Se o País fosse uma empresa diria que esta semana, e a dois meses de iniciarmos a nova estratégia de liderança, “o Departamento de Contencioso faturou”. Poderia acrescentar que, por força dos processos, é um departamento prudente, que gosta de ordem, trabalha com equidade, justeza nas decisões e que trata todos por igual, sem distinção. Muitas vezes é criticado pelos outros departamentos. Mas, é um departamento chave na empresa e que, como diz a sabedoria popular, “é cego”.
Deixando a analogia, esta semana fica marcada por dois momentos no campo da Justiça. Por um lado, soubemos que a Operação Marquês entrou numa nova fase, agora no Tribunal da Relação de Lisboa, e que afinal existem indícios suficientes para o ex-primeiro-ministro José Sócrates e 21 outros arguidos serem julgados por quase duas centenas de crimes, onde se inclui corrupção. A onda de choque do continente chegou à Madeira e ficámos a saber que, por lá, o presidente do Governo Regional tinha sido constituído arguido, num processo que levou à detenção do presidente da Câmara do Funchal e de dois gestores de um grupo de construção. Pelo meio, ainda temos fresco o impacto da onda de choque “Operação Influencer”, que imputa factos suscetíveis de constituir crimes de prevaricação, corrupção ativa e passiva de titular(es) de cargo político e tráfico de influência.
Podemos olhar pacificamente para toda a situação e concluir: “É a vida!” ou “É mais do mesmo. Nem se governam, nem se deixam governar”, como se tudo se passasse num país que não aquele onde vivemos. Mas, a realidade é cruel. Tudo isto faz parte de um país chamado Portugal, que tem uma economia paralela que representa 35% do PIB. Ou seja, se os portugueses declarassem todo o seu rendimento a receita adicional equivaleria a 121% da despesa orçamentada em Saúde (em 2022) e a 160% da despesa executada em Educação (em 2021) – os dados são de um estudo efetuado pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto e divulgado em junho do ano passado.
O que quero aqui passar não são os números. É o exemplo, ou a falta dele. Sabendo que comportamento gera comportamento, é de questionar como podemos exigir ao português comum transparência, honestidade, quando vimos vários elementos da classe política e gestores de topo a serem acusados de corrupção, de olharem primeiro, em segundo, em terceiro, em quarto lugares para o seu umbigo esquecendo a coisa pública?
É certo que a nossa carga fiscal é pesadíssima. Mas, também é certo que não está a resultar.
Como seria Portugal se houvesse transparência, honestidade na classe política e por parte de quem gere empresas (públicas ou privadas)? Comportamento gera comportamento e os exemplos têm de vir de cima. Só assim se poderá sentir que ninguém está acima ou abaixo da lei. Só assim poderemos contruir um país onde a economia paralela e a corrupção invertem para baixo o seu ciclo.
No momento em que os partidos políticos – da esquerda à direita – fecham os respetivos programas, com que se irão apresentar aos portugueses em março próximo, seria interessante colocar no topo, lado com os tradicionais grandes temas, temas como “transparência” e combate à “economia paralela”. Portugal produz, mas se for à margem “não existe”.
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