Carinho
Quando sou muito pequenino, para me sentir seguro e calmo, preciso de muitos abracinhos, preciso que me olhem nos olhos, sem pressas, e sorriam, como se estivessem apaixonados por mim. Para crescer – sem me sentir angustiado e triste – preciso que me deem muitos beijos, me façam muitas festas, preciso que me deem atenção, brinquem comigo e se divirtam comigo. Também preciso de espaços verdes, árvores, flores e relva onde possa aprender a correr. Sentir que sou amado descontrai-me, faz-me sentir protegido e leva-me a explorar mais o meu meio ambiente.
Quando os meus pais e os meus avós, mesmo por momentos, se esquecem de mim, se afastam de mim, ou estão stressados e preocupados, sinto-me terrivelmente inseguro e angustiado. Sinto que sem eles, não sou nada, não sou ninguém. A ausência ou a indisponibilidade dos meus pais, principalmente da minha mãe, são para mim um desastre: sinto angústia e rejeição.
O silêncio dos outros põe-me em estado de alerta, uma voz alterada e zangada, assusta-me. Sou uma criança!
Brincar e falar
Pode não ser expectável, mas é verdade. É normal os pais (quase) não falarem com os filhos a não ser para lhes darem indicações e instruções. Para nós, crianças e jovens, não termos quem fale connosco é uma experiência dolorosa e traumatizante. Se quase não ouvirmos falar, ou se quase não falarem connosco, vamos quase não conseguir falar. E falar é pensar em voz alta! Que fazer com as inúmeras perguntas que gostaríamos de fazer se ninguém tem paciência para nos ouvir, ou ninguém nos dá um pouco do seu tempo e sabedoria? É assustador quando nos mandam calar.
Gostamos de brincar, de sorrir, de rir, de correr, de cores, de árvores, de passarinhos, de sossego e até de dormir. Estranhamos que os outros não achem importante o que nós achamos. Custa-nos compreender porque nos deixam sozinhos ou nos mandam estar quietos, sentados e calados.
A agitação e o sofrimento dos meus pais aterrorizam-me.
Gosto de mim mesma, gosto que gostem de mim, que me respeitem e até gosto de respeitar os outros. Mas, por vezes, duvido de tudo. Não sei quem sou, o que quero, nem para onde vou. Sinto-me perdida, sozinha e tenho medo. Sinto um vazio em mim. Há também algo que me intriga: as pessoas desaprenderam a amar, ou não aprenderam, quando era a altura certa de o fazer?
Se for esta a história dos adultos, compreendo-os um pouco melhor. Como poderiam eles criar para nós, crianças, um início de vida mais agradável e saudável, se ainda não conseguiram resolver os traumas da sua própria vida?
Como nos podemos refazer, tratar das nossas feridas após uma queda?
Fazer asneiras e sofrer, viver angustiados, geração atrás de geração, não é uma inevitabilidade. Pode ser, no entanto, um sinal de que, coletivamente, não estamos bem e que precisamos de tratar de nós. Quando estamos de costas uns para os outros, quando estamos permanentemente em lutas sectárias, uns contra os outros, vivemos uma situação profundamente doentia. Tratarmo-nos, é tratar da nossa sobrevivência.
Reconstruir a nossa sociedade, tornando-a mais saudável
Precisamos de refletir, de olhar para os outros e de falar com eles, mesmo com aqueles que não são da mesma classe sociocultural e económica. Este facto não pode continuar a impedir-nos de falar uns com os outros, mesmo que tal nos possa levar a sentir a necessidade de pedir desculpa. Uma sociedade segregacionista destrói-se a si mesma.
Mudar a relação que temos com as crianças e com os jovens
Quais são as consequências de fechar todas a crianças do País em instituições – sabe Deus com que qualidade – desde a idade de alguns meses, 6, 8 ou mais horas, por dia, a maior parte dos dias, de todas as semanas do ano? Em que é que esta crueldade pode ajudar as crianças e os jovens, ou melhorar a qualidade da nossa sociedade?
É extremamente importante que os pais acompanhem as crianças quando estas entram e saem da sala de aulas, que vejam como a escola e o grupo de crianças funcionam, como é o relacionamento entre crianças, entre si, e com o professor. É muito importante que os pais se sentem na classe, na cadeira dos filhos, vejam os seus trabalhos, conheçam os professores e falem -frequentemente- com eles. É fantástico quando os pais participam ativamente no funcionamento do dia-a-dia da escola, organizam atividades e ajudam noutras. Os pais precisam de criar o hábito de falar, todos os dias, com os seus filhos, sobre o que os ocupa a maior parte do dia: a escola. Manifeste interesse e curiosidade, se necessário aconselhe, ajude e intervenha. Brinque com a matemática, a leitura e a escrita. Mostre à sua filha, ou ao seu filho, que sabe ouvir e expor opiniões, invente brincadeiras com a matemática, leia uma história e peça-lhe para ler a próxima página, ensine-lhe a escrever uma pequena aventura e como não fazer erros.
Para os seus filhos, não escolha uma escola sectária que ensina as crianças a desconhecer e a negar a existência das outras crianças. A segregação de género, como a segregação entre crianças pertencentes a diferentes classes sociais, sufoca-nos a todos. Os pais e os professores têm uma tarefa comum, que só juntos poderão realizar. Neste momento, os dois meios sociais onde a criança se forma ignoram-se mutuamente. Nestas condições não é possível responder minimamente às necessidades das crianças ou oferecer a qualidade de que necessitam.
A escola é das crianças, dos pais e dos professores, por esta ordem. A escola não pode ser do Estado, nem de um ministro! A escola não pode segregar, nem estigmatizar crianças.
Onde está a Lisboa das crianças?
Onde está, em Lisboa, uma enorme biblioteca central, como todas as capitais europeias têm. Onde estão os jardins amplos e as quintas agrícolas onde as crianças se podem divertir e correr sem serem expostas ao barulho e ao ar poluído provenientes dos aviões e dos automóveis? Hoje, Lisboa não é uma cidade para crianças.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.