As chamadas “tarifas recíprocas” de Donald Trump ainda não entraram em vigor, mas já estão a provocar estragos em várias empresas portuguesas que exportam os seus produtos para aquele mercado.
Em 2024, Portugal exportou mais de 5,3 mil milhões de euros de bens para os EUA, o que equivale a 6,8% das nossas vendas ao exterior. Ao todo, são 4 255 as empresas portuguesas que vendem os seus produtos para aquele país e, destas, 624 têm a totalidade das suas exportações concentrada nos EUA.
Os setores de atividade mais expostos são o dos medicamentos, cujas vendas para os EUA totalizaram 1,16 mil milhões de euros, que numa primeira fase não iriam ser abrangidos pelas tarifas, mas, face à imprevisibilidade das decisões de Donald Trump, o setor mantém-se prudente sobre o futuro.
Os produtos petrolíferos surgem em segundo lugar desta lista, com um valor de vendas a rondar os mil milhões de euros nos EUA, e também estes poderão ficar excluídos dessa lista. Segundo o AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), cerca de 44,5% dos produtos que vendemos para os EUA poderão estar isentos destas taxas.
O mesmo já não poderão dizer outros setores que exportam para aquele mercado, como o dos plásticos e borracha, que ocupa a terceira posição com 340 milhões, e o das máquinas e equipamentos elétricos, cujas vendas para os EUA ascendem aos 295 milhões.

A Administração norte-americana voltou a adiar, por 90 dias, a data em que os produtos importados pelos EUA passam a pagar impostos alfandegários – que no caso de Portugal e de toda a União Europeia serão de 25% para alguns bens específicos, como o aço e o alumínio, e de 20% para todos os outros produtos que não estejam isentos –, mas os efeitos já começaram a fazer-se sentir na economia real.
“Os Estados Unidos pararam as encomendas de vinhos portugueses e da Europa. Existe uma grande incerteza que fez com que a cadeia de distribuição nos EUA parasse as encomendas de vinhos portugueses e de vinhos da Europa. Neste momento, estamos a enfrentar um problema terrível e não estamos a conseguir vender”, explica Paulo Amorim, presidente da Associação Nacional dos Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas.
Os EUA são um dos mercados mais importantes para este setor, como explica Rui Soares, presidente da Associação dos Viticultores Profissionais do Douro: “Não é tanto o peso do mercado em quantidade, é mais em termos de volume de negócio, porque os vinhos que exportamos para o mercado americano são vinhos muito valorizados e com preços médios muito acima daquilo que comercializamos para outros países.”
Atualmente, o mercado norte-americano compra a Portugal mais de 100 milhões de euros de bebidas alcoólicas por ano.
Ao todo, são 4 255 as empresas portuguesas que vendem os seus produtos para os EUAe, destas, 624 têm a totalidade das suas exportações concentrada naquele país
Paulo Amorim, por sua vez, teme que, quando as tarifas entrarem em vigor, os custos associados “sejam, na sua maior parte, assumidos pelos produtores de vinho”, o que irá tornar a situação ainda mais difícil.
Outro dos setores de atividade que poderão sentir na pele o efeito das tarifas é o do calçado, pois na última década Portugal quase duplicou as suas vendas para aquele país, para perto dos 100 mil milhões de euros, fazendo dele o quinto maior mercado de destino do nosso calçado.
“Exportamos mais de 90% da nossa produção para 170 países, mas consideramos o mercado norte-americano estratégico, pois é a grande aposta da indústria portuguesa de calçado para a próxima década”, diz Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da APICCAPS, associação de industriais portugueses do setor.
Apesar das dificuldades, a indústria do calçado não desistirá da sua estratégia. “Estamos no mercado americano para durar. Ainda que não estejamos dependentes de nenhum mercado, acreditamos que, em circunstâncias normais, continuaremos a afirmar-nos nos EUA pela qualidade e pelo serviço do nosso calçado”, garante Paulo Gonçalves, explicando que “entre as economias avançadas, os EUA são o país que oferece melhores perspetivas”, e o calçado nacional “tem hoje muito melhores condições para abordar o mercado norte-americano, nomeadamente na sequência dos investimentos em curso nas áreas de automação e sustentabilidade”.
Segundo o Banco de Portugal, o impacto das tarifas sobre as exportações portuguesas dependerá de vários fatores, como “a magnitude do aumento das taxas aduaneiras sobre cada tipo de bem e o peso destes nas exportações de Portugal para o mercado dos EUA”.
Efeito no PIB
“Este aumento das tarifas poderá resultar numa contração acumulada do PIB da área do euro entre 0,5% e 0,7% ao fim de três anos, com um impacto mais significativo no primeiro ano”, esclarece o Banco de Portugal. Em relação à economia portuguesa, o relatório do banco central admite que “o impacto global dos choques considerados aponta para uma redução cumulativa do PIB em torno de 1,1% no final de três anos, com os efeitos concentrados nos primeiros dois anos”.
Para este organismo, existem setores mais vulneráveis a estas tarifas, como o têxtil, porque 12% das suas empresas apresentavam uma elevada exposição ao mercado norte-americano.
Segundo a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, o impacto das tarifas será “significativo”, mas ainda é difícil quantificar as perdas potenciais.
“Estamos ainda numa fase inicial deste processo e persistem muitas incertezas quanto à forma como os diferentes países visados irão reagir a estas medidas”, disse uma fonte oficial da associação.

Para o mesmo responsável, citado pela agência Lusa, é ainda necessário perceber como os próprios operadores e consumidores norte-americanos, que serão diretamente afetados, irão responder à nova realidade, bem como qual será a posição final da Administração Trump face a eventuais retaliações.
“Sabemos, desde já, que haverá perdas para o setor, mas neste momento é difícil quantificar com precisão o seu impacto. Trata-se de um setor muito diverso e complexo, com níveis de dependência do mercado norte-americano que variam significativamente de empresa para empresa e de produto para produto”, explicou a mesma fonte.
Os efeitos das tarifas ainda são difíceis de quantificar. Na prática, assim que estas entrarem em vigor, os consumidores americanos poderão ter um aumento dos preços dos bens e baixar a procura, mas, por outro lado, as empresas que exportam poderão tentar suportar parte desse aumento dos custos, baixando as suas margens de lucro.
Segundo um inquérito realizado pela Câmara de Comércio Americana em Portugal, 88% das empresas exportadoras para aquele país admitem que irão sofrer o impacto das tarifas na sua atividade, sendo que mais de metade dizem que os efeitos serão “muito grandes”.
No mesmo documento, 72% dos inquiridos dizem que a probabilidade de investir nos EUA para expandir as operações naquele país é “baixa”, contrariando a ideia de Trump de que as empresas que vendem para os EUA irão montar fábricas no país para poderem vender os seus produtos.
Questionados sobre se a sua empresa pretende ajustar estratégias comerciais para mitigar os impactos das novas taxas, 72% dos gestores disseram que sim, e a maioria irá optar por procurar novos mercados.
O plano português
Para tentar minimizar parte do impacto das tarifas, o Governo anunciou, entretanto, uma série de medidas de apoio às empresas exportadoras.
Trata-se do Programa Reforçar, que engloba verbas superiores a dez mil milhões de euros através de linhas de crédito, garantias bancárias e reforço dos seguros de crédito para exportação (ver caixa Apoio à Exportação).
Na ocasião, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, destacou que Portugal vai continuar a acompanhar o trabalho da Comissão Europeia “com a consciência de que uma pausa é apenas uma pausa”.
O impacto das tarifas poderá resultar numa redução cumulativa do PIB português em torno de 1,1% no final de três anos,com os efeitos concentrados nos primeiros dois anos
“Portugal está ligado aos Estados Unidos da América por uma sólida amizade e uma intensa relação política e económica. Mas, por vezes, é preciso assumi-lo, até com os nossos grandes amigos temos algumas divergências”, continuou Luís Montenegro.
Para o governante, as tarifas são uma ameaça ao crescimento económico mundial e podem resultar num conflito comercial que “não beneficia ninguém”. “Sem alarmismos, sem precipitações, estamos preparados e tomaremos as decisões necessárias para lidar o melhor possível com esta situação desafiante”, rematou.
Por enquanto, as taxas estão adiadas e ninguém consegue dizer ao certo se o plano de Trump irá ou não para a frente. As dúvidas são muitas. Tal como escreveu esta semana o presidente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal), Armindo Monteiro, num artigo de opinião: “Sabendo-se da alergia que Trump tem à proporcionalidade e ao bom senso, é melhor prepararmo-nos para o pior. E o pior é a imposição de tarifas à Europa baseadas em contas criativas, que juntam na mesma equação o valor do défice comercial e o valor total de bens importados. Graças a esta fórmula rebuscada, a UE deve preparar-se para tarifas na ordem dos 20% e definir uma estratégia conjunta para proteger os interesses europeus.”
Certezas apenas serão conhecidas no dia 9 de junho, a nova data prevista para a entrada em vigor das tarifas. Até lá, resta às empresas arranjar soluções criativas para não perderem um dos mercados mais importantes para as suas exportações.
Medidas para dar a volta
Mais de dez mil milhões para “mitigar” efeitos das tarifas

O Programa Reforçar foi apresentado pelo Governo, para apoiar as empresas exportadoras e mitigar os efeitos da entrada em vigor das tarifas norte-americanas sobre os produtos importados. O plano prevê não só compensar as potenciais perdas que as empresas exportadoras tenham nos EUA, mas também apoiá-las na procura de novos mercados para substituir a quebra de vendas nos EUA. Tem uma verba total de dez mil milhões de euros e assenta em quatro pilares:
Linha de crédito Banco de Fomento
É criada uma linha do Banco de Fomento, com mais de cinco mil milhões de euros, que permite às empresas financiarem-se com garantias competitivas para que possam investir ou reforçar o seu fundo de maneio. Segundo o ministro da Economia, Pedro Reis, as candidaturas serão “fáceis”, pois esta linha está construída com modelos de pré-aprovação e contratação automática.
Nova linha de apoio
O Governo vai lançar uma nova linha de 3 500 milhões de euros, com maturidades a quatro e a 12 anos, para suportar o fundo de maneio e o investimento, podendo parte dela ser convertida em fundo perdido e subvenções, de forma a reforçar o capital das empresas mais expostas à volatilidade dos mercados internacionais.
Reforço dos seguros de crédito
Incremento dos plafonds em 1 200 milhões de euros para cobrir riscos de exportação, não só em mercados emergentes, mas também em mercados tradicionais. Serão ainda bonificados apólices e prémios, generalizando o acesso sobretudo para PME exportadoras. “Esta era uma reivindicação antiga das empresas”, disse Pedro Reis, que garante tratar-se da “democratização do acesso a estes seguros”.
Promoção da internacionalização
Por fim, o Executivo de Luís Montenegro quer expandir os apoios à internacionalização, permitindo às empresas participarem em mais feiras internacionais, reforçarem estratégias de marketing, entrarem em novos canais digitais e aumentarem a sua presença nos mercados externos.