Dia 34.
Durante a crise que começou em 2009, ganhei um hábito que, durante anos, me ficou enraizado. Passei a olhar para os rótulos de tudo o que comprava com atenção. Fazia-o com dever de consciência e sentido de responsabilidade: queria ajudar, o máximo que podia, à minha pequena escala e nos meu gestos do dia a dia, as empresas que contribuíam para criar emprego e valor em Portugal.
Parecendo que não, a tarefa dá trabalho. Muitas vezes, as marcas brancas das grandes superfícies nacionais são feitas no estrangeiro. Não escolhia essas. Outras vezes, marcas que tinha por portuguesas, vendo bem a coisa, vendiam afinal produtos que são feitos lá fora. Perdia, claro, algum tempo a olhar com olhos de ver para as letras pequenas das embalagens e as proveniências dos produtos.
Nesta missão que tomei como minha, confrontei-me com pequenas escolhas mais complicadas: não raras vezes, vi peixe, carne e fruta mais bonita e barata vinda de fora, ou enlatados, congelados e processados estrangeiros a preços mais competitivos. Ainda assim, perante a possibilidade de me poder dar ao luxo de poder escolher, fazia questão de pagar um pouco mais e preferir português.
Nos últimos anos, confesso, afrouxei bastante no que, em tempos, foi uma quase-obsessão. Os números do País estavam a melhorar, os turistas a chegar em charters, as exportações a crescer, as empresas nacionais a verem os seus mercados alargados ao mundo todo. Passei a sentir-me, também como consumidora, uma filha desta globalização que dávamos como imparável, e a ver o planeta todo como um imenso mercado sem fronteiras.
Se houve algo que a Covid-19 trouxe, foi a destruição desta ilusão e deste modelo económico. Ao fim do dia, quando a crise aperta realmente, o que importa somos nós, os portugueses, e este território que temos como nosso. Somos nós que nos desdobramos para ajudar – com tantos gestos e movimentos de solidariedade realmente inspiradores. E somos nós, juntos, que podemos fazer a diferença para tentar dar a volta à crise que nos bateu à porta.
A partir de agora, vou voltar a escolher religiosamente o peixe das nossas águas, as laranjas do Algarve, o sal de Tavira, a manteiga e o leite dos Açores, as peras do Oeste, as maças de Alcobaça. Vou optar sempre pelos enchidos da Beira, pelas cerejas do Fundão, pelo azeite do Alentejo, pela carne do Ribatejo, pelo arroz do Sado e do Mondego, pelos queijos da Serra, da Beira Baixa e de São Jorge.
Vou comprar roupa às marcas portuguesas que as fabricam por cá e fazer férias e escapadas cá dentro, descobrindo mais um bocadinho do que Portugal tem de extraordinário. Vou escolher os pequenos produtos, os negócios familiares, as marcas que se empenham em ajudar, além de faturar. Vou assinar (ainda mais) revistas e jornais nacionais. Vou distinguir, sempre, os que têm uma postura responsável e consciência social.
Não terei opção em muitas situações, é evidente. E serei, bem sei, uma gota de água neste oceano. Mas, todos juntos, somos 10,6 milhões e podemos fazer muita diferença se nos unirmos e puxarmos pelo que é nosso.