Todas as quintas-feiras, por volta das cinco e meia, seis horas, saímos. Às vezes somos três, outras cinco, outras só dois. Vamos sempre junto ao rio. Passamos Temple, Embankment e quando chegamos a Westminster, quando temos o Big Ben de frente, viramos à direita e contornamos o parlamento. Seguimos até à ponte de Vauxhall e voltamos para trás, até à ponte de Westminster, onde atravessamos. Todos concordamos que esta é a parte mais difícil da corrida semanal. A ponte de Westminster está normalmente cheia de gente, e mais parecemos bola de pinball do que colegas de trabalho a correrem juntos. Running Club. Ao todo são 8 kms. Todas as quintas-feiras.
Westminster.
Muitas vezes, quando saio do trabalho, decido não entrar na estação de metro mais próxima. Apesar do meu apelido, quanto menos tempo passar debaixo de terra, melhor. Ponho-me à estrada. Oiço música ou aproveito para fazer um ou outro telefonema para matar saudades da família ou combinar programa para o fim de semana. Vou andando a respirar ar puro e acabo invariavelmente por entrar na estação de Westminster, na entrada em frente ao Big Ben que normalmente tem menos gente do que a outra, ao lado das famosas cabines telefónicas onde o mundo inteiro tira fotografias, selfies, não selfies e polaroids.
Westminster.
É justo dizer que aquele percurso faz parte do meu dia-a-dia. A “marginal”, a ponte, o parlamento, o metro que me leva a casa. E os monumentos e “as vistas” onde regressamos sempre que há visitas da terra.
Amanhã não vou correr. Amanhã vou entrar no metro ao lado do escritório. Se calhar até fico a trabalhar de casa. Hoje, pela primeira vez na vida, percebi o que é sentirmo-nos vulneráveis. Por razões que desconhecemos mas que achamos que sabemos ou tentamos adivinhar, um homem da minha idade decidiu matar. Com a maior das liberdades e com ideologias provavelmente destorcidas, matou. Como se fosse um jogo, deitou por terra vidas e gerou medo nas que ficam. Na cidade onde eu vivo, nas ruas onde passo.
Passados aqueles momentos que preciso para perceber o que realmente aconteceu, instala-se a confusão. Penso na família, que está suficientemente longe de Westminster para me deixar descansado mas que deve estar bastante assustada. Aviso a família lá na terra que respiro, que estamos bem. Contabilizo amigos na minha cabeça – será que o x sempre foi hoje ali à zona? como é que y vai sair do escritório? Fico a saber que a amiga da colega está presa dentro do parlamento onde foi ter uma reunião. No escritório contam-se cabeças, lança-se aquele plano de emergência que todos gostávamos que nunca saísse da gaveta. Sinto-me triste, muito triste e penso naquelas pessoas que atravessavam a ponte de Westminster à hora do costume para apanhar o metro para ir para casa ou para o trabalho ou para um lanche com amigos ou simplesmente para tirar a selfie com o Big Ben por trás. Vejo o acto heroico de médicos, enfermeiros, polícias e até Ministros que, juntos, tentam salvar vidas. E vou seguindo as notícias sem desligar, porque aquele homem inconsequente decidiu matar na minha cidade. Nas ruas onde passo.
Nas redes sociais vejo parangonas coladas a hashtags que dizem “eu não tenho medo”, “o bem vencerá” mas a verdade é que estamos todos em pânico. Ouvimos o presidente da Câmara a dizer que Londres está unida e que amanhã será outro dia. A desengonçada Primeira Ministra lá aparece a botar discurso escrito à pressa que também fala na ausência de medo mas a verdade é que estamos todos em pânico. Quem volta à rotina amanhã somos nós e não é nada, nada fácil. Sinto-me vulnerável, e isso dá um cagaço do caraças. Um doido varrido, em nome de vá-se lá saber o quê, lançou uma cidade no medo. Essa é que é essa.
Amanhã não vou correr. Amanhã vou entrar no metro ao lado do escritório. Se calhar até fico a trabalhar de casa. Não há cá actos heroicos. Há medo. O homem que matou hoje na ponte de Westminster conseguiu o que queria. Não matou só nas ruas. Matou também em minha casa.