O ano que agora termina ficará tragicamente marcado pelos incêndios de junho e de outubro, pela violência brutal da morte das 111 vítimas, pelo trauma e dor dos sobreviventes, pela necessidade de respostas imediatas e estruturais às populações. Outros casos, mais ou menos mediáticos, e com importância diferenciada, ficarão certamente associados a 2017. Para lá da espuma dos dias fica a vida dos comuns mortais, e é essa a dimensão que me interessa aqui abordar.
A narrativa de que o “Estado falhou” é deliberadamente simplista, perversa e perigosa. O Estado tem costas largas, mas será oportuno questionar se quem invoca o falhanço do Estado defende, em alternativa, a eficácia do mercado? Fazer confundir o Estado com governos não é inocente e visa desresponsabilizar os segundos que, reconfiguraram as funções sociais do primeiro, para assim justificar o encerramento e privatização de serviços públicos essenciais.
Nos últimos anos, de uma forma generalizada, e sobre “casos” com natureza e dimensão muito variável, a conclusão quase sempre vencedora foi: o falhanço do Estado. Escândalos de gestão ruinosa na banca privada (BPN, do Banif, do BES/GES); incêndios florestais, e irregularidades em IPSS’s… Certamente que existiram erros e responsabilidades que devem ser assumidas até às suas últimas consequências. Mas partir daqui para a generalização de que, por princípio o Estado fiscaliza mal, quanto mais gerir, é um salto quântico. Quântico, mas deliberado e perigoso, repito. Ainda mais quando, no momento de acudir a processos de gestão ruinosa ou de natureza semelhante, têm sido os recursos públicos que entram em ação para cobrir processos altamente danosos.
2017 confirmou a importância de consolidar um caminho de reposição de direitos. A reposição do pagamento integral do subsídio de férias e de Natal; o aumento extraordinário das pensões que abrangerá mais de 1 milhão e 600 mil reformados; a criação de dois novos escalões IRS, abrangendo 2 milhões e 800 mil pessoas; a eliminação da sobretaxa; a atualização do “mínimo de existência”, significando a isenção de IRS ou a sua redução até 480 euros nos salários e reformas mais baixos. Avanços positivos também na reposição do pagamento integral das horas extraordinárias, trabalho noturno e horas de qualidade; na eliminação do corte de 10% no subsídio de desemprego; no reforço da medida de apoio extraordinário a desempregados de longa duração; no impedimento de cativações no SNS.
Não houve um único avanço ou direito reposto que não tivesse resultado da luta dos trabalhadores e da intervenção do PCP. Tal não será facto necessariamente novo, mas será sobretudo importante, se pensarmos no tanto que se andou, mas no tanto mais que se poderia ter andado. As opções de fundo do atual Governo PS e as respetivas amarras são obstáculos incontornáveis ao desenvolvimento do País: Dívida, Euro, regras da governação económica da União Europeia são problemas, não são soluções. As metas de redução do défice limitam o ritmo e o alcance da reposição de direitos, rendimentos e investimento público necessário.
Necessário, porque continuamos a viver num país onde cerca de 2 milhões de pessoas estão em risco de pobreza e exclusão social; onde 2/3 dos idosos sobrevivem com pensões próximas ou abaixo do limiar da pobreza; onde mais de 700 mil trabalhadores auferem um salário mínimo inferior a 600 euros; e onde o trabalho precário hipoteca o futuro de milhares e milhares de famílias. Terminando 2017 e antevendo 2018, urge a necessidade de uma outra política de criação e distribuição de riqueza: na revisão dos limites do défice, no combate ao favorecimento do grande capital, na aposta no aparelho produtivo, na exigência do aumento dos salários e fixação do salário mínimo em 600 euros, no combate à precariedade, na eliminação das normas gravosas do Código do Trabalho, no reforço dos serviços públicos.
As feridas fundas de tempos de retrocesso recentes continuam por sarar. Mas se não faltou força para derrubar inevitabilidades, não faltarão razões e vontade aos trabalhadores e ao povo para construir um país mais justo e uma vida melhor. “Cada fio de vontade são dois braços, e cada braço uma alavanca”, venha daí 2018 com uma imensa confiança no futuro.
(Artigo publicado na VISÃO 1294, de 21 de dezembro de 2017)