O Olho Vivo reuniu para se focar, sobretudo, na semana marcada pela “guerra do IVA”. Como recorda o editor executivo com o pelouro da Política da VISÃO, Filipe Luís, “afinal, o ministro das Finanças deu o braço a torcer e, poucas semanas depois de ter dito que o Governo não considerava, sequer, a hipótese de mexer no IVA para os produtos alimentares essenciais, e que a medida não faria baixar os preços nem mitigaria a inflação que se sente, sobretudo, nos alimentos, Fernando Medina dá a mão à palmatória, escudado no argumento de que, graças ao acordo conseguido com a distribuição e com a produção, os preços vão mesmo baixar”. Mas, recorda Filipe Luís, “hoje mesmo, o governador do Banco de Portugal duvidou porque, se os preços baixarem nalguns produtos, a procura aumenta e os preços sobem: ‘se todos passarmos a comer bróculos, posso garantir que o preço dos bróculos vai subir’, disse ele”. Afinal, o que nos espera?
A diretora da VISÃO, Mafalda Anjos, considera que “a proposta do IVA 0% padece de vários problemas: mais uma vez, temos mais marketing político do que eficiência; a media soa bem aos ouvidos dos portugueses, mas recorde-se que foi o próprio governo que sublinhou durante meses a sua ineficácia e a vetou cinco vezes no Parlamento”. E acrescenta: “É a Unidade Técnica de Apoio Orçamental que o sublinha num estudo que divulgou há dias: este tipo de medidas são pouco eficazes na descida dos preços e demasiado abrangentes. A forma mais eficiente de chegar às pessoas mais vulneráveis é através das transferências diretas de dinheiro”.
Já Nuno Aguiar, jornalista de Economia da Exame e da VISÃO, diagnostica: “Vamos esquecer Espanha, porque o Governo argumenta que será diferente em Portugal por haver um acordo com produtores e retalho. Mesmo assim, é uma má medida. Os supermercados conseguem mexer nos preços, sendo difícil perceber o motivo, é difícil de fiscalizar, gera um debate difícil sobre que produtos entram ou ficam de fora, é uma gota de água no preço dos alimentos e na inflação em geral, é uma subsidiação a grandes empresas, é pouco focado – ajuda o rico e o pobre – e será difícil de inverter”. E refere Nuno Aguiar. “Conta-se com a boa fé das empresas? É uma aposta de 400 milhões nessa boa fé”.
Filipe Luís considera que o Governo “tem sido mais reativo que preventivo” e que a baixa do IVA é uma “espécie de ‘lei-cartaz’, nos termos definidos por Marcelo Rebelo de Sousa, mas com a particularidade de que esta custa dinheiro”. Mais, sobre outras medidas, Filipe Luís considera que os sindicatos nunca estiveram tão certos quando afirmam que o aumento anunciado para a função pública se deve à luta social e sindical, porque o Governo reage acossado por um clima de contestação social sem precedentes no período dos governos de António Costa”.
Nuno Aguiar diz que “entre a descida do IVA e os apoios aos produtores, o Estado irá gastar quase o mesmo do que com o apoio às famílias mais vulneráveis. O que significa que poderia ter duplicado o valor mensal que vai pagar ou ter abrangido mais famílias. Apoios são sempre melhores e mais eficazes do que estas descidas de impostos”.
Ainda sobre a margem para conceder apoios aos mais vulneráveis, Mafalda Anjos é taxativa: “Preocupámo-nos nesta crise mais com as almofadas orçamentais, do que com o paraquedas para evitar que a crise adensasse”. A diretora da VISÃO sublinha que vivemos uma situação paradoxal: “Temos os portugueses a apertar o cinto e o Estado todo folgado, porque cobrou muito mais impostos do que tinha previsto. Ou seja, há brilharetes nas cofres das Finanças e angústias nas carteiras das famílias”. Por outro lado, há uma “espécie de austeridade fofinha, travestida de generosidade: dados da Direção Geral do Orçamento divulgados agora confirmam que Medina descativou menos do que Mário Centeno e João Leão. Ficaram na gaveta quase 450 milhões de euros”, explica.
Nuno Aguiar jornalista sublinha que “um défice 3,5 mil milhões abaixo do orçamento é pornográfico”, e explica que “este ano, há razões contabilísticas para isto ter acontecido – uma despesa que o Governo pensava que seria contabilizada em 2022 será apenas em 2023 -, mas em todos os anos de governação, só por duas vezes (incluindo a pandemia) é que o Executivo não ficou muito abaixo da meta”. E conclui: “Duas vezes é uma coincidência, cinco vezes é uma tendência”.
A semana foi também agitada por um crime – que tudo leva a crer pode ter contornos passionais – perpetrado por um cidadão afegão no Centro Ismaelita de Lisboa. Filipe Luís é irónico: “’Terroristmo’, gritou André Ventura, depois de ter estado calado perante o assassínio de mais de 30 mulheres em 2022 – e já mais algumas este ano –, muitas esfaqueadas, pelos ‘portugueses de bem’ que são os maridos e namorados lusitanos…”
“André Ventura segue à risca a cartilha da extrema-direita europeia, mas tem o ‘azar’ de o tema dos refugiados e da imigração não render em Portugal. Por isso, não desperdiça o filão quando acontece algo em que pode tecer este tipo de comentários xenófobos repugnantes. Isto deixa o PSD, que tem uma posição pouco clara nesta matéria – ainda há pouco tempo Montenegro e Moedas pediam uma espécie de imigração a la carte – numa situação desconfortável: como é que não se demarca claramente deste tipo de ideias que vão contra a matriz ideológica do partido e do que pensa boa parte do seu eleitorado?”
Nuno Aguiar nota que “André Ventura conseguiu que o debate fosse para a lama, colocando toda a gente na defensiva a explicar porque devemos receber imigrantes e acolher refugiados”. E conclui: “Podia ter-se debatido segurança em espaços públicos, violência sobre mulheres, saúde mental ou integração de imigrantes. Mas conseguiu, com a ajuda da comunicação social, colocá-lo na aceitação ou não da entrada de pessoas em Portugal”.
Filipe Luís lembra que “assassinos, tresloucados, criminosos desequilibrados e homicidas passionais há os de todas as nacionalidades” e salienta que “uma mulher esfaqueada em contexto de violência doméstica só tem direito a um rodapé noticioso nas TVs , mas que se o criminoso for um refugiado de nacionalidade afegã já dá direito e debates com a presença de André Ventura”…
O efeito das margens de lucro das empresas na inflação, a morte de José Duarte e os 30 anos da VISÃO foram outros temas abordados pelo painel do Olho Vivo.
OUVIR EM PODCAST
DISPONÍVEL NAS SEGUINTES PLATAFORMAS