No panorama das diversas eleições, a escolha do Presidente da República foi, durante décadas, olhada e sentida como secundária. Talvez porque se trata de uma eleição personalizada, talvez porque, face ao nosso regime semipresidencialista, nos habituámos a ver o cargo como largamente simbólico, ou talvez porque a participação direta dos partidos tem sido — até agora, pelo menos — relativamente discreta no processo.
Porém, num sistema político que assenta no equilíbrio entre órgãos de soberania, o Presidente da República continua a ser uma figura-chave da democracia. Não só tem a responsabilidade de garantir o cumprimento da Constituição, como também de atuar como moderador entre os diferentes poderes e representar a unidade do Estado. Apesar de não governar no dia a dia, o Presidente detém competências que podem redefinir o rumo político do País: pode nomear ou exonerar o primeiro-ministro, vetar leis aprovadas no Parlamento e até dissolver a Assembleia da República em situações de bloqueio político.
Em períodos de tensão económica ou instabilidade institucional, o papel do Presidente ganha ainda mais relevância, funcionando como ponto de equilíbrio num país onde as crises políticas têm sido recorrentes. A escolha do próximo chefe de Estado não é, por isso, uma mera formalidade democrática: determina a forma como serão geridos futuros conflitos políticos, que margem terá o Governo para atuar e que leitura será feita dos desafios nacionais e internacionais que enfrentamos.
E são muitos, sobretudo além-fronteiras. Num mundo marcado pela guerra na Europa, pelo aumento das tensões globais e por incertezas profundas nas relações internacionais, o chefe de Estado assume um papel relevante na política externa. Como representante máximo do País, participa em cimeiras internacionais, reforça alianças estratégicas e projeta a imagem de Portugal no estrangeiro. A sua voz tem peso em debates sobre segurança, migrações, energia ou defesa dos valores democráticos — temas que moldam a agenda global e têm impactos diretos na vida interna do País.
Num cenário internacional em constante conflito, a presença ativa e equilibrada do Presidente pode fazer a diferença: garante que Portugal mantém relações estáveis, preserva a sua posição dentro da União Europeia e da NATO, e participa como mediador em situações onde a diplomacia deve prevalecer sobre a força. É esta dimensão externa, tantas vezes discreta, mas decisiva, que reforça a importância destas eleições presidenciais num momento particularmente crítico.
Feita esta resenha do papel presidencial, importa agora olhar para o panorama que se desenha para as próximas eleições — eleições que, mais do que presidenciais, funcionam para alguns partidos, sobretudo nos extremos do espectro político, como uma espécie de “teste de força” ao eleitorado, antecipando um eventual cenário de legislativas antecipadas.
O partido que cresceu apoiado sobretudo na figura de um só homem pretende agora medir quanto vale o “cabeça de todas as listas”, projetando um eventual assalto ao poder. Não pretende — pelo menos declaradamente — ser Presidente de todos os portugueses e assume como objetivo transformar o regime, substituindo-o por outro moldado à imagem de um único líder. As incongruências são muitas, as falsidades outras tantas e proclamar um milhão e meio de votos como força absoluta é esquecer que mais de oito milhões não o apoiam.
O Bloco de Esquerda luta hoje pela sobrevivência, parecendo ter, finalmente, percebido que as causas de nicho, embora meritórias, não podem sobrepor-se às grandes questões que preocupam a maioria dos portugueses.
O PCP mantém a sua coerência histórica, ignorando olimpicamente que “the times they are a-changing”.
O Livre apresenta talvez a posição mais equilibrada, embora ainda não tenha assumido o óbvio: a necessidade do voto útil num candidato com reais possibilidades de chegar a Belém.
O Almirante tem sido uma verdadeira caixa de surpresas. Para homem do mar, demonstra uma notável capacidade de boiar, ainda que a sua especialidade seja a profundidade — profundidade essa que não parece compatível com coerência. Da famosa “corda” caso se candidatasse, ao almoço com o “homem que toca sozinho”, passando pela repreensão pública aos seus homens — contrariando frontalmente o princípio militar de repreender em privado e elogiar em público — já ouvimos um pouco de tudo e o seu contrário. As suas ideias estruturadas resumem-se ,essencialmente, à saúde. Sobre defesa, pouco diz; sobre política externa e magistratura de influência, ainda menos.
Afirma-se independente, mas não explica que interesse justificou o almoço com o tal indivíduo. E, pela experiência, duas figuras públicas não se sentam à mesa por acaso: ou há interesse mútuo ou há amizade. Laços familiares, ao que consta, não existem — embora haja por aí quem ande a construir árvores genealógicas imaginárias.
Restam os candidatos apoiados pelos dois maiores partidos: PSD e PS. Sobre o primeiro, não me pronuncio — só sabe do convento quem lá vive. Embora sejam notórias algumas posições de figuras que não alinham com a candidatura de Marques Mendes, ainda não ouvi nenhum líder interno apoiar oficial e publicamente outro candidato.
No PS, porém, a situação é distinta. Alguns socialistas assumiram publicamente apoiar outro candidato que não o escolhido pela direção nacional. Dir-me-ão que é a liberdade e a democracia a funcionar. Concordo — não fosse o facto de existirem dois pesos e duas medidas.
Nas últimas autárquicas, houve quem apoiasse independentes e até integrasse listas dessas candidaturas.
Alguns fizeram o malabarismo de entregar o cartão antes das eleições e recuperá-lo logo a seguir. Outros, por coerência, mantiveram-se fiéis aos seus valores e à leitura que faziam das necessidades das populações locais. Quinze dias depois, receberam cartas de expulsão por não seguirem as orientações do partido.
Agora, pergunto: o que acontecerá aos que, com responsabilidades políticas, vieram publicamente apoiar outro candidato que não o decidido pela Comissão Nacional? António José Seguro não é o candidato do PS, mas as orientações foram claras. E agora? Que destino terão esses militantes? E o que dizer dos que apoiam alguém que foi a primeira escolha de quem defende um país “orgulhosamente só”?
A verdade é que, por mero revanchismo interno, podemos não ter AJS em Belém. E, por ódios de estimação e táticas internas, corremos o risco de empurrar o PS para a irrelevância. Não basta repetir a frase de que “só é vencido quem desiste”, evocando Mário Soares. É preciso pôr o país à frente das guerras partidárias e das querelas internas.
As eleições presidenciais de 2026 não são apenas mais um exercício democrático; são um momento decisivo num país que enfrenta desafios internos sérios e um mundo em crescente instabilidade. Precisamos de um Presidente capaz de unir, moderar e representar Portugal com firmeza e sentido de Estado. E precisamos que os partidos, em vez de se perderem em vinganças internas ou cálculos oportunistas, coloquem finalmente o interesse nacional acima das lutas de poder. Porque, mais do que escolher um Presidente, estamos a escolher que tipo de democracia queremos para o futuro.
Ah já esquecia o Cotrim. Gosto e creio que tem perfil. Sobretudo a avaliar pelos cartazes.
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