estamos em tempo de paz. Estamos entre os dois.” Numa entrevista ao diário Le Soir, o prestigiado piloto-aviador alertou os seus compatriotas a “tomarem consciência” para os perigos que se adivinham e deu-lhes ainda alguns conselhos práticos, como o armazenamento de víveres, de água, de medicamentos, de dinheiro vivo, para o que der e vier.

Este militar, que não é conhecido por ser pessimista ou alarmista, evita conjeturar sobre cenários distópicos e ainda menos que o Kremlin provoque um apocalipse nuclear ou lance paraquedistas e tropas especiais sobre Bruxelas, à semelhança do que ocorreu há 1 100 dias em Kiev. No entanto, não descarta que haja cada vez mais ciberataques e fenómenos bélicos híbridos contra o seu país, que acolhe as principais instituições da União Europeia (UE) e serve também, desde 1967, de quartel-general da NATO (Londres e Paris foram anteriormente a sede política e administrativa da Aliança Atlântica).

Kiev Dezenas de governantes europeus deslocaram-se à capital ucraniana no terceiro aniversário da invasão russa Foto: Ukrainian Presidential Office Handout

Frederik Vansina está longe de ser o único comandante militar ou dirigente político a manifestar publicamente as suas apreensões sobre o atual momento que a Europa atravessa. Na última edição do Sunday Times, o secretário (entenda-se ministro) da Defesa do Reino Unido, John Healey, assina uma coluna de opinião em que destaca a necessidade de impedir a capitulação da Ucrânia perante a Rússia de Vladimir Putin: “As decisões que vierem a ser tomadas nas próximas semanas vão definir não apenas o futuro deste conflito, mas também a arquitetura de segurança global durante uma geração. (…) Nós sabemos que os ucranianos não temem a agressão russa. A única coisa que eles temem é a fadiga do Ocidente.” Para bom entendedor, ao governante britânico bastou-lhe aludir à reaproximação entre Washington e Moscovo, devido às simpatias e às atuais negociatas entre os presidentes dos EUA e da Rússia, que podem conduzir a um “cessar-fogo indigno” para o regime de Volodymyr Zelensky e criar “as condições para novos conflitos” no Velho Continente.

EXTORSÃO E CHANTAGEM

Uma tese que é partilhada pela generalidade dos líderes da UE e da NATO, nomeadamente os que se deslocaram na passada segunda-feira à capital ucraniana, para assinalar o terceiro aniversário da invasão russa, como foi o caso de António Costa, presidente do Conselho Europeu: “Todos nós queremos que esta guerra acabe. Que acabem a destruição e o sofrimento. (…) Putin quer dividir-nos. (…) A UE está disposta a fazer tudo o que for necessário para garantir a sua segurança e continuar a apoiar a Ucrânia. É por isso que convoquei um Conselho Europeu especial, a 6 de março.” O ex-primeiro-ministro português, que anunciou com a presidente da Comissão (Ursula von der Leyen) um pacote adicional de ajuda a Kiev no valor de 3 500 milhões de euros, não se conforma com o facto de Donald Trump estar a dialogar incondicionalmente com o Kremlin, com a Ucrânia e a UE a servirem de menu, em vez de estarem à mesa das negociações. A lógica mercantilista – há quem prefira o adjetivo transacional – do inquilino da Casa Branca leva-o a dizer que a paz pode ser alcançada “nas próximas semanas” e que Zelensky só tem de comparecer em Washington D.C. para assinar os papéis com as condições que já lhe foram ditadas: apresentar a demissão do cargo e convocar eleições nas quais fica proibido de se recandidatar; reconhecer as perdas territoriais para a Rússia (cerca de 20% da área total do país); oferecer aos EUA metade das receitas das riquezas minerais ucranianas (como recompensa pelo apoio desde 2022); abdicar da entrada na NATO; e ainda, salvo outras surpresas de última hora, o envio de soldados europeus para solo ucraniano, numa missão de manutenção de paz. Em jeito de pressão adicional, Trump já fez saber que a rede de satélites Starlink, essencial no esforço de guerra ucraniano e propriedade do seu amigo Elon Musk, pode ser desligada a qualquer momento. A isto poderia chamar-se extorsão e chantagem.

Como escreveria Tucídides, o historiador que nos relatou a guerra do Peloponeso, há 25 séculos, entre Esparta e Atenas, “os fortes fazem o que podem e os fracos suportam o que devem”. Francis Fukuyama, o politólogo americano que escreveu há três décadas O Fim da História e o Último Homem, acusa Donald Trump de ter cometido algo que classificou como “traição”, relativamente ao conflito na Ucrânia. Na plataforma digital Persuasion, apresenta um argumento simples: “Encontramo-nos a meio de um combate global entre as democracias liberais e os governos autoritários; e, nesta luta, os EUA mudaram de lado e juntaram-se ao campo autoritário.”

O tempo encarregou-se de lhe dar razão porque o seu artigo, publicado a 20 de fevereiro, antecedeu um momento histórico na Assembleia Geral da ONU. Na mesma data em que se cumpria o terceiro aniversário da invasão, na sede da organização em Manhattan, a Ucrânia apresentou uma resolução de três páginas a condenar a agressão russa e a solicitar uma paz justa e duradoura. Resultado: 93 votos a favor (quase todo o Ocidente, com exceção de Israel, Hungria e Eslováquia) e 18 contra, com os EUA a colocarem-se ao lado da Rússia, da Bielorrússia, do Irão, da Coreia do Norte e de outros regimes autocráticos. Era a prova de que Francis Fukuyama e Laurence Nardon, investigadora do Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI), precisavam: os Estados Unidos de Donald Trump são hoje adversários estratégicos e ideológicos da Europa e defendem o regresso das esferas de influência e do “imperialismo colonial”. Stephen M. Walt, professor em Harvard, é ainda mais radical: “Sim, a América é agora a inimiga da Europa”, título de um seu artigo na Foreign Policy.

SOCIOPATIAS NAZIS

Este pesadelo geopolítico, resultante do divórcio transatlântico, há muito que era esperado, caso Donald Trump vencesse as eleições de novembro e regressasse à Casa Branca. Há exatamente um ano, quando o candidato republicano se preparava para vencer as primárias e tomar de assalto o Partido Republicano, ameaçou “não proteger” nenhum aliado da NATO que gastasse pouco em defesa e deixar os russos fazerem “o que lhes desse na gana”.

Emmanuel Macron, o Presidente francês, defendeu então que a UE deveria enviar tropas para a Ucrânia e reforçar a sua capacidade de dissuasão frente à Rússia. A maioria dos governos dos 27 entendeu que uma tal iniciativa era prematura e exagerada. O governante mais popular da Alemanha, o social-democrata Boris Pistorius, que poderá esta primavera ser reconduzido como ministro da Defesa, admitiu na mesma altura que o seu país e qualquer outro Estado-membro da Aliança Atlântica corriam o risco de ser atacados pela Rússia, após o tabloide Bild revelar que os serviços secretos germânicos tinham reunido informações sobre essa eventualidade. Kaja Kallas, a então primeira-ministra da Estónia e atual chefe da diplomacia comunitária, também falou na hipótese de as tropas da NATO terem de enfrentar as suas homólogas russas no prazo de “três a cinco anos”.

Em Bruxelas, adotou-se a tática da praxe. Fazer contas e despejar dinheiro – 500 mil milhões, nos planos da Comissão até 2034 – para cima do problema, sem grandes efeitos concretos. Paradoxalmente, apesar dos sobressaltos populistas e das conversas sobre “autonomia estratégica”, “defesa coletiva” e “dividendos da paz” nas últimas oito décadas, ninguém parece ter levado muito a sério a possibilidade de o 47º Presidente dos EUA cumprir as suas promessas de acabar com as “guerras perpétuas” – à sua maneira. Em “24 horas” ou a sabotar o papel da UE e da Aliança Atlântica, tal como previam alguns relatórios do America First Policy Institute, o ultraconservador centro de reflexão (think tank) de que fizeram parte vários elementos da atual Administração, incluindo o general (reformado) Keith Kellogg, o enviado especial dos EUA para as questões da Ucrânia e da Rússia.

Desafio Londres e Paris admitem mobilizar uma força paneuropeia de 30 mil efetivos para a Ucrânia Foto: Martin Divisek/ LUSA

Desde 2022, em diferentes ocasiões, Volodymyr Zelensky falou na importância de a UE criar Forças Armadas conjuntas. Em rigor, não se trata de uma ideia recente. Em 1954, os membros fundadores da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (França, Alemanha, Itália, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo) criaram a Comunidade Europeia de Defesa, projeto que viria a fracassar por vontade do governo de Paris. Atualmente, Emmanuel Macron é um dos principais promotores da colaboração e da integração militar dos 27, junto de outros Estados europeus, em particular o Reino Unido (pelo seu arsenal nuclear) e todos os que já integram a NATO. Na prática, já poucos se opõem de forma clara a esse objetivo e ao velho adágio latino “si vis pacem, para bellum” (se queres paz, prepara-te para a guerra). Descontando Hungria e Eslováquia, pelos respetivos laços com o Kremlin, os países europeus sabem que têm de fazer algo e depressa porque, como escreveu Lenine, “há décadas em que nada acontece e há semanas em que décadas acontecem”.

Friedrich Merz, o futuro chanceler da Alemanha, o país da UE que mais (e pior) gasta com segurança e defesa, deu um claro sinal nesse sentido ao falar de “independência dos EUA” , mal se conheceram os resultados das legislativas antecipadas do passado domingo. No dia seguinte, 24, Emmanuel Macron visitou a Casa Branca e percebeu que bajular Trump já não basta. Veremos quais os efeitos da ida a Washington de Keir Starmer, o primeiro-ministro britânico, que não deverá perder a oportunidade de recordar as proezas alcançadas por Churchill e Roosevelt, ou Tony Blair e George W. Bush. Sucede que a “relação especial” entre os EUA e o Reino Unido tem vindo a definhar. J. D. Vance, o vice-presidente dos EUA que veio agora à conferência de Munique dar um sermão aos europeus em matéria de democracia e liberdade de expressão, descreveu, no verão de 2024, o velho aliado de Londres como o “primeiro país islâmico com armas nucleares”. Para a troca e sem preocupações protocolares, David Lammy, o chefe da diplomacia britânica, acusou Donald Trump de ser “um misógino, um sociopata com simpatias neonazis”. 

LAMBER BOTAS

Neste momento, Londres, Paris e Berlim, entre outras capitais, concertam posições para reduzir em tempo recorde a dependência militar dos EUA e, entre outras medidas, já admitem o envio de um contingente militar europeu, de 30 mil soldados, para a Ucrânia. É difícil que a missão corra bem. Dois prestigiados institutos de relações internacionais, o Bruegel, em Bruxelas, e o IfW, em Kiel (Alemanha), consideram que seria necessário mobilizar 300 mil homens para conter as tropas russas. Pior. Os países europeus não têm condições logísticas para cumprir essa tarefa, devido à falta de homens (todos se debatem com baixos níveis de recrutamento), de equipamentos (de drones a aviões-cisterna), a que se soma a tradicional incompatibilidade – ou interoperacionalidade – nos sistemas de armas. Nada como falar de casos concretos. Os britânicos, que chegaram a ter mais de 400 mil soldados durante a Guerra Fria, contam hoje, proporcionalmente à sua população, com as Forças Armadas mais pequenas desde o período napoleónico. Os franceses não têm aeronaves ou helicópteros que lhes permitam transportar efetivos em larga escala e durante períodos longos. Os militares alemães tornaram-se motivo de troça dos seus pares europeus devido ao carácter obsoleto de algumas unidades do Exército e da Força Aérea. Os italianos alegam que são necessários 800 mil milhões até ao final da década para compensar o fim do guarda-chuva bélico dos EUA.  

Daí que o IfW considere, num estudo assinado por Ethan Ilzetzki, que a Europa pode e deve endividar-se para garantir a sua Defesa, porque o investimento neste setor pode também permitir-lhe um crescimento do PIB na ordem de 1,5%: “O dinheiro destinado a fins militares pode coexistir com aquele com que se financia o Estado-providência, sem que haja canibalização recíproca.” Kishore Mahbubani, o prestigiado professor da Universidade de Singapura, escreveu que “tempos de desespero exigem medidas desesperadas”. E a sua proposta, feita na Foreign Policy, é desconcertante: “Primeiro, os europeus deviam anunciar a sua vontade de abandonar a NATO. (…) Se continuarem na Aliança Atlântica depois das provocações de Trump, dão ao mundo a impressão de que estão a lamber as botas a quem os pontapeia na cara.”

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O Exército israelita reconheceu esta quinta-feira o “fracasso total” para impedir os ataques do Hamas de 7 outubro de 2023, que mataram cerca de 1.200 pessoas no sul de Israel, revelam os resultados de uma investigação militar agora divulgados.

O relatório conclui que o Hamas conseguiu realizar naquela data o ataque mais mortífero da história de Israel, porque o Exército avaliou mal as intenções do grupo islamita palestiniano e subestimou as suas capacidades.

A investigação militar interna israelita descreve que os ataques ocorreram em três vagas sucessivas e que mais de cinco mil pessoas atravessaram a fronteira da Faixa de Gaza para o sul de Israel naquele dia.

“A primeira vaga […] incluiu mais de mil terroristas da Nukhba [unidade de elite do Hamas] que se infiltraram sob a cobertura de fogo pesado”, referiu um resumo da investigação fornecido pelo Exército.

A segunda vaga incluiu dois mil combatentes e a terceira foi caracterizada pela chegada de outras centenas, bem como de vários milhares de civis.

“No total, aproximadamente cinco mil terroristas infiltraram-se em território israelita durante os ataques”, referiu a investigação interna.

O Exército “não podia imaginar” um cenário como o de 7 de outubro, comentou um dos seus oficiais à agência France-Presse (AFP) a propósito das conclusões hoje reveladas.

O mesmo oficial disse que os combatentes palestinianos liderados pelo Hamas apanharam Israel de surpresa, não só pela escala e alcance dos ataques, mas também pela sua brutalidade.

“Muitos civis morreram nesse dia a perguntar-se no seu coração ou em voz alta onde estava o Exército israelita”, acrescentou.