Furioso, irritado, zangado, o Tribunal Constitucional achou uma afronta «desprestigiante» mudar para Coimbra, se a AR aprovasse, em votação final global, e por maioria absoluta de deputados, esta lei orgânica. Deu um parecer, e considerou «improcedentes» as razões invocadas pelo PSD. Ir para Coimbra afeta o seu prestígio, o centralismo em Lisboa é uma tradição a respeitar, e assim sendo um órgão de soberania não pode sair da capital. Percebendo o desastre da comunicação, o TC ainda tentou emendar, garantindo que afinal era Lisboa que ficaria sem prestígio. Há aqui qualquer coisa de presunção e água benta. Ou de muita presunção, e de pouca água benta.
Começando por Lisboa, já agora, e para seguir o padrão, qual seria o desprestigio da cidade, e dos seus habitantes, e da sua beleza e grandeza, se o Tribunal Constitucional, ou qualquer outro órgão de soberania, ou sem nenhuma soberania, mudasse de ares? Manuel Carvalho, diretor de o «Público», escreveu um editorial excelente, daqueles para ficar, sobre toda esta suposta indignidade: «com milhares de juízes, procuradores, professores, médicos ou trabalhadores independentes a terem de mudar de cidade todos os anos, os juízes do TC não deveriam usar a patranha do “prestígio” para proteger indisfarçáveis confortos pessoais». Nem mais! Está tudo dito.
Mas falta falar de Coimbra, que poderia ser Viana do Castelo, ou Santarém, ou Portalegre, para não referir mais capitais. Viver e trabalhar numa destas cidades é pouco ou nada prestigiante? É tudo gente de segunda categoria, sem pompa nem circunstância. É disso que se trata? Sendo um verdadeiro insulto, é também muito pouco abonatório de um Tribunal Constitucional. Será que Coimbra não tem palácios, e cortes, e mordomias? Apreciar a constitucionalidade das leis e recursos exige tapetes vermelhos, salas grandiosas, e vestes imponentes? É daí que vem o respeito?
A AR vai agora discutir e votar a lei, na generalidade, mas o aviso prévio do TC deixa um sabor incómodo, amargo, e metálico, nos deputados. Uns querem, outros já saltaram, e alguns pedem um adiamento. Pronto. Tudo resolvido. Tudo tranquilo. O TC vai continuar a dar prestígio a Lisboa – que seria sem ele – e a fúria no Palácio Ratton amainará. Já agora, e apenas como sugestão, que tal mudar para o Palácio de Mafra? É perto, é um verdadeiro palácio, tem pompa e História, e é um descanso.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.