Há quem se entretenha, para escapar às sucessivas catástrofes relacionadas com a guerra e a economia, embrenhando-se na leitura de obras literárias e refugiando-se assim nos criativos universos de escritores do gabarito de um Goethe, um Skakespeare ou um Raúl Minh’alma. Este último, o autor mais vendido em Portugal, tem sobre os anteriores a vantagem de estar vivo podendo, portanto, dedicar-se a assuntos como a sua, dele, Raúl Minh’alma, loja online. Numa ida ao site pode ler-se: “Já está disponível a minha loja online onde podes adquirir livros meus autografados”. Suspeito que o Raúl tenha receio que, quem visite o seu site, não perceba que a loja e os livros são também seus, dele, Raúl. E por isso, lá está, convém recorrer aos pronomes possessivos e reiterar que “No momento da compra, na minha loja online, podes introduzir o nome que pretendes que eu autografe no livro e fazer o pagamento (…) Nunca foi tão fácil ter um livro meu autografado”. Admito que me senti tentado a levar a sugestão à letra e – já que posso “introduzir” o nome que pretendo que ele autografe – dizer-lhe para assinar como se fosse o Lobo Antunes. Mas os advogados são caros e a vontade passou-me.
Dizia eu, João Villalobos, nesta minha crónica, que há pessoas que conseguem escapar da realidade para os livros. São pessoas com sorte ou, como diria a minha avozinha, que nasceram com o rabo virado para a lua. Esta semana, não só não consegui pegar em livro algum como, ainda por cima, apenas tive tempo para ler opúsculos com títulos como ‘Análise da proposta de Orçamento do Estado’ pelo Conselho das Finanças Públicas, descobrindo assim que a entidade presidida por Nazaré da Costa Cabral não gosta do termo “guerra” e prefere falar em “escalada do conflito militar”. Fora isso, fazem alertas muito pertinentes mas aos quais, especulo, o Governo dará orelhas moucas até à realidade se impor, entre encargos com PPP’s, a TAP e o Novo Banco, já para não falar do resto.
Sobraram-me assim apenas umas poucas horas à espera do sono, que dediquei a uma nova série na HBO Max em torno de três primeiras-damas dos EUA; Eleanor Roosevelt, Betty Ford e Michelle Obama, interpretadas na sua idade adulta por Gillian Anderson, Michelle Pfeiffer e Viola Davi. Viajando para trás e para a frente no tempo, os primeiros episódios de “The First Lady” são muito bem conseguidos em torno das duplas Roosevelt e Ford, embora caindo no politicamente correto no que toca ao casal Obama. Como diria Lili Caneças, estar vivo ser o contrário de estar morto também afeta a qualidade dos guiões.
Feminista, ativista dos direitos humanos, Anna Eleanor Roosevelt tem diversas citações admiráveis e intemporáveis sendo uma das minhas preferidas a que diz “Nunca permitas a uma pessoa que te diga não, se não tiver o poder para dizer sim”. Truman chamou-lhe “a primeira-dama do mundo”, pelo seu trabalho como embaixadora na ONU e na administração Kennedy presidiu à Comissão Presidencial para o Estatuto da Mulher. Nos arquivos Kennedy, pode ouvir-se uma conversa entre JFK e ela sobre os temas da igualdade de salários e de condições de trabalho que ainda hoje mantém toda a atualidade e pertinência (https://www.jfklibrary.org/asset-viewer/archives/JFKWHA/1962/JFKWHA-085-005/JFKWHA-085-005) e Eleanor merece bem ser redescoberta, relida, repensada.
Quando em novo, escrevi que as mulheres eram o princípio ativo do universo, tinha tudo para vir a ser o Raúl Minh’alma dos anos 90. Mas fracassei. Não duvidem, no entanto, que mantenho a mesma convicção. E quem sabe não vou a tempo? Como ele diria e para fechar com chave de ouro, “todos os dias são para sempre”. Até lá, se quiserem esta crónica, minha, autografada por mim, João Villalobos, estou ao dispor.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.