- Qualificar de “histórica” uma eleição presidencial nos Estados Unidos da América é um lugar-comum. As eleições são sempre históricas, porque são as eleições do momento – antes das próximas. Estas eleições de 2020 não são, do ponto de vista da importância histórica, as de 1860, essas, sim, verdadeiramente eleições históricas ao conduzirem diretamente a uma guerra civil. Nada disso vai acontecer. Estamos muito esquecidos dos Presidentes muito maus do século XIX e do início do século XX. Alguns de características muito piores do que as de Trump. A grande nação americana sobreviveu e ultrapassou essas presidências. As coisas devem sempre ser contextualizadas.
- Tudo indica, quando escrevo, que Biden terá ganhado o voto popular, mas pode ainda perder o Colégio Eleitoral, de novo e nos mesmos estados: Pensilvânia, Michigan e Wisconsin. Teremos de perceber nos próximos dias se a contagem do voto por correspondência permitirá ainda algum caminho alternativo a Trump ou a Biden, via litígio dos resultados eleitorais.
- Tal como em 2016, foi uma eleição muito ajustada. Os Estados Unidos da América continuam profundamente divididos, antes e depois da pandemia. Os primeiros grandes derrotados são as sondagens. Falharam de novo, de forma sistemática e nos mesmos estados. O voto escondido em Trump abunda, e as sondagens não sabem lidar com isso. As elites também não.
- Estes últimos anos mostraram que o processo de mudança, iniciado nos anos 60 – com o movimento dos direitos cívicos a alterar drasticamente os equilíbrios do Partido Democrata e do Partido Republicano –, não parou. Por isso, uma derrota de Trump não é o fim do trumpismo, tal como uma derrota de Biden não é o fim do Partido Democrata.
- A coligação dos brancos pobres, do Sul pouco entusiasta da agenda da diversidade, do mundo empresarial que quer redução dos impostos, da direita evangélica, não vai desaparecer do dia para a noite. Existe e é forte. Se Trump vier a perder o Colégio Eleitoral, a coligação naturalmente evoluirá, por uma questão de sobrevivência eleitoral, mas continuará viva na sociedade norte-americana.
- Os democratas ganham a Câmara folgadamente, mas o Senado deverá continuar com uma ligeira maioria republicana. O Partido Democrata terá falhado de novo a maioria que perdeu em 2014. Desta vez, era uma eleição particularmente favorável do ponto de vista geográfico. Um sinal de que o problema, tal como em 2016, não é só o candidato presidencial.
- Penso que a consequência mais trágica do momento em que vivemos é o fim da comunicação social como a conhecíamos. São agora apenas peças alinhadas em máquinas de propaganda. A comunicação social, em vez de ser um contrapoder às redes sociais, optou por ser um amplificador das redes sociais. Perdeu o distanciamento das agendas partidárias. Isso alimentou o radicalismo, falseou a realidade e subalternizou completamente o jornalismo isento. Não vai ser fácil recompor o papel informativo da comunicação social, nos próximos anos.
(Opinião publicada na edição 1444 de 5 de novembro)