A minha vida é um eterno retorno. Não começo sempre do zero, mas começo do pouco que seja necessário para depois me surpreender com as aprendizagens, com a explosão de novas fragâncias paradigmáticas do novo mundo que estou sempre pronto a descobrir.
Ser viciado neste caos constante traz atrás a mutabilidade de estar sempre num processo de desconstrução-construção.
Para podermos construir um 1º andar numa moradia, não o podemos fazer a partir do telhado, somos obrigados a ter de destruir um pouco para que a obra seja uma soma de processos lógicos e não uma multiplicação de falácias estruturais.
É esse um dos mais interessantes paradigmas da vida e da evolução. E no meu caso, o casamento perfeito entre do constante processo de desconstrução/construção em todos os países onde trabalho, na minha ida, ou no meu regresso.
O eterno retorno pessoal e não versado pelo estoicismo, faz com que todos os processos pessoais tenham de passar pela casa de partida. Pelo meu Tramagal, pela minha comunidade, pelas minhas famílias e pelo simples, e tão importante gesto do give back.
O sentimento saudável de tudo o que devo às minhas raízes, faz com que tenha de parar de quando em vez a corrida por um novo trabalho, por uma nova aventura, por um novo país com mais mil coisas por resolver, vidas para ajudar a salvar, investimentos e aprendizagens necessárias para acreditar que estou a contribuir para a construção de um mundo melhor.
Depois de ter saído de Portugal em 2003 para o Oriente Próximo e mais tarde para a América Central, e ainda que tenha regressado um par de vezes a Portugal para tentar ser uma pessoa normal, regressei ao mundo fora da bolha de conforto da Europa em Janeiro de 2012. Trabalhei em Angola em saúde pública, na redução da morbi/mortalidade Materna e Infantil, em Malária e na distribuição de redes mosquiteiras em todo o país. Depois de 2 anos e meio, decidi aceitar uma proposta para ir para o Congo trabalhar em investigação-acção sobre as doenças hídricas – com incidência na Cólera. No espaço de 2 meses entre Angola e Congo, fiz voluntariado durante 1 mês no Conselho Português para os Refugiados onde apoiei a Biblioteca, contribuiu para as ATL sobretudo com jovens. Depois do Congo, fui convidado para trabalhar na Serra Leoa como Chefe de uma Missão Médica Internacional onde me responsabilizei pela gestão de equipas e projectos em HIV, Tuberculose e os impactes do Ébola no acesso à saúde e qualidade associada. Entre a missão do Congo e Serra Leoa tive apenas uma semana de intervalo entre Missões.
Depois 6 anos seguidos em África de trabalho em tantas áreas de incidência, depois de ter trabalhado na África Lusófona, Francófona e Anglófona, depois de tanta pressão, responsabilidade, impactes de ter vivido em zonas de guerra e conflito, doenças como o Ébola, ou mesmo sem ter acesso a água ou electricidade.. estou cansado. E antes de chegar a um ponto de ruptura, de um burn out oficial, decidi parar e acalmar o vicio alarve da aprendizagem contínua.
Decidi dar tempo a mim próprio, não pensar em tudo como se de um projecto se tratasse, não ver os meus amigos e família como se eles e elas fossem nomes e números de uma agenda sobrecarregada de visitas e conversas mal-amanhadas. Decidi ficar um “par de meses” ímpares em Portugal e dar de volta, abraçar as gentes que me fazem falta sem olhar para um relógio que marca o tempo da despedida. Decidi não ter horários, decidi fazer exames médicos, decidi tomar conta de mim, colocar a máscara de oxigénio de forma a que possa depois ajudar novamente outros e outras.
Decidi viver. Decidi abraçar o ritmo e as batidas dos sorrisos simples e dos longos passeios com o meu cão. Decidi que até partir para a próxima aventura do coração (darei novidades em breve), aproveitarei todos os segundos para me re-conhecer e preparar para desconstruir um pouco mais, de forma a poder voltar a olhar o universo e construir novos horizontes com o pó das estrelas de que todos somos feitos.