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Joao Pedro Correia
Podemos começar por citar uma regra, bastante clara, do regulamento do Festival da Canção 2018, organizado pela RTP: “As 20 canções terão de ser obrigatoriamente originais e inéditas, não podendo ter sido comercializadas ou apresentadas em público anteriormente.” A palavra “plágio”, talvez porque configura um crime punível por lei, é muito forte. Eu não me sinto, de todo, autorizado a acusar o músico Diogo Piçarra desse crime, que implica uma dose q.b. de dolo e má-fé, implicando, de certa maneira, um roubo.
Mas como tenho duas orelhitas, a que vou tentando dar bom uso, sinto-me totalmente autorizado a dizer que a Canção do Fim, vencedora da segunda semifinal do Festival (com votação máxima do júri e do público) é igual a várias músicas que, para mal dos meus pecados, tenho ouvido desde ontem, quase sempre com o título genérico Open Your Eyes. Aparece quase sempre em discos de “orações” e é uma ladainha básica e suave, realmente simples. Mas isso não autoriza Diogo Piçarra a escrever, no início do comunicado com que respondeu a toda a polémica, “a simplicidade tem destas coisas” (ah, se fosse assim tão… simples; como é que Tony Carreira não se lembrou de alegar que “a simplicidade tem destas coisas”?). Para todos os efeitos, A Canção do Fim não é “original” (nos vários sentidos possíveis da palavra). Isso é claríssimo. E isso devia ter sido suficiente para Diogo Piçarra já ter tido a maturidade de se afastar do concurso em vez de declarar “continuarei a defender a minha música por acreditar que foi criada sem segundas intenções”. É que o facto de a canção ser, musicalmente, uma cópia (e, logo, poder configurar “plágio”) é independente da intenção ou má-fé de Diogo Piçarra. Na verdade, a dita ladainha é tão básica que não é impossível acreditar que estava discretamente alojada, num loop longínquo, no inconsciente do músico (os plágios involuntários, por exemplo na literatura, não são assim tão raros). O argumento de que o músico nasceu em 1990 e a música é bem anterior é tão infantil que nem vale a pena esmiuçá-lo.
E porque é que A Canção do Fim não pode ir à final do próximo domingo? Há uma razão muito pragmática: arriscava-se a ganhar (Diogo tem uma considerável legião de admiradores). E, arriscando-se a ganhar, arriscávamo-nos nós, no ano em que finalmente o festival da Eurovisão acontece em Lisboa, a passar pela humilhação de ver a candidata portuguesa ser desclassificada por não cumprir as regras (algo que nunca aconteceu).
É tudo isto importante? Talvez não muito…
Mas há outra razão em que Diogo podia pensar. Ele tem, de facto, milhares de fãs, maioritariamente muito jovens. Passar a ideia de que é normal copiar (e nunca foi, tecnicamente, tão fácil copiar, na escola, em casa…), não ser original, apresentar-se a concurso com algo que já foi feito, pode ter consequências. Escolher o papel da vítima, depois de descoberta a semelhança entre as duas músicas (e atenção, não se trata de um refrão que faz lembrar outro, como acontece tantas vezes na música popular, é toda a estrutura melódica, do princípio ao fim, que está em causa…), tem uma leitura e pode ajudar a fortalecer essa ideia, já tão em voga nas nossas escolas, de que a autoria e a originalidade não são valores assim tão importantes.
Também podíamos falar das qualidades líricas (ou falta delas) da letra de Diogo Piçarra – que há uns anos andou pelas escolas deste país a promover um inacreditável livro em que se propunha a reescrever os poemas de Fernando Pessoa para chegarem às novas gerações (só a ideia já assusta, mas a concretização ainda era pior do que a ideia) – mas se calhar já não vale a pena. E, na verdade, esta crónica não é sobre uma questão de gosto.