Não espero (quase) nada de verdadeiramente excitante na sequência das eleições autárquicas. Arrisco-me mesmo a dizer que dessa frente nada de novo sairá. Com uma perigosa exceção. Mas já lá vou.
O PS vem de uma vitória confortável e controla uma confortável maioria de câmaras. É evidentemente possível que venha a perder terreno, mas a distância para o PSD dificilmente será anulada. Acresce que sairá vitorioso em Lisboa. Mas acresce sobretudo que, ainda que assim não fosse, a ninguém passaria pela cabeça provocar uma crise no partido do governo, numa fase em que todos os astros da economia parecem alinhados.
Teoricamente é o PSD que poderia ver aberta, com mais facilidade, uma crise na sua liderança.
O partido está na oposição, Pedro Passos Coelho não se libertou ainda de um registo azedo de primeiro-ministro apeado que manifestamente não faz caminho, a preparação do dossiê autárquicas foi menos do que amadora (em particular no Porto e em Lisboa). Sucede que, estando as expectativas tão baixas e a derrota na capital tão anunciada, dificilmente os resultados desiludirão. É evidente que é teoricamente possível um resultado humilhante em Lisboa (mudando o caso de figura) mas o cenário central é o de que nenhuma crise se precipite no imediato. A conquista de uma ou outra câmara emblemática pode até ser pretexto para uma proclamação de vitória. Serão aliás, como de costume, várias.
No CDS, mais do que na defesa das suas cinco câmaras, Cristas joga o futuro em Lisboa. Mas a campanha vai embalada e o partido só precisa de igualar o registo de Paulo Portas em 2001. Um resultado mais do que ao seu alcance. Não estando excluída a hipótese de um segundo lugar.
O Bloco nada pode perder pela simples razão de que nada tem. Luta por aumentar o número dos seus vereadores, mas este é um indicador que, convenhamos, não comove ninguém num partido sem qualquer tradição autárquica.
Resta o PCP, apesar de tudo o caso mais interessante. Uma derrota (a favor do PS) num conjunto de bastiões emblemáticos fará soar os sinais de alarme e reavivará as dúvidas metafísicas de todos quantos olham com desconforto para a aliança das esquerdas. Nada que faça perigar lideranças (por aqueles lados as coisas não se passam assim). Mas não é de excluir um aumento de tensão na geringonça.
Falta o “quase”. E o “quase”, imenso “quase”, é obviamente Loures. É de Loures que pode nascer o único facto político suscetível de ter um impacto estrutural na vida política do país. Se, como ingenuamente espero, o PSD for duramente castigado nas urnas, sobrará um embaraço (dificilmente mais do que isso) para Passos Coelho. Mas se a estratégia do sr. Ventura produzir resultados palpáveis, o cenário político alterar-se-á de forma dramática. O populismo mais rasteiro e o discurso do ódio (talvez fosse melhor dizer a check list de inanidades em que nem o próprio Ventura se revê) terão entrado oficialmente na maioridade política em Portugal, com consequências imprevisíveis. E o PSD carregará para sempre a responsabilidade de ser o padrinho político dessa alteração tectónica.
Que nada nem ninguém no partido tenha sentido qualquer estremecimento cívico, que nenhuma voz de um qualquer barão ou líder histórico se tenha feito ouvir sobre esta opção lamentável diz muito, mas mesmo muito, sobre aquilo em que se transformou o PSD.