Dia 32.
A moral é mais ou menos como a presunção e a água benta, cada qual toma a que quer. Evitar pregar a nossa aos outros é uma prática de salutar convivência social e uma regra higiénica para qualquer colunista sensato.
Mas nalguns casos não é a “imoralidade” que me “encanita”. Se o “desenrascanço” é característica nacional aplaudida, quando juntamos o prefixo “chico” à “espertice” a coisa muda de figura.
Não há nada pior do que um chico-esperto em tempos de crise. É um triste clássico. Aquele que quer ganhar à custa da miséria alheia. Que gosta de chafurdar nas desgraças dos azarados, para sacar uns trocos. Que se cola às misérias dos outros, para aproveitar benefícios que não lhe assistem. Não são aqueles que tentam, com criatividade, reinventar-se e sobreviver honestamente no meio desta crise. São os outros: os que querem, de forma infame, lucrar ao máximo com ela. E assim, também agravá-la.
São muitos os casos com que me tenho cruzado.
Os empresários que aproveitam para fazer uma limpeza geral e despedir em massa, sem qualquer responsabilidade social. Os pais com filhos nos colégios privados, que apesar de estes continuarem a trabalhar e desdobrarem-se para encontrar soluções rápidas e criativas para continuar a dar aulas à distância, exigem uma redução da mensalidade para metade. Os que vivem confortáveis e podem pagar, mas que despedem as mulheres a dias porque agora elas não podem vir, com a agravante de nunca lhes terem pago a segurança social. Os que pedem subsídios e apoio extraodinário para ficar com os filhos pequenos em casa, mas continuam a trabalhar e a receber em teletrabalho. O inquilino que mantém todos os seus rendimentos e nível de vida, mas que pede uma redução da renda que contratou há uns meses só porque sim, o País está em crise e faz todo o sentido pagar menos. Os que ficam à espera que o Estado venha oferecer tablets ou computadores aos filhos para o ensino à distância, quando podem comprá-los, e tiram assim a vez a quem realmente precisa. Os espertalhões que vendem por 10 vezes mais as máscaras, o gel desinfetante e o álcool. Os que dão o dito pelo não dito, quebram acordos e desfazem a palavra dada, escudando-se em circunstâncias supervenientes que pouco os afetam. Podia continuar, mas toda a gente se cruzou com um chico-esperto por estes dias.
Vou dizer, devagarinho: durante o Estado de Emergência não vale tudo. O facto de estarmos confinados às nossas casas, de empresas e negócios estarem de portas fechadas e de o País estar numa crise económica inédita da qual não sabemos bem como vamos sair, não justifica tudo. Não é bonito. Não é honesto.
O enriquecimento ilícito é um crime. Em tempos de Emergência Nacional, a chico-espertice e o aproveitamento, se quiserem chamem-lhe imoral, também deviam ser…