“Filha, o inferno é na Terra, é em vida que pagamos por tudo o que fazemos”, disse-me uma tia, na casa dos seus oitenta, há uns anos. Uma metáfora que ficou e que, de quando em quando, reaparece na observação das vivências quotidianas e do mundo.
A minha tia referia-se ao inferno em que cada um pode transformar a sua vida como consequência das suas ações e atitudes. Se cada um de nós pode ter este poder individual, imagine-se a uma escala coletiva. É o que parece estar a acontecer.
O clima vive uma espécie de esquizofrenia constante. Estamos em alerta ambiental vermelho. Nuns lados o céu desaba, noutros a terra abre-se. A Califórnia arde há seis semanas. Passamos por uma pandemia sem precedentes. As guerras, mais frias ou mais quentes, parecem estar incrustadas no nosso ADN e travam-se agora também virtualmente. Por terras afegãs, assistimos ao impensável, um retrocesso nos direitos humanos que nos deixa sem fôlego. Para mencionar apenas parte do nosso calvário.
Parece mesmo que a humanidade tem vindo a carburar o seu inferno lentamente. A cada novo noticiário o cenário é dantesco. Mas, tia, se o inferno é na Terra, o paraíso será por aqui também.
Só em Portugal temos mais de quatrocentos quilómetros de um território com praia, mar, rios, cascatas, serras, montes e planícies. Andorinhas na primavera, sardinha nos meses sem “R”, figos no verão, castanhas no outono, lareira no inverno. Acrescem duas “casas de férias” extraordinárias nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.
Deleites nacionais nomeados pela rama, temos ainda todo um planeta para explorar, onde a diversidade do património natural e cultural se múltiplica sem cansar. Tenhamos nós vida suficiente para palmilhar o mundo e o espaço pode bem esperar.
De resto, em qualquer parte há céu, o sol brilha, a lua e as estrelas iluminam e estão à distância de um olhar para nossa contemplação. E, “porque a felicidade só faz sentido quando partilhada”, podemos viver tudo isto com pai, mãe, irmãos, mulher, marido, tios, sobrinhos, amigos e tantos outros com quem nos cruzamos.
Vivemos no paraíso e nem demos conta. Teimamos, no entanto, em transformá-lo num inferno.
Um paraíso que é cada vez mais um privilégio de alguns, talvez até dos menos merecedores. Sorte dos que se encontram na latitude certa, pois muitos já nascem no meio do inferno, sem saber muito bem como, nem porquê.
Resta saber até quando. Até quando poderemos ainda tocar neste privilégio. Estamos em alerta vermelho. Vermelho da cor do inferno. Resta pouco tempo para mudar.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.