Winston Churchill disse que a democracia era a pior forma de governo, exceptuando todas as outras formas que se tem vindo a tentar.
O chefe do meu departamento, um homem inteligentíssimo e profundo humanista, costuma ser provocador e lançar ideias heréticas. No outro dia, estávamos à conversa na nossa cafetaria com um grupo de colegas e ele disse que deviam-se acabar com as eleições.
Para quem cresce com um modelo de democracia liberal, da forma tal como o conhecemos actualmente, parece que, ou se está a advocar por uma autocracia ou a ser absurdo.
Ele explicou que substituía-se as eleições por escolha aleatória de pessoas entre a população. Tal como nos países Anglo-saxónicos se escolhem júris para casos de tribunal, assim se escolheriam deputados para o parlamento. E com isso a qualidade das decisões parlamentares subiria automaticamente.
A primeira coisa que fui pesquisar era perceber se democracia sem eleições era democracia e, surpresa, é.
A democracia implica que é o povo que tem autoridade para decidir sobre a legislatura, mas isso pode ser feito de forma representativa (a forma tradicional em que se elegem representantes – através de partidos) ou de forma directa, em que o povo decide directamente sobre as leis que o governam sem intermediários.
Nesta segunda forma, também chamada pura democracia, pode-se recorrer, para além de referendos, também ao sorteio para nomear parlamentares. Em Atenas, berço da democracia, eram assim escolhidos os cargos políticos oficiais, aleatoriamente entre um grupo de pessoas qualificadas. A ideia era garantir um sistema em que todos as pessoas competentes e interessadas tivessem igual probabiblidade de assumir um cargo público. Além disso, de acordo com o artigo do Wikipedia sobre Sortition (o termo inglês para sorteio), minimiza-se o faccionismo no parlamento, uma vez que não seria necessário a ninguém andar a prometer nada, algo que as eleições alimentam.
O sistema atual, baseado em representação por partidos, resulta numa forma de oligopólio em que o poder é exercido por meia dúzia de grupos em colusão para manter o sistema tal como está. É, por assim dizer, uma democracia cartelisada. Pior que isso, é uma democracia viciada. Nesta idade do Facebook e das notícias falsas, não se manipulam os boletins de voto mas manipulam-se os votantes. Irónico que se mandem observadores para monitorizar eleições em países com conflictos mas não se mandam observadores para monitorizar as eleições Britânicas ou Americanas, onde dinheiro estrangeiro é usado para manipular notícias e eleitores. Mas não é só aí que o dinheiro compra eleições, o mesmo acontece por toda a Europa onde partidos estremistas são financiados por potências estrangeiras para destabilizar e criar desassossego.
O jogo das eleições está tão sujo que já ninguém sequer se lembra de ser discreto e em Inglatera até se fazem coisas como mudar o nome da conta do Twitter do partido conservador para “factCheckUK” durante o debate ao vivo para enganar os eleitores. E pior, ninguém se importa, e ninguém é feito responsável.
É com muita apreensão que vejo aqui o contínuo aumento dos votos no partido alemão de extrema direita AfD, tanto em eleições regionais como nacionais, alavancando na Xenofobia. Sobre o período que viu o erguer do nacionalismo alemão nos anos 30, escreve Stefan Zweig, no seu último livro e memória antes de morrer:
“Nationalism emerged to agitate the world only after the war, and the first visible phenomenon which this intellectual epidemic of our century brought about was xenophobia; morbid dislike of the foreigner, or at least fear of the foreigner. The world was on the defensive against strangers, everywhere they got short shrift. The humiliations which once had been devised with criminals alone in mind now were imposed upon the traveler, before and during every journey.”
Nos Estados Unidos levantam-se muros e metem-se famílias em campos fronteiriços e separam-se crianças dos pais, na Europa deixam-se barcos com famílias afundar no mediterrâneo, e atacam-se comunidades estrangeiras. Vivemos em democracias disfuncionais e distorcidas. Na França e na Itália a extrema direita é uma força considerável e ameaçadora. E na Austria, Holanda, Dinamarca e Suécia também têm uma expressão não negligível. Na Espanha não se encontram soluções políticas estáveis, e a extrema direita à espreita. Polónia e Hungria, que dizer? Até Portugal, que sempre me orgulhei de dizer que era um país em que a extrema direita não tinha qualquer expressão, elegeu um deputado xenófobo.
Pergunte-se a qualquer concidadão se gostaria de viver em qualquer outro regime que não fosse democrático e diria que não, mas pergunte-se a essa mesma pessoa se está satisfeito com o actual estado das coisas, e aposto que diria também que não. Algo está podre no reino da democracia. E parece que o problema é o sistema eleitoral. Em 2012, três académicos italianos receberam um prémio Ig Nobel pela sua pesquisa em que determinaram por modelação matemática que um parlamento em que pelo menos uma percentagem dos deputados fosse escolhida de forma aleatória teria melhores resultados, tanto em número de leis passadas, como no aumento da qualidade de vida dos cidadãos, comparado com o sistema tradicional. No seu livro de 2017, Brett Hennig, que lidera a Sortition Foundation, defende que seria possível salvar a democracia introduzindo a escolha aleatória de deputados. Ele realça que usando um algoritmo calibrado seria possível escolher um parlamento que fosse realmente representativo da diversidade demográfica, por exemplo em que os géneros estivessem igualmente representados, assim como ricos e pobres em proporção adequada.
Haveria algumas condições para qualquer cidadão ser elegível (idade, condição de saúde, situação fiscal regularizada, etc.), talvez haveria um teste de cidadania para avaliar os conhecimentos básicos, mas uma vez verificadas estas condições todos os cidadãos capacitados estariam disponíveis para prestar serviço cívico, num parlamento ou em outros corpos governativos, da mesma forma como antigamente se era chamado para a tropa. Tal como numa licença de maternidade o patrão teria que manter o posto de trabalho e nível de salário durante o período de serviço (por exemplo um par de anos), com o Estado a pagar o salário nesse tempo.
O problema é que para um sistema destes ser implementado seria necessário que os políticos o implementassem, efectivamente tornando muitos deles próprios redundantes. Talvez se deva começar pelas eleições municipais, ou pelas Europeias, onde a existência de candidatos apartidários independentes é já mais comum, e dependendo do sucesso se implementaria a nível nacional.
Certamente que seria uma ideia que atrairia muita resistência, mas a alternativa a tentar salvar-se a democracia é acabar por voltar ao tiranismo e às guerras, é dizer adeus ao progresso e voltar ao medievalismo, é viver com receio dos outros, é não se poder dizer o que se pensa. A escolha para mim é fácil…