Estas paisagens são mesmo de uma beleza inigualável, a qualidade de vida fantástica a todos os níveis. O povo neozelandês é pacifico, o nível de organização do país é elevado, a pobreza (como a conhecemos na Europa) quase inexistente. Não faltam benefícios sociais.
Como é possível então, que, segundo o relatório mais recente da OCDE, a Nova Zelândia lidere as estatísticas de suicídio na adolescência?
Os números são também alarmantes para o suicídio entre homens, e a saúde mental dos neozelandeses tem ganho, devidamente, mais importância nas agendas política e social do país em anos recentes.
Há vários factores que influenciam esta estatística, sendo a depressão e a ansiedade as principais causas. Porquê? Por causa de um fenómeno que é ilustrado perfeitamente pela cultura do rugby.
Para quem segue o rugby internacional, é impossível ignorar a imponência dos All Blacks. A sua postura em campo, que começa com a haka, impõe respeito e inspira multidões.
Os All Blacks demonstram a paixão inata dos neozelandeses e o lado guerreiro herdado do povo Maori. Representam em campo o lado forte das gentes. Participam em placagens brutais, sofrem lesões impossíveis, mas recompõem-se como se não fosse nada. Da mesma forma, celebram ensaios com uma certa contenção (especialmente se considerarmos como se festejam golos no futebol).
O que se passa no campo de rugby explica em parte o contexto social da vida por cá.
Os neozelandeses sentem necessidade de mostrar o lado forte. Há uma certa vergonha em partilhar problemas, com receio que sejam vistos como sinal de fraqueza. Os kiwis são afáveis, mas têm dificuldade em expressar sentimentos sem alcoól à mistura. Expressões físicas de afecto não saem naturalmente. Só a muito custo se fala do lado profundo da vida de cada um, porque é preferível reprimir emoções fortes.
Em situações difíceis, há pouca permissão para vulnerabilidade, especialmente entre homens. Tudo isto resulta numa vida de tom solitário, onde a verdadeira partilha com os que nos são próximos é limitada.
Por cá fala-se muito do “tall poppy syndrome”, que explica a forma reservada como se celebra o sucesso. Celebra-se, sim, mas só até certo ponto. Vestem-se predominantemente cores escuras para ninguém se destacar demasiadamente, e nas aulas de ginásio, poucos disputam a fila da frente.
A paixão e o desejo de criar laços profundos com os outros são mascarados por uma camada de timidez, que mais parece frieza (mas não é), de uma certa passividade inglesa e um sentido de humor hilariante que esconde o que realmente se passa.
Eis o maior paradoxo; a prosperidade económica que torna a vida tão boa por cá, parece custar aos neozelandeses a saúde mental.
E assim, no quintal mais bonito do mundo, vamos perpetuando a letargia das vidas mornas, privilegiadas que levamos.
Esta realidade é muito subtíl, mas tem raízes profundas, que esperamos quebrar para o bem das gerações futuras. Aos poucos, através de iniciativas a nível nacional, a abertura vai tomando o lugar do tabu e vão-se criando as mudanças necessárias para inverter estas estatísticas.
Mas engana-se quem pensa que este fenómeno se passa só por cá. Ninguém no mundo desenvolvido está imune. Quanto mais vivemos vidas isoladas, sem significado profundo, de escravidão ao consumismo e de superficialidade a vários níveis, maior é a desvalorização da vida em si.
Que se viva e que se sinta mais.