Numa altura em que seria suposto que o Orçamento de Estado estivesse no topo da agenda política e das preocupações dos portugueses, as intervenções de Marcelo Rebelo de Sousa acabam por capturar todas as atenções mediáticas. Primeiro, foram as declarações sobre o número de testemunhos a denunciar abusos sexuais perpetrados por elementos da Igreja Católica. Esta semana, vieram os elogios a Pedro Passos Coelho, “um político que ainda vai dar muito ao País”. Quais as intenções deste elogio (improvável, como veremos) de Marcelo a Passos? Também no radar do Olho Vivo desta semana, esteve a situação no interior da Igreja Católica, com os últimos desenvolvimentos, a propósito das revelações sobre pedofilia.
Filipe Luís pega na expressão do seu colega de debate, Nuno Aguiar – “Marcelo tirou um ‘Coelho’ da cartola” – para considerar que Passos Coelho está a atingir um estatuto parecido com o de Cavaco Silva: “Na gestão de silêncios e nas aparições no espaço público, acaba por ter mais impacto, à direita, do que os políticos dessa área que se encontram no ativo”. E acrescenta: “Passos tornou-se o D. Sebastião da direita portuguesa e espera-se que reapareça, numa manhã de nevoeiro, para tomar conta das operações”. Para o editor executivo da VISÃO, pode haver uma tripla intenção de Marcelo, no elogio público a Passos: “Criar uma manobra de diversão, para camuflar as declarações infelizes sobre os casos de abuso sexual na Igreja, distanciar-se de António Costa, depois da defesa exagerada que este, a propósito daquelas declarações, tinha feito do Presidente, e piscar o olho à sua área política, que tanto o tem criticado, pelo alegado alinhamento destes anos com o primeiro-ministro”. Filipe Luís comenta ainda que, quando Marcelo augura um futuro político a Passos, só pode estar preocupado com a sua sucessão e quer que a direita comece a pensar num candidato presidencial: “Em que cargo poderá Passos ‘ser útil’ ao país?”, interroga-se o jornalista. “Um cargo europeu? Podia ser, mas não parece ter esse perfil. Como ministro de um outro líder do PSD? Depois de ter sido primeiro-ministro, isso está descartado. Deputado? Só se fosse na qualidade de líder do PSD, tal como, de novo, primeiro-ministro, mas isso não está no horizonte, com Luís Montenegro na liderança. Resta-lhe uma candidatura a Belém.”
Esta “exclusão de partes” é também perfilhada pelo jornalista Nuno Miguel Ropio: “Tendo em conta essas declarações do Chefe de Estado sobre o ex-primeiro-ministro, e pensando no historial da relação entre os dois, onde se inclui a recusa de Passos Coelho em integrar a direção de Marcelo no PSD, há 26 anos [e o episódo do catavento, como acrescenta Filipe Luis], o mais provável é que o antigo líder social-democrata, [que governou o País entre 2011 e 2015] não caia no canto da sereia, que lhe destaca as suas qualidades mas não aponta em que sentido deve ser o seu regresso à vida política”. E remata Ropio: “Não há mais nenhum lugar para lhe dar ou que o próprio queira ocupar, à exceção da Presidência da República, em 2026”. E acrescenta que “estas declarações soaram, de certa forma, a um gesto de ingratidão de Marcelo para com António Costa, que, horas antes, tinha feito a defesa do Presidente da República na polémica sobre a reação às números dos abusos sexuais na Igreja”.
Para Nuno Aguiar, “O facto de Pedro Passos Coelho centrar tanto entusiasmo à direita, quando se fala no seu nome, pode sugerir que há um vazio nesse campo político. O jornalista da EXAME e da VISÃO considera que tudo isto “mostra falta de vigor e de projeto político do PSD e do CDS”, o que, acrescenta, “tem ficado claro no debate do Orçamento, com vários ziguezagues na crítica a um documento que podia ter sido apresentado pelo PSD.” Nuno Aguiar voltaria a Orçamento, na sua nota final.
Sobre o assunto dos abusos sexuais, que tem atormentado os católicos, Nuno Miguel Ropio, que co-assina a peça de capa da VISÃO desta semana e que trata do mesmo tema, “a Igreja portuguesa chegou tarde ao apuramento da dimensão dos abusos sexuais na instituição, já que esse trabalho foi desencadeado noutros países há mais tempo”. Nuno Aguiar acrescenta que o atual momento é um grande desafio para as instituições, principalmente as mais antigas e burocráticas: “É o tempo do escrutínio veloz; neste caso, como o Presidente da República aprendeu, será inaceitável, pela sociedade, qualquer relativização. Neste ambiente, vir falar de animais de estimação e de decadência da sociedade quando há padres acusados de abusos sexuais de menores talvez mereça o prémio de falta de noção”, aponta Nuno Aguiar.
Filipe Luís defende que a Igreja vive uma espécie de “cisma de baixa intensidade”, mesmo sem um Papa alternativo em Avinhão. De um lado, os conservadores e corporativistas, que se entrincheiram, pensando que as revelações sobre os casos de abuso sexual podem destruir a instituição. Do outro, os progressistas, liderados pelo Papa Francisco, que consideram que só com mais transparência a Igreja pode sobreviver. “Infelizmente”, constata, “há uma nova geração, muito jovem, no clero, muito mais conservadora, que pretende o regresso da ortodoxia e das missas em latim…”
Nuno Miguel Ropio concorda: “Isto ocorre num momento em que a própria Igreja portuguesa já dava sinais de estar a ser palco de uma cisão, entre progressistas e conservadores, e que os números das denúncias à comissão independente vieram expor de forma muito notória. Ainda assim, percebendo a fase sensível que atravessa, o Vaticano já veio lançar mão à instituição, dando garantia que a ajudará a ultrapassar este momento – e essa parece ser uma luz ao fundo do túnel”, acrescentou.
Nas notas finais, falou-se de Orçamento, do gasoduto ibérico e das incompatibilidades dos políticos.
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