Comentavam comigo, numa dessas noites quentes e húmidas, bem ao estilo de Macau, que as minhas crónicas embelezam esta terra. “Tudo o que escreves é verdade e consegues com que eu fique com uma sensação de amor a Macau no fim de cada leitura”, disseram-me. Não duvido que a intenção tenha sido única e exclusivamente de elogio, contudo fez-me olhar para trás. Talvez peque por esconder o lado menos simpático de Macau, não nego, filho que é grato apenas realça as qualidades, ainda assim, numa relação de amor os defeitos têm de ser reconhecidos, incluídos e abraçados.
Sim, Macau não é um mar de rosas, como qualquer outro sítio também não o é, e todos nós, sejamos ou não emigrantes, debatemo-nos, todos os dias, com as suas dificuldades, carências e entraves.
Se tivesse de enumerar a maior dificuldade seria (e isto pode parecer cliché ) a distância. Macau está longe. É longe. Não estamos à distância de um voo, mas sim de dois ou mais. Não estamos a “um par de horas”, estamos a mais de uma dúzia. Quer assumamos esta terra como definitiva ou não, vamos estar sempre longe dos nossos, vamos perder aniversários, casamentos, batizados e, principalmente, o último adeus. Vamos dizer “não cheguei a despedir-me”, porque não chegámos a tempo, ou porque demorámos tempo de mais.
Tal como um parasita, a saudade alimenta-se da distância, quanto maior a distância maior a saudade, mais intensa e incrustada. Vamos aprendendo a lidar com ela, e uma vez mais, por mais que sintamos que esta é a nossa nova casa, nunca esquecemos o berço, e esse será sempre Portugal.
Outro dos aspectos menos simpáticos de Macau é a sua pequenez. Embora tenha crescido e “roubado terra ao mar” o espaço parece ser pequeno demais para tanta gente. Esta característica traz-nos duas coisas: o sentimento de vivermos numa aldeia bem no interior e o síndrome de ilha. Não é incomum desejarmos ir passar “uns dias fora”, não interessa onde, só sabemos que queremos ir a algum lado, respirar um ar diferente.
No que toca a relações, toda a gente se conhece, (entenda-se, comunidade portuguesa). A sério, toda a gente. Se não é uma relação de primeiro grau é de segundo, duvido que existam de terceiro, e se existirem em menos de um mês deixam de existir. O João conhece a Sara que é prima da Rita que trabalha com o Tiago que é namorado da irmã do João. Sempre. Esta proximidade traz muitas vantagens porque facilmente todos se movem em prol de uma situação ou por alguém, mas ao mesmo tempo dá-nos uma sensação de claustrofobia social. É inegável: onde quer que vás, há um português lá sentado.
Por fim, e talvez a mais difícil, o confronto cultural. Dizermos que somos diferentes é insuficiente para descrever o que é viver numa cultura que nunca foi a tua. Somos diferentes porque olhamos o mundo de forma diferente e percebemo-lo por cores opostas. Temos diferentes métodos de pensar, raciocinar e comunicar. O meu A nunca é o A do outro, porque para ele nem sequer existe A. Pior, nenhum de nós está errado, mas também não está certo. Trabalhar com diferentes culturas foi, e continua a ser, das tarefas mais desafiantes de sempre. Fazer-me explicar nem sempre é um processo simples e rápido, não basta dizer o que penso, preciso de explicar porque penso assim, como é que penso assim e porque raio não penso como a pessoa que me está a ouvir. Do outro lado o processo é igual e tudo isto pode ser altamente estimulante ou devastador.
No entanto, há uma expressão por estes lados que resolve todo o meu texto: mo man tai*!
*Está tranquilo. Está tudo bem.