Estalou a Guerra dos Costas. Uma guerra que opõe um ex-Governador do Banco de Portugal e um Primeiro- Ministro, que se acusam mutuamente de intromissão política e de declarações falsas. “Não é bonito de se ver” – enquadra-se no arranque deste Olho Vivo -, mas é o que está a acontecer com o lançamento do livro de memórias de Carlos Costa, apenas dois anos depois de ter saído da instituição, onde revela alegados episódios que denuncia serem intromissões de António Costa na esfera de um regulador.
“Mais do que vingança, é uma tentativa de reabilitar a imagem de alguém que saiu do Banco de Portugal com a reputação pelas ruas da amargura”, refere o jornalista Nuno Aguiar. “É justo dizer que Carlos Costa teve muitos desafios à frente do Banco, com a queda do BES, um sistema financeiro altamente fragilizado, dificuldades pessoais com o Governo e enorme pressão à esquerda para o afastar. Mas hoje sabemos também a complacência que teve com o BES e no encontrar de soluções para outros bancos.”
“A relação está inquinada desde sempre, até antes de António Costa ser Primeiro-Ministro, com culpas de parte a parte: por um lado, António Costa e Mário Centeno não gostavam de Carlos Costa e sempre o fizeram saber publicamente, por outro Carlos Costa, de facto, foi um Governador que cometeu muitos erros em funções”, diz Mafalda Anjos, recordando o desastroso processo de resolução do BES. “Já que se fala de memórias e de dever de prestação de contas, eu lembro-me bem de um certo relatório, encomendado pelo Banco de Portugal, que Carlos Costa quis ocultar a todo o custo, apesar dos pedidos insistentes da Assembleia da República, do Ministério das Finanças e dos jornalistas, e que avaliava a prestação da regulação de forma muito negativa. Eram 490 páginas destrutivas para o que foi a atuação do Banco de Portugal, e onde se dizia, por exemplo, que a estratégia não só não salvou o BES, como promoveu ‘esquemas irregulares’ que ampliaram os danos, e que Ricardo Salgado só não foi afastado mais cedo por falta de iniciativa ou vontade”, recorda a diretora da VISÃO.
Para Filipe Luís, “o caso Isabel dos Santos, é um faits divers“. “As revelações mais complicadas podem ter a ver com o Banif, mas sem dúvida que, neste tipo de livros, o visado tenta sempre dar a sua versão e limpar a sua imagem. Tem de se dar o desconto. É legítimo.”
“A questão de Isabel dos Santos tinha uma evidente dimensão extra-financeira. É perfeitamente aceitável que o primeiro-ministro procurasse sensibilizar o governador do Banco de Portugal para essa dimensão político-diplomática – uma matéria que é da competência do Governo. Diferente é quando se trata de uma verdadeira pressão. O Banco de Portugal é uma entidade independente. O Governo nem sequer tem competências para afastar o governador, o que lhe retira qualquer eficácia em qualquer tentativa de pressão. O que temos de saber é o seguinte: agiu o governador com independência? Cumpriu o seu papel? Fez o seu trabalho?”, questiona Filipe Luís.
“Carlos Costa parece estar relativamente isolado, apenas com figuras do PSD do seu lado. Pode estar a ser usado para criar um momento de oposição ao Governo, arriscando-se a acabar a defender-se sozinho”, acrescenta Nuno Aguiar.
“Cavaco Silva e Passos Coelho – cujo Governo escancarou as portas do País à entrada de capital angolano – estiveram presentes na apresentação do livro. Foi um momento de oposição. Mas Cavaco devia esconder-se, quando há este tipo de eventos. Ninguém esquece a suas declarações, quando garantiu aos depositantes do BES que o banco era seguríssimo – sabendo perfeitamente que o BES iria desmoronar-se…”, recorda Filipe Luís.
A “oportunidade desperdiçada” do PCP
Outro facto marcante da semana é a tomada de posse e primeiras entrevistas do novo líder do PCP, Paulo Raimundo.
“Paulo Raimundo é empático, autêntico, afável, tem uma simpatia natural e é articulado. Nesse sentido, parece-me uma boa escolha. Só que o problema não é a comunicação, mas o conteúdo. A forma mudou, mas o discurso mantêm-se no essencial, tanto no que é a sua luta de sempre pelos trabalhadores e reivindicação de direitos como, de forma preocupante, no dramático tema da Guerra na Ucrânia, onde mantém a mesma ambiguidade. É uma oportunidade desperdiçada de vir um novo secretário-geral, virgem e sem declarações prévias, emendar a mão do desastre que foi a estratégia anterior”, diz a diretora da VISÃO. Para Mafalda Anjos, as respostas de Paulo Raimundo foram esquivas: ‘A nossa posição é simultaneamente simples e complexa. É simples porque somos contra a guerra, seja ela qual for. E é complexa, porque defendemos a paz, desde o primeiro minuto.’ Claríssimo, não é?”.
Filipe Luís entende que Paulo Raimundo “pode pegar”: “tem a simpatia e sugere a proximidade que tinha Jerónimo de Sousa. O problema é o conteúdo das propostas e do projeto do PCP, que é imutável. Compreende-se: se o PCP se descaracteriza, desaparece, como os seus congéneres europeus. Se mantém a ortodoxia, vai resistindo, mas morre lentamente. Questão diferente é a posição sobre a guerra na Ucrânia: o apoio a Rússia não é uma questão vital para o PCP, pelo que poderia ter uma posição completamente diferente. Pelo menos, agora, há uma nuance: Paulo Raimundo já inclui a Rússia ente os culpados da guerra, a par da NATO, dos EUA e da União Europeia…”
Passar a referir a Rússia como um dos responsáveis pela guerra na Ucrânia é um salto em altura de 20 centímetros”, diz Nuno Aguiar, acrescentando que caracterizar Moscovo como um “cão atiçado”, como fez Paulo Raimundo, “dá a entender que os russos não têm agência e até os desumaniza”. E acrescenta: “Ainda assim, Paulo Raimundo introduziu alguma nuance na forma como o PCP fala sobre a Ucrânia, parece um bom comunicador e só vai melhorar. Mas o grande desafio do PCP é como reforçar a sua ligação a uma classe trabalhadora em transformação, mais difícil de organizar e de mobilizar.”
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