A sofrida vitória eslovena da clássica corrida da Tour de France com que todos crescemos ganha um novo fôlego por cá com Tadej Pogačar e Primož Roglič, na frente da competição, prova após prova. Tadej, que nos surpreendeu na fase final, faz 21 anos no dia que se segue à corrida e é o mais novo vencedor desde 1904. Primož Roglič , campeão de saltos de ski em 2007, obtém o segundo lugar. A passagem entre estes desportos não é tão pouco vulgar e a leveza e coragem de Primož de certeza que ajudam nas provas de montanha. A queda cuja lesão o levou a trocar os skis pela bicicleta em 2012 trouxe novas vitórias ao desporto esloveno. No ano passado ganhou o Vuelta a Espanha, uma das três maiores competições mundiais, a par com a Tour de France e o Giro D’Italia, e outras surpresas se adivinham. Quem sabe se os vamos ver na Volta a Portugal.
São várias as competições de bicicleta pelo país fora. Há para todos os gostos, desde a mais oficial Maraton Franja, de 156/97km, organizada desde 1982 pela marca eslovena de bicicletas Rog; até à mais alternativa Magpie Valley Grand Prix organizada pela startup Pici Bici em colaboração com a marca Musguard (o versátil para-lamas criado pelo designer esloveno Jurij Lozić que acabou no museu de arte moderna). Uma das mais curiosas competições é, sem dúvida, o evento anual Goni Poni, promovido pela marca Red Bull, com mais e mais adeptos a cada ano. Nesta corrida os participantes de todas as gerações sobem a inclinada estrada de montanha Tržič, na fronteira com a Áustria, obrigatoriamente num modelo sem mudanças da conhecida marca eslovena Rog, conhecido como Poni. É originalmente uma bicicleta infantil que passou gerações e tornou-se um ícone, embora a marca eslovena tenha tido algumas dificuldades no passado recente, com o fecho da fábrica no centro da capital. A Poni reaparece no mercado recentemente para deleite de muitos, e as versões vintage ainda se vendem em segunda mão a preços acima do real valor, ao lado da versão de bicicleta de estrada – Rog Maraton – que é sem dúvida um clássico a bom preço. Sou feliz dono de ambos os modelos que adquiri em alturas diferentes num total que não chega a 50 euros. Mas claro que já gastei mais que isso em arranjos.
Por cá as bicicletas são um meio de transporte muito comum entre nós, especialmente aos que vivem na capital Ljubljana. Eu, pessoalmente, troquei há mais de dez anos o trânsito infindável de Lisboa pela mobilidade eslovena. Está-se em qualquer lado em meia hora no máximo, é só dar ao pedal. E para quem não comprou ainda a sua, há bicicletas de cidade numa rede até bastante eficiente e frequentemente utilizada. A bicicleta é talvez a prioridade na mudança de estilo de vida para a maioria dos portugueses que vêm viver para a Eslovénia. Confirma Letícia Carmo, que por cá viveu um tempo e que, como eu, raramente tinha pegado numa bicicleta antes de cá chegar. “Cheguei a Ljubljana e no dia seguinte já tinha uma bike, que passei naturalmente a usar todos os dias para ir para todo o lado. Faz parte da cidade. Por ser plana, pequena, cidade universitária, e ter uma rede de transportes que não consegue evitar passar pela Slovenska (rua principal). Ter uma bicicleta nessa cidade é praticamente assumi-la como uma extensão do nosso corpo.” Ajuda o facto de que há estradas para bicicletas bem sinalizadas por todo o lado, e que os condutores já habituados aos ciclistas, não lhes impõem a sua viatura. Na vizinha Zagreb, na Croácia, também se pedala por todo o lado, mas a cidade é maior e em alguns pontos com mais subidas. Por outro lado, a vizinha Trieste, na Itália, tem demasiadas colinas a fazer lembrar Lisboa, e as bicicletas são muitas vezes substituídas pelas vespas bem italianas.
As bicicletas públicas de cidade de Ljubljana – Bicikelj – que desde 2011 são oferecidas pelo município, são utilizadas tanto por eslovenos como estrangeiros com modalidade semanal e anual, e têm uma vasta cobertura na cidade. Por cá tudo se faz de bicicleta e é muito comum ver pessoas de todas as idades nas duas rodas, a trazer mercadorias e até bebés do infantário para casa acomodados na cadeirinha que se prende à bicicleta. Por cá desde cedo se começa com duas rodas e sem rodinhas, muitas vezes até ainda sem pedais mas já a habituar ao equilíbrio. Uma vez que é um meio de transporte muito comum a todas as gerações, até a polícia anda de bicicleta, especialmente no centro da cidade, e pagam-se pesadas multas se não forem respeitadas as regras de segurança. E até no pico do inverno se anda de bicicleta, o único perigo é o gelo. Mas quando o há, cai-se de bicicleta e até a pé, é preciso ter cuidado e bons pneus. As manifestações de sexta-feira que têm vindo a acontecer desde o Primeiro de Maio deste ano também se fazem em bicicleta, solução encontrada na altura para evitar as restrições impostas quanto aos ajuntamentos de pessoas. Não há dúvida que quem adota a cidade de Ljubljana como a sua casa (a par com a cidade portuguesa de onde vem), adota também um modo de vida saudável, que começa na bicicleta, e nas corridas ao fim da tarde, passando pelo montanhismo e até desportos aquáticos passados no Adriático aqui tão perto.
Em Portugal já se começa a ver bastantes adeptos das duas rodas no dia-a-dia, e incentivos das cidades à sua utilização diária. Depois das bicicletas públicas de Aveiro, a MUBi, a sua versão alfacinha, é um passo essencial nessa transformação de mentalidades. Em Lisboa as iniciativas multiplicam-se, desde as cicloficinas aos eventos massa crítica que vão acontecendo às sextas-feiras, assim como diversos projetos inovadores, entre eles a comunidade A bicicleta como meio de transporte (que aliás me ajudou nesta perspetiva sobre as duas rodas em Lisboa), “o Artur e a sua Clássica e a Uma Lisboa Ciclista, a Sexta de Bicicleta, a Ciclo Expresso do Oriente, Cenas a Pedal, Dar a Volta e outras e outros que continuam ativos nas iniciativas sobre e com as bicicletas”. Mas, primeiro que tudo, o que faz as pessoas adotarem este modo de vida de emissão zero é a “segurança para a utilização da bicicleta, é isso que faz com que as pessoas usem” este transporte tão antigo como inovador na vida urbana. Informa-se ainda que, “em breve, o projeto #LisboaParaPessoas agregará todas essas iniciativas e servirá de ponto de encontro da comunidade”.
Nota: parte deste artigo foi publicado na edição de outubro 2020 da Revista Comunidades (https://comunidadeslusofonas.pt/)