Querida avó,
Esta semana tivemos o primeiro dia, desde 3 agosto, em que ninguém morreu de covid-19 em Portugal. Que bom! Desde o começo da pandemia foi terceiro dia com menos novos casos. Se as vacinas continuarem a chegar a bom ritmo, até já falam da possibilidade da tão desejada imunidade de grupo ser alcançada antes do tempo previsto.
Não vejo a hora de podermos espirrar sem olharem para nós como criminosos. Afinal, tal como outras que agora não interessam nada, espirrar é uma reação natural do nosso organismo.
Finalmente, o nosso Presidente anunciou ao País que não irá renovar o repetitivo estado de emergência.
Depois do milagre que houve na Páscoa (não estou a falar da ressurreição de Cristo, mas sim do milagre de os números não dispararem como no Natal), e do descalabro que é ver tanta gente a conviver nas esplanadas, e nas festas clandestinas, ouvir estas noticias é um renovar de Esperança.
Se o Fernando Pessa fosse vivo, acabaria a notícia assim: “E esta hein?!”
Será que os mais novos sabem quem foi o Fernando Pessa? Aliás, morreu faz hoje precisamente 19 anos.
Marcou a minha geração e tantas outras.
Foi um grande exemplo de envelhecimento ativo. Imagina que reformou-se em 1996, com 93 anos de idade.
Morreu a 29 de abril de 2002, em Lisboa, poucos dias depois de completar cem anos. Recordo-me de na altura ver as comemorações do seu 100º aniversário.
Fernando Pessa fez de tudo. Cobriu os bombardeamentos nazis, foi produtor e locutor e, só depois da idade da reforma, integrou os quadros da RTP. Espero que, pelo menos os jovens que estudam jornalismo, conheçam este homem que ficou imortalizado como uma das grandes figuras do jornalismo português.
A RTP tem um belíssimo museu ontem está parte do espólio do Fernando Pessa. Cada vez que vou à RTP, fico deslumbrado com o regresso que faço ao passado ao observar esses objetos.
Era tão bom vê-lo a denunciar situações caricatas, desagradáveis, inusitadas… lugares comuns, aproveitando para “alfinetar” os responsáveis pelo bem público e alertando para o que estava mal.
Como não podia deixar de ser, recebeu imensos prémios de jornalismo e condecorações. Até a Rainha Isabel II o condecorou com a Ordem do Império Britânico, pelos seus serviços como correspondente de guerra na BBC.
Nunca mais surgiu ninguém com um carisma idêntico ao dele!
Tu, que és jornalista, deves ter imensas coisas para partilhar. Tal como memórias do “avô” Mário Castrim sobre o Fernando Pessa.
E esta, hein?
Bjs
Querido neto
Não tenho muito mais a dizer sobre o Fernando Pessa, nunca me dei muito com ele.
Mas vou aproveitar este dia para falar das telecomunicações e de jornalismo, até porque é profissão que atrai muitos jovens, apesar de todos sabermos que os tempos estão maus e cada vez mais há jornais a fechar.
Há dias o Papa Francisco apontava com grande lucidez o estado em que se encontra a informação nestes tempos.
Os jornalistas enfiam-se nas redações diante dos seus computadores e dali só saem para regressarem a casa.
Ora, diz o Papa:
“É preciso sair da presunção cómoda do já sabido e mexer-se, é preciso ir até junto das pessoas, ouvi-las, ver como vivem, porque ver é o meio mais simples para se reconhecer a realidade. É preciso uma verificação honesta de qualquer anúncio, porque, para conhecer é preciso encontrar, permitir à pessoa que tenho diante de mim que fale, deixar que o seu testemunho chegue até mim.”
E o Papa Francisco termina: “Mexam-se! Gastem as solas dos sapatos!”
E é assim que nascem as fake-news.
E cada vez mais as pessoas acreditam em tudo o que leem ou veem na sua frente. Há uns tempos saiu no Facebook uma fotografia do ator Harrison Ford ao lado de um dinossauro a quem ele teria, segundo a notícia, atingido com um tiro, e o pobre animal caíra morto a seus pés. Não imaginas a quantidade de vozes que se ergueram ali contra o Harrison Ford, que a polícia o devia ter logo prendido, que era uma vergonha, etc.
Quando em 1961 eu entrei para o jornalismo, ainda não havia computadores nem net. Se queríamos notícias tínhamos de “gastar as solas dos sapatos”, como diria o Papa, e ir por aí fora.
Era o que se devia fazer também agora.
Porque só assim temos nas nossas mãos material verdadeiro, e diferente do que é publicado nos outros jornais.
E só assim podemos escrever notícias e reportagens e entrevistas diferentes. Que consigam a atenção dos leitores. Que consigam fazer com que os jornais não fechem.
E esta hein!?
Que venha o novo estado de calamidade (que nome).
Bjs. Cuida-te
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