1 – António Costa (AC) venceu, como tinha de ser, as eleições primárias do PS. A dimensão dessa vitória, porém, ultrapassou bastante as previsões e deixou “descalços” os que entendiam não haver razões para ele ter feito o que fez e os dominantes comentadores de direita, entre eles políticos em pousio à espera da sua hora. Estes, porquê? Porque admitindo a vitória de AC, que não desejavam, supunham seria por pequena margem – e por isso diziam que se fosse por menos de dez pontos equivaleria a uma derrota… Só que ultrapassou os 35 pontos num universo de quase 250 mil eleitores – 150 mil simpatizantes! -, dos quais votaram mais de 70 por cento. Resultados extremamente significativos, pelo que mostram e pelas consequências que devem ter.
2 – O que mostram então? Além do mais, que:
a) Sobre ser legítima, a disponibilidade de AC para vir a liderar o PS tinha fundamento e fazia sentido, como na altura escrevi; mais, era uma necessidade premente, como o disseram agora, da forma mais expressiva, muitas dezenas de milhares de cidadãos;
b) A campanha eleitoral teve pouca importância: o fundamental para tão grande vitória foi, como previsível, o perfil, o percurso e a ação da AC, a sua capacidade política, capacidade para dialogar, estabelecer pontes, conseguir convergências, formar equipas, alargar espaços;
c) Quanto à campanha, para lá da sua mágoa e das suas queixas pelo que aconteceu (aqui mesmo critiquei a forma como AC anunciou a sua “disponibilidade”), António José Seguro só se prejudicou com os condenáveis violentos ataques a Costa;
d) Confirmou-se por inteiro o que logo na altura escrevi: se Seguro poderia ganhar, no curto prazo, o Congresso que Costa propunha, nunca ganharia, contra ele, umas primárias – e quanto mais simpatizantes nelas se inscrevessem maior seria a sua derrota. Terá sido por convicção da sua bondade, ou por um crasso erro político – pensar que lhe seriam favoráveis -, que Seguro fez as primárias? Seja como for, a ele se ficam a dever. (E não esqueço também o erro de avaliação de Costa e/ou seus apoiantes ao considerá-las apenas uma “manobra dilatória” de Seguro).
3 – Quanto às consequências, o que desde logo avulta é que:
a) AC saiu das primárias com uma legitimidade, sobretudo uma força, que nenhum outro líder partidário, e candidato a primeiro-ministro, alguma vez teve. Aliás, se as legislativas fossem até ao fim do ano o PS teria mesmo maioria absoluta;
b) Porém, não são, e Costa vai ser a partir de agora o alvo preferencial de toda a artilharia – à direita, dos que querem manter-se no poder, e à esquerda, dos que temem lhes conquiste espaço e votos (Jerónimo de Sousa até já chamou “farsa” às primárias!). Haverá muitas frentes de ataque, que terá de evitar ou a que terá de responder com inteligência, sendo uma das primeiras, mais óbvias e caricatas, a do hipotético regresso a um diabolizado socratismo;
c) Ultrapassando as feridas abertas, AC tem de (re)unir todo o PS, no que tem de bom, deixando de lado o que tem de mau, de qualquer dos lados até agora em luta – sendo uma oportunidade soberana para isso o próximo Congresso; e deve saber aproveitar a dinâmica criada pelas primárias: ter uma lista de quase 150 mil simpatizantes é só por si um capital político precioso;
d) Um dos perigos de um processo como este é personalizar excessivamente, dar demasiado poder ao líder, diminuindo uma democraticidade partidária já de si muito pequena. Evitá-lo, e, ao invés, aumentar essa democraticidade, apresentando projetos para que se venha a alargar a todo o sistema político, deve ser uma das suas apostas.
4 – Para já, AC fez duas coisas muito bem. A primeira foi deixar claro que não vai abandonar a presidência do município de Lisboa. Seria, sob todos os pontos de vista, um grande erro fazê-lo. E nada justifica que o faça: se um líder partidário é, tem sido sempre, primeiro-ministro, porque não havia de poder ser presidente da Câmara? A segunda foi a escolha de Ferro Rodrigues para dirigir a bancada parlamentar do PS. Ferro tem experiência, preparação e qualidade(s) para isso e para mais – e é alguém que exatamente sabe dialogar, aproximar, procurar convergências. Assim, com a sua escolha António Costa terá querido também dar um sinal do caminho que pretende seguir.