No dia em que escrevo não é possível saber com clareza como é que o executivo vai descalçar a bota, apertadíssima, das reivindicações dos professores. Arrisco (sem grande risco, passe a contradição), todavia, uma previsão: as cedências vão – no todo ou em parte – ser pagas ao longo dos próximos anos, provavelmente ao longo das próximas legislaturas.
O executivo vem aliás usando e abusando do expediente. Foi assim nas pensões, foi assim na sobretaxa do IRS, está a ser assim no descongelamento das carreiras da função pública. E nem se diga que o expediente é novo: todos estarão lembrados da forma como se desvirtuou o conceito das PPP para as transformar num verdadeiro imposto sobre o nosso futuro que, azar o nosso, é já presente. Menos ainda se diga que o expediente é contabilístico ou meramente financeiro. O truque é profundamente político e é na arena política que tem de ser discutido.
Digo que é político o expediente na medida em que, obviamente, condiciona as opções do governo que sair das legislativas de 2019. Por essa altura o efeito acumulado de todos estes expedientes estará próximo de fazer-se sentir em pleno e tornará francamente mais difícil a vida do então ministro das Finanças.
Mas digo que o expediente é político também, sobretudo, por uma razão mais profunda, mais estrutural. Porque condiciona a vida dos cidadãos que ainda não o são de pleno direito, e que não têm, portanto, direito a voz. Egoisticamente falo do Tomás, do Manuel que ainda dormem lá em cima. Mas não me fico pelos que são meus. Falo, obviamente de todos quantos, como eles, estão a ser chamados, sem o saber, a pagar as nossas irresponsabilidades. Falo de todos quantos ainda nem sequer nasceram, mas que herdarão uma pesada dívida que mais não é – repito – do que um imposto sobre o nosso futuro que é o nome do presente que será deles. Volto, portanto, a um tema que me é caro.
A questão, simultaneamente de fundo e profundamente política, que aqui se coloca é pois a de saber em que raio se funda a nossa legitimidade para usar e abusar do futuro. Como se este não fosse sempre para nós um abstrato eufemismo, não deixando de ser um concreto presente para os que ainda não são. Que legitimidade é esta que nos habilita a cortar as asas, desta forma brutal, de todos quantos não podem ainda defender-se? Que legitimidade é esta que nos habilita a trocar o hoje que é nosso pelo amanhã que não nos pertence?
A questão que se coloca é, passando para a busca de soluções, a de saber que mecanismos, que freios constitucionais ou outros (faz sentido limitar constitucionalmente o valor da dívida?) queremos nós erguer para nos impedir de continuar a usar os presentes que não serão nossos. Como incluir – tão simples de enunciar, tão difícil de realizar – a dimensão tempo no nosso edifício demoliberal?
Que este debate se faça a propósito de professores que são, devem ser, importantes guardadores do futuro dos nossos filhos, não deixa de ser irónico. Mas o que verdadeiramente importa é que o debate se inicie. Porque o futuro faz-se sempre presente. E o presente dos nossos filhos é o futuro para o qual estamos a empurrar os nossos problemas
(Artigo publicado na VISÃO 1290, de 23 de novembro de 2017)