Devo ter esbarrado pela primeira vez no João Vasconcelos no Fontelos, mítica tasca que servia as gentes da Lusíada, ou pelos lados da Associação de Estudantes, na altura liderada pelo saudoso João Catarino. Galgamos depois muitos anos a vermo-nos à distância, tenha sido pela faculdade, na noite, no Politika ou no Alcântara, ou mais tarde na JS/PS. Sempre o tive como uma pessoas cheio de bicho carpinteiro, incapaz de estar parado, e de não se meter em mais um projecto, aventura ou campanha.
Fomos nos encontrando em campanhas aqui e ali, sem alguma vez termos sido próximos, grandes amigos ou camaradas de listas ou de bastidores, até porque tínhamos ondas um pouco diferentes. E quando anos mais tarde fundou e geriu a Start Up Lisboa, numa altura em que practicamente ninguém sabia o que era uma VC, seed money, rondas de investimento, incubadoras ou um hub tecnológico, já andava eu por terras magiares, ainda concentrado no meu doutoramento e numa carreira académica ligada à História comparada e Ciência Política. Mantivemos as nossas ondas separadas.
Depois, quando decidi fundar a minha própria Start Up, em meados do ano passado, já tinha o João saído do Governo, por uma daquelas estupidezes mesquinhas bem lusitanas (quantos não tem tido bilhetes e outras borlas para as bolas que por aí andam). Entretanto, tinha conseguido criar, num país bem adverso à mudança, excessivamente dependente do subsidio esquemático, do compadrio, e da cunha, uma cultura de empreendedorismo, de risco, de inovação e ligação entre a ideia e a ação, e que, partindo da capital, rapidamente se alastrou ao resto do nosso rectângulo. O seu mote, “melhor feito que perfeito”, que muitos lembraram nestes dias, simboliza na perfeição essa vontade de fazer, ou ir fazendo, como alternativa estratégica à manutenção do amorfismo e do status quo tantas vezes associado à industria e sector empresarial português, ainda muito visível, acrescento eu.
Já para não me referir ao Web Summit, e à importância que teve em colocar Lisboa (e Portugal) no mapa das áreas empresariais e tecnológicas de ponta, pois foram largos os testemunhos deste legado nos últimos dias por tantas e tantos que sentiram bem próximo a força dinamizadora do João, especialmente depois de aliada com uma componente institucional que lhe potenciava a sua energia contagiante (como foi a Start Up Lisboa e depois a Secretaria de Estado da Industria).
Fico sim é bastante chateado (para não dizer outra coisa), que justamente no momento em que várias pessoas me tenham aconselhado a falar com ele, para lhe apresentar o projecto da minha empresa e de como a tecnologia blockchain e cryptoassets se encaixa perfeitamente na dinâmica disruptiva que advogava, com potencial de impacto em practicamente todas áreas económicas, financeiras, logísticas, advocacia, político-institucionais, etc, tenhas desaparecido. E que nunca tenhamos tido a oportunidade de nos lembrarmos do Fontelos, ou de outra qualquer história partilhada.
Uma última referência ao que me parece estar a ser o legado do João, a começar pela excelente iniciativa imediatamente proposta pelo Miguel Fontes e pela Start Up Lisboa em instituir o “Prémio João Vasconcelos” para o empreendedor do ano. Depois, queira ainda referir o extensíssimo arco político que dedicou os mais rasgados elogios ao João, demonstrando que pode haver gente na política que consegue, pelo seu serviço público, marcar o país de forma a receber uma standing ovation. Espero finalmente que saibamos manter bem acesa a chama do empreendedorismo que tentas vezes apregoava, que saibamos romper de uma vez por todas com a excessiva dependência do Estado no setor económico, ou que pelo menos saiba o Estado actualizar-se no sentido de acompanhar a velocidade dos setores de ponta, a sua transversalidade e dispersão geográfica nos modelos de negócio (tema para um próximo texto). E que não tenhamos de esperar pela perfeição. Que continuemos a fazer.