Com a avó materna doente com demência, Hope Woodard voltou à zona rural do Tennessee, nos Estados Unidos da América, onde cresceu, para passar algum tempo com ela. Nessa visita, percebeu que a avó continuava a enviar mensagens de texto para o seu marido, mas ficava irritada quando ele não respondia, sem conseguir lembrar-se de que o marido tinha morrido.

“A minha mãe tentou ajudar a minha avó, mas a resposta veio em gritos: ‘Não preciso de ninguém para cuidar de mim, exceto de um homem.’” Ao mesmo tempo, a comediante de 28 anos, estava a recuperar de uma relação com um rapaz que conheceu no Hinge, aplicação de encontros, e que morava em Londres. Preocupava-a que os seus comportamentos a levassem pelo mesmo caminho da matriarca.

Estava sempre a verificar as mensagens no telemóvel, mas ciente de que ele nunca iria importar-se com ela. “Venho de uma longa linhagem de mulheres que nunca conseguiram viver sem homens. Estou a ser um fantasma de um homem e a minha avó do seu marido literalmente morto. Pensei: ‘Tenho de parar o ciclo’”, revelou à Cosmopolitan.

Este foi o gatilho de que Hope Woodard precisava para decidir fazer uma pausa. Durante um ano, comprometeu-se a não espiolhar as aplicações de encontros, desativando-as, a não sair com homens recém-conhecidos, nem com ex-namorados, abdicando de afetos e de relações amorosas. “A troca de afetividade e o apoio emocional de pessoas próximas, inclusive relações de namoro, são importantes para o bem-estar e o desenvolvimento emocional. Aplica-se a todas as relações próximas ao longo da vida”, lembra Patrícia Pascoal, psicóloga clínica e professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e na Universidade Lusófona.

Os 12 meses seguintes seriam de abstinência de romance, namoro e relações sexuais, investindo antes em amizades e no seu novo espetáculo de stand-up comedy, em que fala de fazer reset aos padrões que até agora a tinham prejudicado, incluindo os que foram transmitidos de geração em geração. Mas terá sido “o tempo que anteriormente era gasto em aplicações de encontros, por exemplo, diretamente transferido para incrementar a qualidade das relações? Não sabemos”, responde a psicóloga clínica.

No Purgatory, palco noturno no bairro de Bushwick, em Brooklyn, Nova Iorque, Hope Woodard conseguiu juntar uma “grupeta” abaixo dos trinta, jovens nascidos entre 1997 e 2010, ávidos por a ouvirem numa espécie de culto feminino, aumentando a legião de mais de 600 mil seguidores no TikTok e no Instagram, sob o nome “justhopinalong”.

Hope Woodard considera-se uma pessoa positiva em relação ao sexo, chegando a assumir: “Amo orgasmos femininos.” Mas quando olhou para trás e inventariou a sua vida amorosa, percebeu que, desde o jardim de infância, tinha sempre um namorado.

A expressão #boysober, batismo da irmã de Hope, pode ser confundida com celibato, mas é mais do que isso. É aprender a dizer “não” e a ter controlo sobre o corpo, a desintoxicar de maus relacionamentos. É nessas alturas que muitas destas mulheres, na sua maioria heterossexuais, percebem que as relações sexuais tidas e mantidas nos últimos anos nem sempre foram as desejáveis, ficaram aquém das suas expectativas e foram, na verdade, um desperdício de energia.

Mais do que ser uma hashtag para sexo e relacionamentos, pode, antes, ser vista e aplicada para classificar um tema da saúde mental.

Cultura sexual machista

Hope Woodard não é celibatária e odeia a palavra. “A palavra celibatário, para mim, não transmite poder, dá um cinto de castidade. Dá cultura de pureza”, disse a comediante ao The Washington Post. Ela virou-se para o sexo e para o álcool para a ajudar a lidar com a separação da sua família. Um emaranhado de vergonha e distração que também caracterizou o sexo e as relações com homens – ambos se tornaram um vício.

“Sinto que ainda estamos a aprender a fazer sexo de formas mais saudáveis. Quero que as mulheres se sintam ‘empoderadas’ quando estão a namorar e a ter relações sexuais”, desejou Hope na Cosmopolitan.

“Se se sente esgotado pelo namoro, talvez seja o momento de fazer uma pausa. Concentre-se no que adora fazer e nas pessoas que importam na sua vida. Quando se sentir mais confiante, tende a começar a namorar de um ponto de partida diferente. Sabe o que está disposto a tolerar”, constata Natasha Silverman, conselheira de relacionamento da empresa britânica Relate, acrescentando que as pessoas costumam usar o namoro e o sexo “compulsivamente, ou para entorpecer sentimentos negativos ou baixa autoestima”.

Esta reformulação da definição de celibato pela Geração Z não é sobre atribuir aos homens a culpa pelos horrores do namoro moderno, neste caso, sinónimo de relações iniciadas nas aplicações de encontros.

Estes 365 dias de abstinência irão ajudar as mulheres a aprender a escolher melhor, consoante as características físicas primeiro, comportamentais em segundo. É reaprender a perder menos tempo a deslizar o dedo nessas apps, a enviar e a receber mensagens evasivas, fazendo uma purga a tudo o que é supérfluo e prejudicial.

É complicado quando muitos encontros giram em torno da hook-up culture, a cultura de encontros sexuais casuais.

Para Louise Perry, autora do livro O Caso Contra a Revolução Sexual, “a influência e a disponibilidade da pornografia tiveram um efeito realmente destrutivo na cultura sexual”. Segundo as suas pesquisas, “a maioria das mulheres não tira muito proveito do sexo casual. O problema é que, como a nossa cultura sexual é orientada para um estilo de sexualidade mais masculino, muitas jovens mulheres, em particular, não se sentem capazes de exigir algum tipo de compromisso aos parceiros. Um número crescente está mesmo a optar por sair completamente da cultura sexual.”

O desejo de parar de namorar – mesmo que seja apenas temporariamente – também reflete a mudança de atitude em relação ao amor e às relações. O casamento e o conceito de alma gémea estão cada vez mais ultrapassados, enquanto o autoconhecimento e a construção de amizades mais fortes assumem importância.

“Ainda que as pessoas solteiras sejam globalmente alvo de alguma discriminação, é importante perceber que a idade e a fase da vida têm aqui um papel determinante, pois há faixas etárias em que estar solteiro, ou não ter uma relação de compromisso, se associa ao investimento na estabilização ou na ascensão profissional. A qualidade de vida e o bem-estar das pessoas solteiras dependem da importância que dão às relações amorosas estáveis e à rede social que têm”, analisa Patrícia Pascoal.

De acordo com uma pesquisa da aplicação Bumble, quase metade (47%) dos jovens entre os 18 e os 24 anos no Reino Unido dizem que as amizades são mais importantes do que as relações românticas.

Sexo, mas mau

O namoro iniciado a partir das aplicações de encontros tornou-se propício à toxicidade. A troca online de fotografias sedutoras passou a ser terreno fértil para assédio, abuso e agressão. Lisa Portolan, professora convidada na Universidade de Tecnologia de Sydney, na Austrália, e autora de vários livros, incluindo Amor, Intimidade e Namoro Online: Como uma Pandemia Redefiniu as Relações Românticas, de 2020, liderou uma pesquisa sobre o uso de aplicações de encontros e intimidade, em que a maioria das mulheres assumiu que já tinha enfrentado violência facilitada pela tecnologia, incluindo comportamento abusivo, receber imagens sexuais não solicitadas e pedidos de fotografias da sua nudez, marcações de encontros com falsos interessados, agressores e perseguidores.

A expressão #boysober pode ser confundida com celibato, mas é mais do que isso. É aprender a dizer “não” e a ter controlo sobre o corpo, a desintoxicar de maus relacionamentos

Um dos benefícios do boy sober é dar às mulheres a oportunidade de refletir sobre o que realmente desejam para a sua intimidade. Também liberta espaço cerebral valioso. É hora de se concentrarem em si mesmas, nos seus gostos, passatempos e interesses. Criar espaço para reforçarem a autoestima, canalizar a energia, seja na carreira profissional, seja nas amizades.

“As apps são uma forma prática de explorar diferentes formas de relação e podem ser o primeiro passo para relações de compromisso. Mas pode, de facto, haver sofrimento associado à sensação de rejeição e, em alguns casos, incongruência nas expectativas”, alerta Patrícia Pascoal.

É, sem dúvida, um mundo onde a mulher ainda é dominada e enganada – encontrarem o mesmo homem em diversos portefólios online é recorrente. Hoje, os jovens não estão a usar tanto aplicações de encontros como Tinder, Hinge, Bumble ou Grindr, que perderam 594 mil utilizadores, 131 mil, 368 mil e 11 mil, respetivamente.

Em contrapartida, sobe a popularidade de plataformas que agregam pessoas com os mesmos interesses, como Strava (exercício físico, incluindo atividades indoor) e Letterboxd (cinema). Vence o conceito social first, com base na autenticidade. E na desintoxicação de certas masculinidades que ainda prevalecem

Ensaiando as palavras
O maestro Sérgio Peixoto coordena o coro de cinco elementos, enquanto ensaiam num espaço da Dona Ajuda, uma IPSS de Lisboa. Em baixo, vemos uma glosa, que serve como pauta dos gestos da Língua Gestual Portuguesa

A essência de um coro
Antes do Concerto de Reis, no Palácio Fronteira, em Lisboa, fazem-se as últimas afinações dos gestos. Em baixo, os cinco elementos do coro, Cláudia Dias, Patrícia Carmo, António Cabral, Débora Carmo e Carlos Gonçalves, mostram-nos os ingredientes da sua arte

Trabalhando para o público
Sofia Figueiredo, intérprete de Língua Gestual Portuguesa, acompanha o coro e vemo-la aqui durante o Concerto de Reis, no Palácio Fronteira. Em baixo, já se ensaia para o concerto de tributo aos Coldplay que teve lugar no Coliseu dos Recreios, a 13 de fevereiro

Começar o ano
A Sala das Batalhas do Palácio Fronteira encheu-se para o Concerto de Reis, no dia 11 de janeiro. Um mês depois, um dos pontos altos do percurso do coro, no tributo aos Coldplay, no Coliseu dos Recreios

“I’m Falling in Love”
Coliseu dos Recreios, 13 de fevereiro. No espetáculo dos Vocal Emotion de tributo aos Coldplay, esta foi a canção interpretada pelo coro Mãos que Cantam. O videoclipe original do tema inclui a Língua Gestual Inglesa

Manter a pressão sobre a Rússia e lançar as bases de uma coligação militar para a manutenção da paz na Ucrânia foram as duas ideias mais fortes saídas do encontro online promovido, neste sábado, 15, pelo primeiro-ministro britânico, Keir Starmer.

Com a presença da NATO, da União Europeia (UE), do Canadá, da Austrália e da Nova Zelândia, além de vários líderes de países europeus, entre os quais Luís Montenegro, Volodymyr Zelensky ouviu mais de duas dezenas de interlocutores vincarem a necessidade de empurrar Vladimir Putin para o acordo de cessar-fogo gizado entre EUA e Ucrânia.

“A Rússia deve agora demonstrar a sua disponibilidade para apoiar um cessar-fogo que conduza a uma paz justa e duradoura”, afirmou a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, nas redes sociais, agradecendo a Starmer pela iniciativa.

António Costa, que participou na videoconferência desde Lisboa, reforçou esta posição da UE. “Agora, a Rússia precisa de mostrar real vontade política para acabar com a guerra”, escreveu o Presidente do Conselho Europeu, na rede social X, sublinhado a intenção de “fortalecer” a Ucrânia na mesa das negociações, tendo em vista o fim do conflito, “através de apoio político, financeiro e militar”.

Segundo adiantou Keir Starmer, o grupo decidiu avançar para uma fase operacional, tendo ficado agendada para a próxima semana, em Londres, uma reunião entre representantes das forças armadas dos países que se mostraram disponíveis para integrarem um contingente de manutenção de paz no terreno, como é o caso de Reino Unido, França ou Austrália. É o momento de esta “Coligação de Interessados”, como lhe chamou, “estabelecer planos fortes e sólidos para apoiar um acordo de paz e garantir a futura segurança da Ucrânia”, considera o chefe do Governo britânico.

Na rede social X, Zelensky instou à criação o quanto antes daquilo que apelida de “base das futuras Forças Armadas da Europa”, de modo a alcançar uma paz “mais segura” e duradoura, “com os americanos como apoio”.

O chanceler alemão ainda em exercício, Olaf Scholz, também presente no encontro à distância, insistiu na ideia de que “cabe agora à Rússia pôr termo aos seus ataques diários às cidades ucranianas e às infraestruturas civis e enveredar finalmente pelo caminho de uma paz duradoura e justa”, deixando a garantia de que a Alemanha continuará firme no apoio a Kiev até o objetivo ser concretizado.

Queijo camembert, meias mal cheirosas, coelho morto, excrementos de cão. Ernestino Maravalhas, 64 anos, tem seguido as melhores práticas odoríficas internacionais para atrair a borboleta-imperador (Apatura iris), mas não há meio de a avistar. As incursões na Mata de Albergaria, no Gerês, última localização conhecida em Portugal, não resultaram, assim como as mais recentes buscas junto de salgueiros velhos, sugeridas por um especialista espanhol, se revelaram infrutíferas, lá mais para o lado de Montalegre, na região do Barroso.

“Há uma ânsia muito grande em encontrá-la, porque poderá vir a ser a primeira borboleta declarada extinta no nosso país”, admite o autor do livro Borboletas de Portugal, editado em 2003 como o primeiro guia de campo sobre estes insetos de rara beleza.

Ernestino acredita ter visto uma Apatura iris nos cada vez mais longínquos anos 80, mas ficou na dúvida se não seria a “irmã” borboleta-imperador-pequena (Apatura ilia), bem mais comum. Isso significa que o último registo confirmado em Portugal tem quase 100 anos. Ainda assim, inclina-se para a hipótese de ninguém a ter procurado no sítio certo. “Portanto, a nível nacional, não há extinções detetadas”, garante este autodidata que, desde 1977, identifica e cataloga diferentes espécies de borboletas presentes no País. “Agora, no final dos anos 70 e no início dos 80, havia uma riqueza em abundância muito maior.”

A perceção no terreno deste natural do Porto, que se mudou durante a pandemia para Boticas, em Vila Real, reflete uma tendência que parece estar a tornar-se global. Nos Estados Unidos da América, uma meta-análise com dados de 12,6 milhões de borboletas, distribuídos por 35 programas de monitorização, concluiu que, entre 2000 e 2020, o país perdeu 22% do total de indivíduos. Divulgado na revista Science, na passada quinta-feira, 6, o estudo revela ainda que, das 554 espécies avaliadas, 107 perderam mais de metade das populações, enquanto apenas 3% se tornaram mais numerosas.

Na Europa, o quadro não é mais animador. Em países que estudam o fenómeno há décadas, a tendência decrescente é ainda mais flagrante. Desde 1976, no Reino Unido, as borboletas caíram para cerca de metade, embora se mantenham 92% das espécies. Nos Países Baixos, 20% das espécies desapareceram desde 1990, com redução de 50% do universo total.

Os grandes inimigos

“Não tenho dúvida de que as populações estão a diminuir”, atesta a bióloga Patrícia Garcia-Pereira, fundadora e presidente do Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal, ainda sem poder avançar com dados detalhados sobre o panorama nacional. Por cá, a contagem de borboletas de forma sistematizada só arrancou há cinco anos e será preciso aguardar outros tantos para ser legítimo estabelecer pontos de comparação, justifica.

A também investigadora externa do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa aponta a perda dos habitats como a principal causa para o declínio, lembrando que “só temos borboletas se tivermos as plantas que as alimentam em estados imaturos, ou seja, enquanto lagartas, e uma vez que cada lagarta só come determinado tipo de plantas, há uma relação com a diversidade da flora existente num certo local”. Reciprocamente, sem insetos, como as abelhas e também as borboletas, polinizadoras de primeira linha, não há renovação dessa flora, “a base de toda a cadeia alimentar do ecossistema”.

Os “inimigos” desses habitats naturais estão bem identificados. Vão desde a industrialização à urbanização das cidades, passando pela agricultura intensiva e o uso de pesticidas, a que se juntam as alterações climáticas. “E agora temos os parques solares”, adiciona Patrícia Garcia-Pereira, que diz ser possível um maior equilíbrio com a Natureza.

Paleta Acobreada-ibérica (Lycaena bleusei); grande-pavão-noturno (Saturnia pyri); nêspera-dos-lameiros (Coenonympha glycerion); fritilária-do-sul (Melitaea aetherie), em cima; cauda-de-andorinha (Papilio machaon); elefante-pequeno-noturno (Deilephila porcellus); apatura-pequena (Apatura ilia); maculínea (Phengaris alcon), em baixo

Face a tantos Golias, a presença de borboletas tornou-se um indicador de biodiversidade e do estado do ambiente na União Europeia, por exemplo “para informar os decisores políticos e fundamentar políticas como a Estratégia Europeia para a Biodiversidade, a Política Agrícola Comum ou a Lei do Restauro da Natureza”, nota Helena Ceia, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

Interessado em estudar a evolução das borboletas em Portugal, em 2019, o ICNF aliou-se à associação Tagis para cobrir o máximo de território nos chamados transectos, percursos fixos de cerca de um quilómetro, a que qualquer pessoa pode aderir, com o propósito de contar e identificar estes seres voadores coloridos.

Sob a coordenação da Tagis, a ciência-cidadã, composta por mais de 100 voluntários, une-se a dezenas técnicos do ICNF para tirarem o retrato ao País em cerca de uma centena de percursos, idealmente uma vez por semana e, no mínimo, dez vezes por ano, alinhados com as regras de monitorização internacionais. Excluindo as expedições, Patrícia Garcia-Pereira segue sempre o seu trilho perto de casa, em Avis, até à Barragem do Maranhão.

As alterações climáticas

Contam-se 139 espécies de borboletas diurnas em Portugal e mais de 2 500 noturnas, ou “noturídeas”, como Ernestino Maravalhas gosta de as apelidar. Muitas fontes resumem-nas a traças, o que está longe de ser verdade. Há tão ou mais bonitas a voar à noite, como se pode observar por alguns dos exemplares que ilustram estas páginas. E são também muito eficazes enquanto agentes polinizadores. O menino que aos 8 anos se deixou “maravilhar por uma borboleta-cauda-de-andorinha”, em Matosinhos, tem agora armadilhas à porta de casa, em Boticas, para apanhar e fotografar as que se movem pela calada da noite.

Reformado do setor dos seguros, Ernestino anda, entre outros projetos relacionados com a fauna e a flora local, mais ocupado com a maculínea (Phengaris alcon), por ele considerada “a borboleta mais ameaçada que existe em Portugal”. Numa colaboração com o Laboratório de Ecologia Fluvial e Terrestre da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, querem restabelecer-lhe o habitat, na Bacia Hidrográfica do Tâmega, mas não está fácil.

Apesar de os ecossistemas de várias localizações conhecidas não mostrarem alterações, elas estão a desaparecer. “É esta mudança climática”, atira Ernestino Maravalhas. O pastoreio do gado bovino fora de época “estraga os matos húmidos onde a maculínea se desenvolve”, os desvios de água de barragens e afins só atrapalham e “choveu pouco nos últimos três anos”.

Já a acobreada-ibérica (Lycaena bleusei) é agora presença assídua em terras mais altas, para escapar à subida da temperatura, coisa nunca vista no passado por aquelas bandas do Barroso. E quanto à borboleta-imperador (Apatura iris), tão gulosa por estranhos odores, Ernestino deixa a promessa: “Este ano, vamos lá voltar.”

Palavras-chave:

Uma cremação não termina em cinzas. No fim, restam apenas os resíduos dos ossos calcificados que seguem para a trituração. O processo completo demora cerca de uma hora e meia, em que tenho de estar atenta à câmara de combustão, verificar se o queimador está a funcionar, controlar as altas temperaturas, acima de mil graus centígrados, através de um mecanismo com botões.

O meu irmão também é coveiro, mas nem posso tirar grandes dúvidas com ele, porque este forno não é igual ao do cemitério onde ele trabalha. Lá têm um computador e nós temos um “dinossauro”.

Todos os dias realizam-se vários enterros e entre três e cinco cremações, e quando não estou no crematório faço as limpezas do cemitério, com sopradores e roçadoras ou a varrer as ruas. É um trabalho muito físico. Embora não tenha de o fazer, sei a base para escavar uma sepultura, mas nas cremações também tenho de ter arcaboiço para ajudar a carregar o caixão para a transportadora – ainda ontem o caixão pesava 168 quilos.

Depois de 18 anos como cozinheira, quis mudar de ramo por questões financeiras. Quando me inscrevi em vários concursos para entrar na Câmara Municipal de Lisboa, este, para assistente operacional coveira, foi o primeiro e o mais rápido a aceitar-me. Não hesitei, o meu irmão também me incentivou, disse-me que não era nada daquilo que se pensa, não era estranho e era tranquilo. O meu marido, que é operador de call center, só me perguntou se eu tinha a certeza da mudança. E as minhas filhas [de 19 e 21 anos] acham imensa piada e dizem aos amigos, com orgulho: “Olha que a minha mãe é coveira!”

As pessoas ficam um bocado assustadas com a palavra cemitério, mas não era o meu caso. Não é a mesma coisa que trabalhar num jardim. No inverno, temos roupa para andar cá fora ao frio e à chuva, no verão, com o calor, é horroroso. No entanto, os turistas vêm aqui passear, os vizinhos vêm passear os cãezinhos e trazem as crianças como se fosse realmente um jardim.

“O cheiro foi o maior choque inicial”

Esta profissão foi totalmente nova para mim. Tive de aprender a criar mais empatia para quando estou a acompanhar os funerais. Tenho de lidar com os familiares e eles têm muitas dúvidas sobre como é a cremação. Há muitas pessoas que ainda acham que nós abrimos o caixão e tiramos os corpos lá de dentro, porque desconfiam da profissão.

Não sei dizer de onde é que vem o preconceito, mas que há, há. Os colegas diziam: “Mais uma mulher para aqui? Precisávamos era de um homem com força.” Entrei com confiança, percebo que isto é um mundo de homens, mas vim aqui para trabalhar e ponto final.

Cada vez que digo sou coveira, ouço: “Credo!” É o mais normal que me dizem sempre. Credo porquê? É um trabalho que tem de ser feito e eu faço. Infelizmente, em algumas cremações, temos pessoas que estão ali a olhar para nós de lado, como se tivessem nojo. Mas sou eu que estou a tratar do seu ente querido, para lhes entregar as cinzas.

Aprendi a ser muito mais tranquila. A maior diferença que senti quando troquei a cozinha do restaurante pelo cemitério foi a calma e o silêncio. Ganhei qualidade de vida, menos horas de trabalho. Na cozinha eram 12 horas, a sair de noite tarde e a entrar de manhã cedo; aqui são sete, também com turnos, das sete às 15 ou das 11 à 19 horas, mas o ordenado melhorou, ganhei estabilidade financeira.

Em funerais grandes, com mais gente, a herança é o assunto que vem logo à baila. Também já tive de fechar as portas do crematório para impedir uma senhora que queria, à força, entrar. Dizia que era “para ver o marido a arder nas chamas do inferno”

O cemitério tem cheiros diferentes. Imagine um jazigo cheio com corpos muito antigos, ainda dos finais do século XIX, e agora a família quer ter algum espaço para os novos mortos. É preciso fazer a exumação, abrir a sepultura e retirar os restos – é um cheiro que não sei descrever, não se parece com nada… Não é enxofre, é mais parecido com ovos podres, mas 30 vezes pior. Ao início, parecia que se entranhava na roupa e na pele, mas já não me faz diferença, já é tolerável.

O cheiro foi o maior choque inicial, pior do que o lado visual, como ter de espreitar para dentro do forno para ver em que fase vai a cremação. É muito mais impressionante do que corpos carbonizados que vemos nos filmes. A única situação que me faz ir para casa muito em baixo são os funerais de bebés. Infelizmente, já fiz quatro cremações de bebés e ver a dor dos pais é surreal. O sofrimento daquelas pessoas é muito pior do que o dos outros funerais. Nessas alturas, o meu pensamento é que Deus é injusto. E o pior é ter de explicar aos pais que a cremação de um bebé não dá cinzas, porque é um corpo muito pequenino, sem ossos, só com cartilagens.

Temos de criar mecanismos de defesa. Ganhamos uma armadura, mas temos de ter força de vontade para criar esse escudo, para ser forte emocionalmente. Às vezes, desligo um pouco e penso em coisas práticas da minha vida, como o que vou fazer para o jantar ou se as minhas filhas vão estar em casa, para me distrair daquele sofrimento, porque não posso estar sempre emocionada.

Também já apanhei grandes sustos, quando os meus colegas saltam do meio dos jazigos, e já assisti a episódios insólitos que nos dão muita vontade de rir. Num funeral com apenas três pessoas a assistir, a irmã, o cunhado e o filho do morto, entrou um senhor aos gritos pelo cemitério adentro a dizer que o falecido era o seu marido. Os familiares sabiam, mas não o queriam por perto. Foi num instante que marido e cunhado acabaram numa cena de pancadaria.

Em funerais grandes, com mais gente, a herança é o assunto que vem logo à baila. Também já tive de fechar as portas do crematório para impedir uma senhora que queria, à força, entrar. Dizia que era “para ver o marido a arder nas chamas do inferno” e outra avisou-me: “Você não tire os sapatinhos ao meu marido, são uns ténis Nike.”

Depoimento recolhido por Sónia Calheiros

A mensagem que passa nos anúncios publicitários aos suplementos alimentares é, sem dúvida, bastante apelativa. São “combinações únicas de minerais e vitaminas”, que “garantem o funcionamento cognitivo, prevenindo o declínio e a demência”. Também prometem “reduzir o cansaço e a fadiga” e “ativar a memória”, bem como evitar “alterações do sistema nervoso”, estimular a “absorção de cálcio e fósforo para a manutenção dos ossos” e atrasar “o processo degenerativo e inflamatório da cartilagem”.

Quem não gostaria de rejuvenescer o corpo e a mente com a simples toma de uma cápsula, um comprimido ou um granulado? Convincente e tentadora esta fórmula antienvelhecimento que não exige grande esforço por parte de quem se sente a perder a vitalidade, com a imunidade periclitante e a constante ameaça de uma terceira e quarta idades em decadência.

“A novidade são as condições climatéricas. Tivemos até um excesso de mortalidade no verão, quando antes tínhamos o excesso de mortalidade associado às infeções respiratórias do inverno. Recentemente, tivemos temperaturas com uma variação térmica incrível, noites com 17 graus e o dia com 34 graus”, exemplifica Rui Nogueira, médico de medicina geral e familiar.

O calor extremo está realmente mais letal. Em 2022, o verão na Europa provocou 61 672 mortes prematuras em 35 países, um aumento de 41% de óbitos, atribuído às altas temperaturas, quando comparado com o período entre 2015 e 2021. A maioria das mortes ocorreu em países mediterrânicos: 18 010 em Itália, 11 324 em Espanha e 2 212 em Portugal.

Uma questão de fé

Depois da reforma, são várias as características físicas perdidas por quem fica mais tempo em casa, sem objetivos bem definidos. O especialista em medicina geral e familiar elucida: “Da mesma maneira que se desgastam outras capacidades cognitivas e físicas, como a acuidade auditiva e visual, também se perde a capacidade de sentir sede; dá-se a diminuição das defesas, reduzindo a capacidade de fazer febre quando há infeções; perde-se massa muscular… e, portanto, tudo entra num círculo vicioso de degradação progressiva.” Como se contraria isto? Com “atividade física”.

Chegados a setembro, muitos reforçam a vitamina C para prevenir as constipações da época; quando estão cansados, investem em ampolas de magnésio para ganhar energia e, se for a geleia real, considerada um superalimento, julgam recuperar a vitalidade. Promessas que, na opinião de Rui Nogueira, é preciso desmistificar. “Não há frasquinhos milagrosos. Basta fazer uma dieta equilibrada, em que entram a fruta e os legumes, comer poucos alimentos de cada vez para ter digestões fáceis e praticar atividade física. Quem faz uma vida normal, com uma alimentação equilibrada e atividade física diária, não precisa de suplemento vitamínico nenhum. Só por uma questão de fé”, sublinha o ex-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar.

A toma de suplementos por pessoas saudáveis deve ter sempre orientação médica, pois, em excesso, tem efeitos secundários e até graves. “De modo geral, podem provocar náuseas, vómitos, diarreia, prisão de ventre, irritabilidade, alterações da função renal, aparecimento de cálculos renais. Os sintomas de intoxicação por polivitamínicos em excesso são muito variados”, avisa João Gorjão Clara, professor catedrático de Geriatria e fundador da Associação dos Médicos dos Idosos Institucionalizados.

Em casos de défice de vitamina D (característica genética dos portugueses, com prevalência superior à média europeia, segundo o estudo Vitacov), de atrofia muscular (como aconteceu depois dos confinamentos) ou em vegetarianos com défice de vitamina B12 (presente em ingredientes de origem animal), por exemplo, o médico jubilado poderia aconselhar vitaminas e suplementos proteicos, mas “nunca devem ser tomados indiscriminadamente”, já que “não são inócuos”, avisa.

Cuidado com o doce

Apesar de as necessidades energéticas dos mais velhos serem menores, não vale fazer refeições só de torradinhas ou sopinhas de leite, só de canja ou de fruta, só de sopa ou de pão e queijo. Muito menos abusar dos doces. “Um gosto reforçado pelo doce desequilibra a dieta, ao ingerirem hidratos de carbono de absorção rápida, presentes em alimentos refinados e processados, como bolos, biscoitos, bolachas. Faz falta a proteína da carne (duas vezes por semana), do peixe e do ovo. Tudo ingerido em quantidades pequenas, para não implicar depois nas funções renais, pois os rins sofrem com excesso de proteína. Também há gorduras simples necessárias, como a do leite, queijo fresco, requeijão, iogurtes e azeite cru”, explica Rui Nogueira.

A recomendação da Direção-Geral da Saúde para os maiores de 60 anos é a ingestão diária, em média, de 1 950 calorias, de preferência distribuídas por várias refeições ligeiras ao longo do dia. Se insistirem em tomar suplementos vitamínicos, saibam que “são excretados pelos rins”.

Algumas das perdas de boas qualidades começam antes mesmo de se ser sexagenário. A diminuição da capacidade de concentração, a memória fugidia, a audição a falhar e a visão a precisar da bengala dos óculos, mais o início da degeneração óssea, sobretudo nas mulheres, durante a menopausa. Em Portugal, contabilizam-se 680 mil doentes com osteoporose e oito fraturas por fragilidade óssea por hora. “A perda de massa óssea começa a partir dos 30 anos. Mas, nas mulheres, acelera um pouco mais do que nos homens a partir dos 50. É a altura em que perdem estrogénios, hormonas necessárias para a absorção e construção da massa óssea. Quando se perdem as menstruações muito precocemente, aí sim, justifica-se um suplemento, que não é suplemento de cálcio para tomar de forma arbitrária; é mesmo um tratamento”, alerta Rui Nogueira.

Aliás, não sendo os suplementos alimentares ou vitamínicos classificados como fármacos, não é possível o Infarmed intervir na forma de divulgação destes produtos, cada vez mais disseminados no espaço publicitário. “Fico mais triste por serem figuras públicas a falar do que não sabem do que as pessoas ficarem iludidas com o alegado resultado”, lamenta o médico. E acrescenta: “A lista de ingredientes é composta por quantidades mínimas, que não fazem nem bem nem mal. São quantidades que não são prejudiciais. É só para tomar com fé.”

(Artigo publicado na VISÃO Saúde nº33 de dez 23/jan 24)

Em resposta aos jornalistas, Luís Montenegro disse que entregou “toda a documentação” que lhe foi pedida sobre a sua casa de Espinho e criticou quem procura fazer “deturpações”. “Eu sei que há tentativas de reeditar notícias antigas e requentadas. Eu estou muito à vontade, muito tranquilo, cumpri sempre as minhas obrigações e também dei resposta às solicitações que me foram feitas”, assegurou.

As suas declarações surgem na sequência de uma notícia do jornal Expresso, que adianta que uma inspetora da Polícia Judiciária escreveu ao primeiro-ministro – em julho do ano passado – mostrando-se disponível para receber a “documentação pertinente”. Montenegro respondeu cerca de uma semana depois, garantindo estar inocente de qualquer suspeita e sublinhado que não teve acesso a benefício fiscal que não tivesse sido atribuído nos mesmos termos de qualquer cidadão e sempre “por intervenção e/ou decisão de autoridades competentes [Câmara Municipal de Espinho e Autoridade Tributária]”. “Embora tenha muita da documentação que sustenta a afirmação anterior, ninguém melhor do que essas entidades a pode facultar e explicar”, disse.

O primeiro-ministro demissionário, presente na Better Tourism Lisbon Travel Market (BTL), clarificou ainda algumas questões sobre a sua relação com Marcelo Rebelo de Sousa após a queda do Governo provocada pela moção de confiança. “O senhor Presidente da República identificou bem a questão política que suscitou a dissolução do parlamento e a marcação das eleições e transmitiu às portuguesas e aos portugueses os sentimento dele, da sua auscultação do Conselho de Estado e também dos partidos políticos”, referiu.

Luís Montenegro considerou ainda que, nas próximas eleições, vai estar em causa a confiança dos portugueses nas lideranças dos dois maiores partidos. “Para a liderança do Governo, estarão em causa dois projetos políticos, o projeto político do PS e o projeto político da Aliança Democrática (AD), e dois líderes políticos, o líder do PS e o líder da AD”, disse.

“Atualmente, milhares de soldados ucranianos estão completamente cercados pelo Exército russo, estão numa posição vulnerável e muito má. Pedi a Vladimir Putin que lhes poupasse a vida”, escreveu Donald Trump numa mensagem na rede Social Truth.

O Presidente norte-americano referiu ainda “discussões muito boas e produtivas com o Presidente Putin ontem [quinta-feira]”, sem especificar se os dois chefes de Estado falaram diretamente por telefone ou através de emissários. “Há uma boa hipótese de que esta guerra terrível e sangrenta finalmente termine”, acrescentou Donald Trump.

Steve Witkoff, enviado especial da Casa Branca, chegou a Moscovo na quinta-feira para apresentar aos russos o plano dos EUA para uma trégua de 30 dias no conflito na Ucrânia.

Numa reunião à porta fechada do Conselho Nacional do PSD, José Pedro Aguiar-Branco, presidente da Assembleia da República, comentou que Pedro Nuno Santos fez “pior à democracia em seis dias do que André Ventura em seis anos”. “Vi com alguma perplexidade porque, estando ou não numa reunião partidária, continua a ser presidente da Assembleia da República, que é uma função e um cargo muito importante em Portugal, a segunda figura do Estado”, comentou Ferro Rodrigues, questionado pela agência Lusa.

Eduardo Fero Rodrigues lembrou que, quando como membro da Comissão Política do PS e ao mesmo tempo presidente da Assembleia da República, deixou de ir a essas reuniões partidárias para não prejudicar o seu trabalho institucional no parlamento.

“É uma coisa de tal maneira infeliz, aquilo que foi dito, e de tal maneira irracional que alguma ponderação teria sido o mínimo dos indispensáveis”, condenou. O antigo presidente do parlamento disse esperar que “daqui se retirem consequências sobre o futuro de Aguiar-Branco como presidente do parlamento”.

“Não tem condições de ser eleito com a mesma base parlamentar com que foi, que foi o PSD e o PS. Seria muito estranho depois daquilo que ele disse do líder do PS que o PS estivesse disponível, no caso dessa questão se vir a colocar”, defendeu. Para o antigo secretário-geral do PS, há uma coisa “bastante grave” naquilo que Aguiar-Branco disse sobre Pedro Nuno Santos que tem que ver com o facto de terem sido os deputados do PS, e não os do Chega, que permitiram a sua eleição como presidente do parlamento há cerca de um ano. “Quem votou a favor dele há um ano, e bem, foi o PS para ultrapassar um impasse que se vivia na Assembleia da República. Esquece isso tudo e trata mal aqueles que permitiram que fosse presidente da Assembleia da República durante este ano”, acusou.

O líder socialista rejeitou na quinta-feira qualquer conflito institucional ou pessoal com o presidente do parlamento.


1 “Vagar” instaurou-se como epicentro e gatilho temático da candidatura vencedora de Évora a Capital Europeia da Cultura (CEC) em 2027, preconizando e exaltando assim uma mundividência e atitude vivencial estimulantes e inspiradoras intimamente associadas às especificidades e potência(s) daquele território – amiúde percecionado, redutoramente, como “periférico”. Curiosamente, ao mesmo tempo, essa desaceleração/lentidão pode ser um interessante pretexto para abordar precisamente o seu significado contrário, numa reflexão (auto-)crítica: os desafios, dificuldades e entropias atinentes à gestão, fixação, permanência e atração para zonas do interior na contemporaneidade, neste caso em cidades médias com vincado caráter cultural. 

Ambas as perspetivas são relevantes e produtivas em termos de leitura (des-)construtiva da realidade eborense, daí que o “vagar” seja um conceito especialmente operativo. Não apenas para destacar as identidades e suas representações sociais e simbólicas, sublinhar a positividade do modus vivendi, estimular/envolver os agentes locais e dar-lhes alento, como também para retratar e questionar “temas difíceis”, tendências e ritmos de evolução socioeconómica e cultural, narrativas (imagens/miragens, realidades e perceções), participação dos cidadãos, ou ainda para lançar interrogações divergentes e inovadoras, e traçar renovados caminhos de futuro. 

Cidade média do interior do País, Évora situa-se num território de baixa densidade, está ancorada num significativo património histórico material reconhecido pela UNESCO, ostenta uma centralidade regional a nível administrativo, empresarial e económico, e apresenta uma tradição cultural significativa no contexto geral do Sul do País. O seu perfil insere-se, aliás, num paradigma crescentemente valorizado a nível europeu na escolha das CEC, que são as cidades de menor dimensão, com caráter cultural, que envolvam a área circundante. Ao longo dos anos, o principal desafio das capitais europeias tem-se prendido, invariavelmente, com o modo como cada detentora do título conjuga e doseia, com maior ou menor competência, agilidade e efeito transformador, as componentes (desejavelmente inter-relacionadas) da programação cultural e da melhoria de infraestruturas e requalificação urbana, e ainda de como a cidade contemplada interage e se posiciona, em termos cooperativos, perante o amplexo europeu.

A aposta no conceito de “vagar” acaba por se alinhar, cada vez mais, com preocupações políticas, urbanísticas e sociológicas atuais, relativas à falta de adequação estrutural, integração e humanização de/em contextos citadinos, ao seu automatizado e frenético ritmo quotidiano (e efeitos perniciosos nos processos de sociabilização), à relevância das questões ambientais e da mobilidade ativa, à valorização da pausa/intervalo e do ócio, a uma vivência mais empática do tempo, ao cuidado com o outro.

2 – Évora CEC 2027 enfrenta, desde logo, um desafio basilar, que tem que ver com uma reflexão – que se pretende consequente – sobre a gestão, organização, urdidura e pulsação da cidade nas suas dimensões espácio-temporal, infraestrutural, arquitetónica, ambiental, sustentável e sociológica. Para se constituir como exemplo de boas práticas, aspira-se, em primeiro lugar, a uma urbe que privilegie a conectividade (na densidade) e a integração (na expansão), evitando a exclusão social e não intensificando as divisões – no fundo, que se assuma como um lugar (reimaginado) de maior plasticidade e adaptabilidade. Daí que a dimensão cultural não possa estar/ser alheada dessa equação, enquanto instrumento de participação das pessoas no pensamento e governança da cidade e como motor para a transformação do tecido socioeconómico e empoderamento das comunidades. 

A transformação de bairros considerados prioritários em laboratórios de inovação arquitetónica, urbana e paisagística (o caso do conjunto habitacional da Malagueira, projetado por Álvaro Siza Vieira) permitirá melhorar a qualidade de vida das populações

O que passará inevitavelmente por revisitar tópicos como as dinâmicas de mobilidade coletiva e a proximidade (sendo esta o novo zeitgeist do urbanismo contemporâneo), a acessibilidade física e social a equipamentos culturais (e outros), a articulação entre zonas autorizadas para estacionamento/circulação rodoviária e áreas patrimoniais classificadas, a eficácia e atratividade da sinaléctica, a poluição visual patente em fachadas de edifícios e em rotundas, largos e praças, os processos de (re)ativação cultural de edificado devoluto, a existência de espaços verdes e de outras zonas sombreadas (também para combater o excesso de calor e baixar a temperatura média habitual, tão exigente para habitantes e turistas em locais como Évora) ou até as próprias tipologias e opções de iluminação urbana. 

Mas também por percorrer aspetos como os níveis de ruído citadino (inclusive dos eventos culturais) e sua monitorização/controlo, as modalidades e instrumentos de divulgação da agenda cultural e sua disseminação contextual e enquadramento visual, a localização e horário de funcionamento dos serviços turístico-culturais de informação ou as variadas dinâmicas (in)formais de animação em contexto outdoor e em microlocais inusitados e não convencionais. Ou ainda enfocando a necessidade de um balanço lúcido e humanizado entre sentar privado (associado às esplanadas e cafés) e sentar público, a pedonalização de rotas e o incentivo a uma maior caminhabilidade, inclusive no acesso à oferta cultural (Évora personaliza bem, de alguma forma, o perfil de “cidade de 15 minutos”, a pé ou de bicicleta), a manutenção da paisagem lúdica urbana, da convivialidade espontânea e da possibilidade de um brincar livre sem soluções artificiais, entre outros aspetos. Todos estes fatores têm múltiplas e profundas implicações, ora mais visíveis ora mais subtis, na vida diária e cultural dos habitantes, na complexa tessitura que enforma uma cidade contemporânea.

Estas questões estruturais podem marcar a diferença entre cidades que apostam na passagem, na circulação e no consumo, e outras que – sem descurar também obviamente uma dimensão económico-lucrativa – põem, de facto, a tónica no capital social do lugar, na permanência e no encontro, na criação de âncoras relacionais e funcionais (o alargamento dos passeios, por exemplo, cria mais oportunidades de pausa e encontros espontâneos), na ativação de redes de solidariedade e vizinhança. Assim, consolidar-se-ão práticas sociais e culturais mais diversificadas, inclusivas e democráticas, sendo que estas urbes tenderão também a ser mais inovadoras e criteriosas em aspetos como, por exemplo, a forma, conforto e localização do seu mobiliário urbano (veja-se a relevância dos bancos coletivos, contudo gradualmente rasurados das cidades ou reduzidos, não poucas vezes, a reiterados exercícios disfuncionais de feição geometrizante e minimal). Tudo isto para não se esquecer as crianças e os mais velhos, as pessoas com deficiência, os mais frágeis e vulneráveis da pirâmide social, ou aqueles que querem simplesmente repousar.

Na verdade, a Évora CEC pode e deve – através de formatos educativos, pensamento, festa e intervenção artística multidisciplinar – identificar, questionar e visibilizar estes temas, contribuindo para a discussão coletiva e maior envolvimento cívico nos destinos da cidade. Visando sempre o desígnio maior do futuro urbano: uma desejada mobilidade económica e social. E aqui a arquitetura desempenha um papel crucial, pois a cultura e as artes assentam, e muito, em relações convergentes/divergentes de índole criativa e crítica entre indivíduo e espaço (construído ou não, real ou imaginário, literal ou metafórico, apelativo ou disfórico). Por exemplo, a transformação de bairros considerados prioritários em laboratórios de inovação arquitetónica, urbana e paisagística (veja-se o caso do conjunto habitacional da Malagueira, projetado por Álvaro Siza Vieira) permitirá melhorar a qualidade de vida das populações, respeitando a sustentabilidade ecológica e a inclusão social, e fomentando a sua participação ativa (e decisória) em iniciativas e projetos resultantes destas dinâmicas criativas.

Ainda a este nível, Évora 2027 pode configurar-se como um interessante case study para uma útil reflexão em torno dos desafios e estratégias de articulação e convivência, na contemporaneidade, entre os princípios e regras da salvaguarda patrimonial e os objetivos e moldes da programação cultural e artística numa cidade cujo centro histórico está classificado como Património da Humanidade pela UNESCO desde 1986.

A CEC pode contribuir, assim, para uma afinação do olhar sobre equipamentos/contextos e não lugares, quer interpelando visões, valências, fluxos e impactos ligados aos mesmos, quer apropriando-se deles e propondo novas práticas e leituras, quer ainda estimulando a sua construção/criação, requalificação ou refuncionalização. É premente, por exemplo, a construção de um equipamento de referência, modulável, que possa acolher eventos variados de média-grande escala e, mormente, determinadas tipologias específicas de oferta artística (congressos e seminários internacionais; dança clássica e contemporânea, ópera) com requisitos técnicos e de fruição pública adequados – ainda que não seja um objetivo realisticamente concretizável até 2027. Por outro lado, Évora necessita ainda – e podendo, para tal, aproveitar edificado já existente – de espaços de dimensão variável, de cariz multidisciplinar, dotados de condições apropriadas aos domínios da criação, experimentação, pesquisa e investigação artísticas, e a pensar também na fixação de estruturas/projetos culturais independentes, como centros de residências, hubs criativos e espaços de coworking. 

Cante O Alentejo Central abarca diversas manifestações de saber-fazer tradicional que estão classificadas e protegidas via UNESCO

3 – Uma outra meta da Évora CEC prende-se com a questão do posicionamento cultural deste território (para dentro e para os seus entornos) e, assim, com as lógicas, estratégias e práticas de participação, criação-programação, mediação e comunicação/marketing culturais que se pretende priorizar e consolidar. Este desiderato afigura-se essencial para uma mais ambiciosa afirmação da cidade/concelho em escalas suprarregionais e no plano internacional, sendo que a candidatura eborense a CEC, pela visibilidade e repercussão, tem alimentado e pode ajudar a cimentar e expandir mais essa narrativa territorial. 

A construção dessa visão estratégica abrange temáticas como os modelos de gestão cultural (dos equipamentos, recursos humanos, logísticos e orçamentais, agendas e eventos-âncora, programas de apoio), as relações entre entidades públicas, terceiro setor e empresas (incluindo o mecenato cultural), as políticas de capacitação, autonomização e empoderamento dos recursos culturais endógenos e de atração de criativos e massa crítica externos, a capacidade de circulação artística das estruturas eborenses em esferas nacionais e internacionais, ou a adoção e desenvolvimento de mecanismos colaborativos (acordos de cooperação, redes e outras parcerias) no plano cultural.

O eixo Évora-Montemor-o-Novo constitui, neste momento, um ecossistema de assinalável vitalidade e diversidade no Alentejo, sobretudo no que concerne ao setor artístico independente, situando-se aí, de facto, a maioria das entidades apoiadas na região pela tutela da Cultura através da Direção-Geral das Artes (Malvada, CENDREV, a bruxa Teatro, PedeXumbo, Companhia de Dança Contemporânea de Évora, Pó de Vir a Ser, Alma d’Arame, Sinistra, O Espaço do Tempo, Projecto Ruínas, Oficinas do Convento ou Trimagisto, entre outras estruturas). Campos como a dança (étnica e contemporânea), o cruzamento disciplinar, as artes plásticas ou o teatro têm assumido um papel muito relevante a este nível. Acrescem entidades culturais como sejam o Armazém 8 ou o Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida, ambas sediadas em Évora, que têm vindo a dinamizar, em diferentes registos, uma regular e significativa programação de artes performativas e visuais que envolve públicos-alvo plurais, questiona o território e gera renovados diálogos entre criadores, intérpretes e públicos. 

A área da música é igualmente um motor cultural desta sub-região, sobretudo em Évora, com entidades como a Associação Eborae Mvsica/Conservatório Regional de Évora e a Universidade, através da sua Escola de Artes (com oferta em Música, Ensino da Música e Musicologia, entre outras disciplinas), a darem o mote, sendo, contudo, fundamental que haja depois um ecossistema cultural e artístico local/regional robusto capaz de absorver, em termos de mercado de trabalho, profissionais formados através destas instituições de referência. Isto sem esquecer a relevante herança a nível da música polifónica simbolizada pela Escola de Música da Sé Catedral de Évora (com grande notoriedade nos séculos XVI a XVIII), área que pode ser ainda mais densificada e aprofundada através de projetos multidisciplinares e interpretativos que invistam nos domínios da investigação, reflexão crítica e conhecimento, envolvendo ativamente as comunidades locais – conforme, aliás, previsto no Bidbook da candidatura de Évora a CEC 2027. 

As alterações introduzidas em 2024 no estatuto das orquestras regionais preveem agora a possibilidade de o Alentejo ou as regiões autónomas poderem apresentar projetos musicais sustentados que venham a beneficiar de um financiamento continuado da tutela da Cultura em conjugação, obviamente, com o apoio dos municípios locais. A criação de uma orquestra dedicada à música erudita no Alentejo, incorporando músicos e outros profissionais da área artística que também provenham das instituições de ensino da região, afigura-se um investimento de inegável relevância, quer para uma maior diversificação da oferta cultural, quer ainda para a formação de públicos neste domínio em particular, quer também para uma desejável articulação, em termos de mediação cultural e artística, com os agentes educativos da região. 

Évora 2027 pode, de facto, ajudar a alavancar este objetivo, aglutinando, num trabalho em parceria alargada, vontades e forças necessárias para tal efeito. Na verdade, o Alentejo dispõe já de alguns eventos de referência na área da música erudita, como, por exemplo, o “Terras sem Sombra” ou o Festival Internacional de Música de Marvão (adite-se, ainda que mais recentemente, o Festival Internacional de Órgão de Évora), com os quais uma futura orquestra regional poderá inclusive estabelecer profícuos diálogos e parcerias.

A revitalização de uma tradição longa e intensa de programação municipal com assinalável enfoque na música étnica/world music e no diálogo intercultural – que gerou, a partir de/em Évora, férteis projetos criativos e colaborações (encontros inéditos, encomendas/coproduções, itinerâncias) com múltiplas latitudes, estilos e linguagens deste universo – constituem igualmente dinâmicas-âncora que deverão ser impulsionadas pela CEC. 

A articulação estratégica entrea potência natural e emocional da paisagem, a sociabilidade informal mediterrânica e os produtos culturais endógenos afigura-se essencial como proposta de valor para alavancarmais territórios como Évora

Por outro lado, a quadratura (ou aquilo que pode vir a ser) Évora-Arraiolos-Estremoz-Elvas reveste-se igualmente de manifesta pertinência quando se pensa atualmente nas artes plásticas e, de modo mais lato, nas artes visuais nesta zona do Alentejo. Há, de facto, um conjunto de entidades, dinâmicas, projetos programáticos e práticas colaborativas de escala regional e nacional que tem vindo a ser implementado e consolidado nestes quatro concelhos (por entidades como a já aludida Pó de Vir a Ser, a Córtex Frontal ou a associação A.R.T.M.O.Z.), para os quais deverá haver um olhar atento e holístico/articulado, atendendo ao potencial crescente de expansão e colaboração deste orgânico universo, já assente em parcerias tanto internas como com outros centros de criação e programação artísticas congéneres situados noutras zonas do continente e dos arquipélagos.

O património cultural imaterial (PCI) também tem de ser convocado para esta equação, sendo que o Alentejo Central abarca diversas manifestações de saber-fazer tradicional que estão classificadas e protegidas via UNESCO, destacando-se o cante, a manufatura de chocalhos, a dieta mediterrânica ou a produção de figurado em barro de Estremoz. Nestes domínios, além da recolha, estudo, mapeamento, sensibilização educativa e valorização dos respetivos saberes e técnicas, é fulcral que a CEC 2027 contribua para que se invista ambiciosamente noutras dimensões da salvaguarda, as quais têm sido, em vários casos, menos exploradas. A capacitação técnica, a profissionalização dos agentes, a transmissão sustentada do know-how a nível geracional, a criação de diálogos com outras manifestações estrangeiras congéneres classificadas como PCI da Humanidade, os modelos de negócio, circuitos comerciais e estratégias de mercado, ou a máquina de comunicação e marketing patrimoniais, são algumas delas – o que implica, entre outras condições, um trabalho concertado, nos territórios, entre as áreas da cultura, turismo e economia.

4 -Terceiro desafio: o binómio cultura-turismo representa, neste território (como em todo o Alentejo), um ativo socioeconómico fundamental. Daí que a articulação estratégica entre a potência natural e emocional da paisagem, a sociabilidade informal mediterrânica e os produtos culturais endógenos se afigure essencial como proposta de valor para alavancar mais territórios como Évora e sua(s) envolvente(s). E isto passa não apenas pela aposta em setores em acelerada expansão e afirmação nacional e além-fronteiras (os casos do enoturismo e dos turismos rural e patrimonial), como por outros segmentos em franco crescimento: a observação astronómica, destacando-se o reconhecido potencial do Grande Lago do Alqueva; o turismo pedestre, ao explorar os múltiplos benefícios do caminhar para a saúde física e mental num território onde domina a quietude, a visualidade, a abertura e o “vagar”, sendo que – como já referido – Évora, pela sua orografia, apresenta um enorme potencial pedestre, não só a nível de circuitos intramuros mas também no seu perímetro exterior e periferias (com todas as derivações socioculturais que daí podem advir); ou o turismo literário, tendo sido lançado em 2024 o festival LiterÁrea e a primeira Rede de Hotéis Literários do País, ambos pelo Turismo do Alentejo e Ribatejo em concertação com vários parceiros públicos e privados. Destaquem-se ainda localidades como Cabrela e Casa Branca, que, fruto de dinâmicas continuadas de articulação local-global, têm vindo a consolidar-se como microcentralidades culturais no campo literário em contextos não urbanos.

Sendo tendências programáticas revalorizadas e mais incrementadas após o período pandémico (ainda que com antecedentes), têm vindo a surgir em vários pontos do Alentejo, inclusive na sua zona central, festivais culturais e eventos similares que, apostando no potencial cénico e ambiental da sua morfologia natural, privilegiam o segmento híbrido da arte na paisagem, uma agenda de propostas menos densa, uma maior informalidade e micro/médias escalas a nível de público. A oferta é composta, geralmente, por percursos sensoriais imersivos, rotas comentadas, instalações multidisciplinares, concertos e performances inusitados, debates em locais não convencionais e workshops informais, e tem vindo, visivelmente, a atrair um crescente e eclético número de adeptos, quer locais, quer provindos das principais urbes, quer turistas estrangeiros – movimento que será certamente inspirador e profícuo para a CEC 2027.

O Alentejo também é, por outro lado, esse labirinto socioecológico que enfrenta desafios tremendos como a gestão hídrica, o despovoamento e a desertificação, e a sua região central não foge à regra. Daí que se esteja a instaurar, cada vez mais, também como território-experiência, na procura de novas soluções em termos de aproveitamento da terra, através de processos de agricultura regenerativa, permacultura, agroecologia. De índole comunitária e baseadas no cuidado com o solo e as pessoas, estas práticas assentam num modelo de governança colaborativa, visando a sustentabilidade dos ecossistemas, inscrevendo-se nesta linha projetos como, entre outros, o Terramay Portugal, no Alandroal, ou a Herdade do Freixo do Meio, em Montemor-o-Novo. O património cultural imaterial e as artes têm um papel importante neste paradigma enquanto valências, ora aglutinadoras ora complementares, conjugadas com modelos sustentáveis e de turismo regenerativo, com os quais Évora 2027 pode, assim, criar estimulantes sinergias. 

5 – Atendendo às contingências temporais (e também orçamentais) decorrentes do histórico do processo, a CEC em Évora terá forçosamente de conjugar, de modo coerente e realista, os principais leitmotive insertos no Bidbook da candidatura com um conjunto de ajustes, afinações e até algumas “inovações” programáticos, técnicos e logísticos que possam viabilizar, no prazo previsto, a concretização de um projeto consistente, impactante e com rastro(s). A realidade política eborense resultante das eleições autárquicas de outubro de 2025 também poderá, desejavelmente, influenciar de modo positivo esta equação. 

Em suma: a CEC 2027 é uma inequívoca janela de oportunidade para o Alentejo/Évora, não devendo ser, contudo, um ponto de partida (pois o tempo urge) ou uma paragem final (pois a fase pós-capital é tão ou mais importante do que as demais), mas sim um pensamento-ação em movimento contínuo, que visa potenciar e afirmar a singularidade, densidade e beleza desta urbe e sua envolvente, e posicioná-la culturalmente em múltiplas frentes e escalas. É também uma corajosa ponte para outras “margens” menos evidentes ou visíveis da cidade/concelho. E é ainda um útil passaporte para sair dela e, com algum distanciamento crítico, olhá-la de fora. Pois a cultura é tudo isso: espanto, inquietação, questionamento.

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