Está aberta a caça à palhinha. Este ano, 20 países assinalaram pela primeira vez o Dia Internacional Sem Palhinha. Theresa May, a primeira-ministra britânica, apelou aos países da Commonwealth que banissem as palhinhas. Algumas cidades americanas proibiram os bares e restaurantes de incluírem palhinhas nas bebidas, se não forem expressamente solicitadas. Legisladores na Califórnia chegaram a propor multas de mil dólares (€850) e seis meses (meio ano) de prisão para os empregados de mesa que trouxessem palhinhas ao cliente sem que este as tivesse pedido. As empresas mais atentas às modas também já se apressaram a cavalgar a onda e anunciaram que vão fazer o que lhes compete: deixar de vender palhinhas, assim salvando o planeta do armagedão.
É uma luta desproporcional, esta, entre o todo-poderoso Homem e a pobre palhinha. Mas justa, diz-se, atendendo ao flagelo do plástico que se acumula nos oceanos – 9 milhões de toneladas de plástico vão lá parar todos os anos. Calcula-se que em 2050 haverá mais plástico no mar do que peixe.
E os números das palhinhas que têm surgido na imprensa são efetivamente pornográficos. Só nos EUA, são usados e imediatamente descartados 500 milhões de palhinhas por dia. Por dia! Ou seja, cada americano usa uma palhinha todos os dias, e cinco em cada 10 usa duas. (Se os portugueses tiverem hábitos semelhantes, despachamos, deste lado do Atlântico, uns 15 milhões de palhinhas por dia.)
Este número – 500 milhões – tem sido amplamente divulgado na imprensa internacional e nacional, apesar de ser um cálculo de um miúdo de nove anos que, em 2011, decidiu ligar para alguns produtores de palhinhas e extrapolou os resultados, sendo depois arregimentado pela empresa de reciclagem Eco-Cycle, para a sua campanha antipalhinhas (com o patrocínio de empresas de palhinhas reutilizáveis).
Ainda assim, a quantidade de palhinhas nos oceanos, estimada por cientistas que já não brincam com legos, é considerável: há duas mil toneladas de palhinhas espalhadas pelos litorais dos continentes. Mas essas duas mil toneladas correspondem a apenas 0,022% do total de plástico que anualmente vai parar ao mar.
Ainda assim, podemos banir as palhinhas. Mal não faz, se excluirmos os habitualmente excluídos (pessoas com deficiências já vieram alertar que as palhinhas dão algum jeito a quem tem Parkinson ou não tem braços). Mas concentrarmos os esforços numa parte tão insignificante do problema desvia-nos as atenções dos verdadeiros culpados. E esses, a julgar pelo estudo de outros investigadores (maiores de idade), são os pescadores – 46% do lixo encontrado na famosa ilha gigante de plástico do Pacífico (que não é ilha nenhuma) são redes de pesca abandonadas. Seria bem mais produtivo lutarmos por um acordo internacional que obrigasse os armadores e produtores de equipamentos de pesca a usar um selo próprio nos seus materiais, para que sejam responsabilizados por redes descartadas. Se conseguimos que todos os países aceitassem acabar com os CFC, que estava a destruir a camada de ozono, também conseguimos isto.
Claro que atacar as palhinhas é mais sexy. Os governos ganham uns trocos com novos impostos “ambientais” (o ministro do Ambiente já avisou que está preparado para avançar com uma taxa para penalizar os portugueses malcomportados) e os consumidores têm ressacas de consciência tranquila, porque pediram ao barman um mojito sem palhinha. Como se realmente estivessem a dar um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade.
Não estão. As palhinhas são uma gota no oceano.