Budapest, 27 Maio 2019. Ontem a Europa votou. Diziam-nos que estas seriam as eleições europeias mais significativas no espaço de uma geração, que o projecto europeu estava em perigo face ao avanço imparável das forças nacionalistas, populistas e autoritárias, e que haveria de dar um forte sinal no sentido de manter no leme da Comissão, e em maioria nos hemiciclos de Bruxelas e Estrasburgo, forças políticas “pró Europeias”.
Pois se por um lado estas foram eleições onde pela primeira vez em muitos anos a taxa de participação aumentou (no geral, não me refiro a Portugal, onde a praia foi a grande vencedora da noite), por outro este acto eleitoral não provocou o terramoto político que se adivinhava, pois a direita populista, com algumas excepções (Itália, Polónia, França e Hungria), não conseguiu romper com a hegemonia pro-europeísta. E apesar de termos assistido ao final do bloco central europeu (PPE e PSE pela primeira vez desde 1979 não tem maioria juntos), quem capitalizou com a descida significativa de populares e socialistas foram os liberais e os verdes, e não a extrema-direita. São estas as principais conclusões de ontem, ao ponto de Guy Verhofstadt já se ter apresentado como King Maker, referindo que o processo de escolha da próxima Comissão tem necessariamente de passar pelo seu partido, que contará com Macron nas suas fileiras. Basta aliás reler as declarações de apoio de António Costa a Macron para entender que o processo negocial vis-à-vis a escolha do próximo governo europeu já começou, e estima-se que dure.
Numa análise (um pouco) mais fina, devemos referir que Portugal manteve bem apertado o seu cordão sanitário no que respeita a entrada de forças populistas no panorama eleitoral electivo (péssima prestação do Basta), que os socialistas latinos se destacaram, ao contrário dos restantes (excelentes resultados do PS, PSOE e PD, e do PvdA holandês, e péssimas prestações do SPD alemão, PS francês, PSD romeno, etc), e que o PPE em geral ficou bem aquém de outras prestações, ao ponto de ter colocado em perigo a potencial nomeação de Weber para o lugar de Junker. Ou seja, somos bem capazes de finalmente dar por terminada a hegemonia da direita (tradicional, democrata cristã), muito fustigada pelas suas políticas neo-liberais, na presidência da Comissão. Esta, aliás, terá sempre se ser uma outra conclusão a retirar deste acto eleitoral, pois junto aos liberais, o outro partido europeu que mais subiu foram os Verdes, em Portugal representados pelo PAN. Um crescimento à esquerda muito à conta da incapacidade dos socialistas em se adaptarem às novas características (e temas) da política contemporânea (veja-se neste caso as votações na Alemanha ou em França).
Finalmente uma palavra para a direita populista, que apesar de não ter passado em Portugal, reforçou o seu score eleitoral na Hungria e na Polónia, onde Fidesz e PiS mantem governo. Já França, e mesmo que tenha baixado o seu resultado de 2014, Marine Le Pen foi a grande vencedora da noite, como Salvini em Itália. O Brexit Party de Farage replicou os resultados do UKIP, apesar de não se saber bem que tipo de papel terá, ou quererá ter, numa instituição da qual pretende sair. Na Alemanha, a AfD não conseguiu subir, e em Espanha o Vox assentou arraiais na política espanhola, sem expressão significativa, mas servindo de muleta à direita (PP e Ciudadanos) para manter a Região de Madrid na direita e retirar a Câmara da capital à esquerda (em Espanha houveram também eleições municipais e para algumas regiões). Resta agora saber se estes resultados europeus serão suficientes para que Orbán rompa definitivamente com o PPE e juntamente com a Liga, a FN e ao PiS procure construir um novo grupo parlamentar europeu. Na perspectiva do Primeiro Ministro húngaro, que já cantou esmagadora vitória em casa, julgo que os resultados do fim de semana ficaram aquém do esperado, pois a vaga anti-imigração que esperava não foi visível, antes pelo contrário. Assim que não dou por adquirido que Orbán abdique facilmente do papel que ainda vai tendo dentro do PPE para liderar um bloco demasiado heterogéneo, e insignificativo, no patamar europeu, em especial se Weber conseguir negociar eficazmente, e tornar-se Presidente da Comissão. Se pelo contrário, um socialista ou liberal assumir as rédeas da União (num acordo entre PPE, PSE e ALDE), então já julgo que o húngaro terá caminho aberto para procurar liderar a oposição à Comissão num grupo autónomo. Os próximos meses anteveem-se de intensas negociações de bastidores, por isso não julguem que o ciclo eleitoral europeu terminou agora. Apenas começou.
Uma última nota para identificar a péssima comunicação eleitoral por parte das instituições europeias. É inacreditável que, com tanta atenção dada à importância destas eleições, não haja um portal ou canal de informação que compile a informação – país a país, grupo parlamentar a grupo parlamentar – de forma clara e facilmente entendível. Mais uma oportunidade perdida. E que espero que se remedie muito em breve, a começar pela publicitação das dinâmicas negociais que se anteveem.