Estou convicto de que todos concordaremos, chegados a este ano de 2022, em como o País está cada vez mais insano e afigura-se já muito para além dos efeitos de qualquer cura xamânica ou quântica. Mas há dias, mais seriamente avariados da pinha do que outros, em que esse ensandecimento adquire proporções gongóricas de tão rebuscadas. Como exemplo, esta quinta-feira começou com a descoberta de que a próxima edição do ‘Big Brother dos Famosos’ não deverá incluir José Sócrates mas sim o palhaço Batatinha, “ao contrário do que foi largamente anunciado por alguns” como lamentava em tom crítico um site de boatos e rumores. Lamentável país este. Lá fora, nos países civilizados, é prática um ex-primeiro-ministro enriquecer proferindo conferências pelo mundo fora, partilhando os seus conhecimentos e experiência. Aqui, é-se substituído pelo ex-companheiro do Croquete.
Reparem numa coisa; nunca fui um daqueles – e são muitos – a padecer de coulrofobia. Esses, mal veem um indivíduo vestido de palhaço, têm logo ataques de pânico, perda de fôlego, arritmias cardíacas, suores ou náuseas. É verdade que me surgem vários desses sintomas perante certos políticos, mas jamais me amedrontaram António Assunção e António Branco que – caso não saibam – são os verdadeiros nomes da dupla Croquete e Batatinha. O que sentia ao vê-los e ouvi-los era apenas irritação. Pura e genuína irritação. Em compensação, sofro de uma compulsão ainda sem nome científico que me impele à leitura diária da imprensa regional. É a minha forma de saber notícias que jamais me chegariam aos ouvidos (ou aos olhos) de outra maneira.
Foi assim, por exemplo, que ao ler também esta quinta-feira um artigo do jornal ‘O Minho’ descobri que o padre Ricardo Esteves, de Valença, “se juntou a Óscar Romero (irmão da apresentadora Merche Romero), e protagoniza, desde o início deste ano, o podcast ‘Anjos e Demónios’, exibido no Instagram” e que rivaliza com o padre Guilherme, de Guimarães mas a exercer na Póvoa de Varzim e Vila do Conde, “conhecido pelas sessões de DJ, onde ‘toca’ músicas de House e, mais recentemente, também Techno”, tendo participado “no podcast ‘Podroast’, do humorista Alexandre Santos (autor do filme da Gunada) e do YouTuber Cardoso”. Ignoro em absoluto o que seja o “filme da Gunada”, mas vivemos mesmo outros tempos! E que sorte tem esta juventude de agora, temperando a ladainha da homilia com as animadas batidas da música techno. Quando eu era novo tinha apenas ao dispor o vetusto padre Raul, percorrendo Cascais com o jornal ‘O Diabo’ debaixo do braço, indiferente à comicidade do contraste.
Chegado aqui, e por natural associação de ideias, lembro-me de ‘O Homem Que Era Quinta-Feira’, uma divertidíssima sátira escrita por G. K. Chesterton, o criador da figura do padre Brown, e de uma passagem memorável que é esta: “Temos aquela eterna ideia idiota de que, se a anarquia chegar, virá dos pobres. Porque deveria? Os pobres têm sido rebeldes, mas nunca foram anarquistas; têm mais interesse do que quaisquer outros em que haja um governo decente. O homem pobre tem realmente um interesse no país. O homem rico não tem; pode retirar-se para a Nova Guiné num iate. Os pobres por vezes opuseram-se a ser mal governados; os ricos sempre se opuseram a ser governados de todo. Os aristocratas foram sempre anarquistas”.
Dá que pensar, a citação. Mas em lugar de refletir distraio-me logo que nem um peixinho dourado com a existência de duas petições online de igual caráter censório: Uma intitulada ‘Calem a Comentadora Ana Garcia Martins Pipoca’ (2687 assinaturas na quinta-feira) e a outra ‘Afastamento de Ana Maria Garcia e de Cinha Jardim de todos os programas televisivos e de opinião’ (786). Francamente! Porque não assinam antes a petição que corre contra o encerramento da estação de Coimbra-A, muito mais meritória? Ou criam outra a exigir o Sócrates no programa da TVI, em lugar do Batatinha? Quem será esta gente? Depois ainda dizem que “se não há dinheiro, não há palhaços”. Ora! É o que não falta por aí e estamos cada vez mais tesos.
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