Biden é o presidente eleito, com um recorde absoluto de votos em eleições presidenciais americanas, e Kamala Harris também marcará a história, porque é a primeira mulher a assumir a vice-presidência. Foi o que foi, não interessa agora, mas cabe agora ao 46º presidente dos EUA reconciliar os americanos, ou pelo menos começar a apaziguar as divisões extremadas e a polarização política. Sendo um democrata moderado, e percebendo que 70 milhões de americanos votaram no ainda presidente, Biden tem tarefas gigantescas para os próximos anos. Internas e externas. Calcula-se o alívio que percorreu dezenas de governos por esse mundo fora.
Mas antes de tudo isso, que só pode começar às 12horas de 20 de Janeiro de 2021, momento em que Biden fará o juramento, é necessário ajudar Trump a sair com alguma dignidade da Casa Branca. Não parece fácil e não se adivinha tranquilo. Trump está de cabeça perdida, não quer aceitar os resultados, acha que os tribunais vão mudar os votos dos americanos, e essa agitação tem de terminar rapidamente. A pior coisa que poderia acontecer, agora, era os EUA entrarem numa onda de violência nas ruas.
Neste momento, a pessoa mais indicada para acalmar Trump, para o chamar à realidade, para conter a sua raiva – título do livro de Bob Woodward – é o vice-presidente Mike Pence, que não quer confusões e que esteve propositada e nitidamente afastado da batalha destes últimos dias. Pence tem aspirações para 2024, quer sair de cabeça erguida, e nesta fase crítica poderá transmitir algum bom senso a Trump. Nunca conseguiu, ou raramente conseguiu, mas este é o momento para se impor.
Não sendo Pence, poucos terão essa capacidade. Trump está sem chefe de gabinete, contagiado com Covid, tradicionalmente uma figura importante, mas nunca nestes 4 anos, e mais nenhum assessor, dos que possam restar, tem força para lhe mostrar o caminho de saída. No Governo, só o secretário de Estado, Mike Pompeu, poderia dar uma ajuda, mas ele próprio estava de saída e completamente esgotado com as loucuras da Casa Branca. Outra hipótese, que tem uma grande influência, é o senador Lindsay Graham, que preside à comissão judicial do Senado, e que sempre se manteve em contato permanente com Trump. Quem mais?
É extraordinário como uma personalidade profundamente egocêntrica e compulsiva cria um deserto à sua volta. Não ouve ninguém, não consegue parar para pensar, e faz constantes passagens ao ato. Ainda uma vai a meio, e já está noutra. Um desastre. Haverá um momento, obrigatoriamente, em que Trump terá de aceitar a derrota, convidar Biden para ir à Casa Branca, como é tradicional, e iniciar a transição de poderes. Os eleitores falaram, referendaram Trump, e a maioria, tanto em votos como em estados, disse que estava farta. Agora cabe a Trump mostrar que está à altura. Não custa muito.