9:30 da manhã. Como bom português chego à secretária com o horário já ultrapassado em larga meia-hora. O escritório encontra-se numa tranquilidade inquietante. Algumas cadeiras vazias e pessoas tendo conversas informais ao sabor do café da manhã gratuito oferecido na cozinha. Estamos no novo edifício, da maior empresa de activos financeiros a nível global, que se acaba de instalar em Budapeste. Com ela, vieram não só o know-howe os salários atractivos, mas um conceito moderno e vanguardista de entender a gestão dos seu próprios activos, humanos e materiais.
O conceito implementado por esta multinacional americana é diferente de tudo o que tinha visto, tudo funciona e tudo está feito para que o trabalhador se “sinta em casa”. Nenhum pormenor é deixado ao acaso: as mesas e cadeiras amovíveis, os ecrans ajustáveis e as salas de video-conferência são da mais alta tecnologia. Aqui não existem desculpas para não se fazer o trabalho, o tempo relativiza-se e a opinião de todos conta: pergunto-me sempre onde é que poderia encontrar um ambiente de trabalho como este em tempos passados? Olhando para trás, recordando tempos de estagiário pela Universidade, era obrigado a fazer trabalhos monótonos, como arquivamento ou fotocópia de processos, redacção de actas e contratos ou simples leituras de políticas e procedimentos, que mais não serviam que preencher o tempo de férias e dar mão-de-obra gratuita às empresas que me acolhiam, sem mínimo reconhecimento. A cultura de “humanização” do trabalho era naquela altura impossível. Os jovens tratados como meros instrumentos de empresas que mais não faziam que meramente “escravizar” os inocentes pós-licenciados ou mestrandos acabados de sair “á fornada” das Universidades, que sonhavam somente em ter algum local de trabalho público ou privado, onde pudessem finalmente demonstrar, que todos aqueles anos académicos, financiados pela família, não foram apenas gastos em álcool e festas. Foi desse nosso sonho que se aproveitaram, foi desse nosso sonho que quiseram fazer lucro, foi desse sonho que nos quiseram iludir, ao ponto de, nem com contrato assinado, se ter assegurado o “direito” (sim, entre aspas) de trabalhar. Sem esperança e sem opção. Depois de tantos CV´s sem resposta, partimos à aventura. A aventura que não querer deixar morrer o sonho, de ter esse tal “direito” a ter uma profissão condigna e que não nos envergonhe de pôr mãos à obra. Que nos obrigue a lutar para que tenhamos o tão desejado reconhecimento que tanto ambicionámos e que o nosso país nos negou.
Humildemente sou apenas mais um que se juntou ao coro de pessoas que afirmam que “os Portugueses são sempre mais valorizados lá fora”. Não existe a mais pequena dúvida da veracidade desta afirmação, a nossa vantagem competitiva é tão grande, mas tão grande, que nos podemos comparar a qualquer uma das nacionalidades com quem trabalhamos. Nunca conseguirei explicar se será pela paixão com que fazemos o nosso trabalho, a nossa espontaneidade, a nossa flexibilidade ou simplesmente a emoção que colocamos em tudo o que fazemos. Apenas consigo perceber que temos um potencial tão grande (que é apreciado) e que nos faz sentir diferentes entre “os diferentes” que trabalham nas multinacionais por esse mundo fora. Claramente me revejo em tudo o que se fala e diz sobre esta nova diáspora portuguesa, que contribuí para o crescimento de outras economias que não a sua, que paga impostos para um governo em quem não vota e onde consegue ser feliz longe da família e amigos que ama. Por mais que a queiramos encontrar, nem o mais brilhante matemático encontrará lógica neste contrassenso que é ser português fora de Portugal.
Como qualquer idealista, gosto de sonhar que tudo aquilo que tenho aqui poderia ser, de alguma forma, transportado para uma melhor cultura de trabalho em Portugal: o reconhecimento e apreciação diária, a flexibilidade de horários, o contacto próximo e rotineiro com as chefias, a partilha de ideias, a procura do bem comum (empresarial) e a possibilidade de crescimento a curto prazo (algo que damos como adquirido). Mas sempre que termino uma conversa de Skype com a família ou meras conversas de rotina com amigos dou-me conta que essa realidade está ainda muito muito distante. Vejo claramente que pouca coisa mudou, que a cultura do “eu” suplanta ainda a cultura do “nós”, que a tal “humanização” do trabalho ainda se encontra longe de existir e que o conceito de “escravização moderna” ainda se repercute, sem que nada nem ninguém faça alguma coisa para o alterar. Todos os dias me pergunto o que aconteceria se decidisse voltar, que tipo de barreiras encontraria e se seria viável trocar o certo pelo incerto, arriscar mais uma vez em voltar para um lugar, um país, que é o meu. Para ser sincero, sinto-me tentado a fazê-lo e quero acreditar que existe uma mudança no novo paradigma geracional, com a introdução de novos modelos de gestão nas inúmeras stratupsque hoje proliferam por Portugal. Serei lunático por pensar isso? Espero que sim.
É finalmente hora de deixar a empresa. Tal como a hora de entrada, a hora de saída também é relativizada. Não importa que se acabe às 6, 7 ou mesmo às 8 da noite. O que importa é que o trabalho esteja feito, e bem. Da minha zona do escritório, sou o último a sair. Não importa, penso. A sensação de dever cumprido está presente e é algo de que não abdico. Olho à minha volta e saindo pelos corredores espelhados, pergunto-me se serei merecedor de trabalhar numa empresa como esta. Não existe um dia em que não o pense. Também reflicto em como seria a minha vida se não tivesse saído de Portugal, o que teria acontecido com os meus sonhos, com as minhas ambições ou com as viagens que nunca poderia ter feito e as experiências que nunca teria vivido. Não encontro resposta, obviamente. A saudade é muita, mas, olhando para trás e vendo tudo aquilo a que “me” arrisquei e consegui, estes pensamentos e reflexões são sempre substituídos por uma motivação: a motivação de ser cada dia melhor e de, num dia não muito distante, poder voltar para perto daqueles que amo. Sei que não será certamente amanhã, mas esperançoso, apenas ambiciono que não seja nunca!
Tiago Hipólito