A Rússia tem um pouco de tudo para oferecer. Quem gosta de estar na natureza, tem a península de Kamchatka com os seus ursos, caranguejos gigantes deliciosos e vulcões activos. Quem quer história, tem as cidades históricas à volta de Moscovo com os seus mosteiros medievais e, quem quer cultura, tem São Petersburgo com os seus teatros e museus. E se houver alguém que queira saber qual a sensação de passear por entre instalações fabris soviéticas com uns fresquinhos -50º no inverno, tem sempre Norilsk.
Tanta diversidade não se aplica apenas à geografia ou urbanidade mas também ao marketing. Esta obscura ciência oferece um pouco de tudo. Tal como a investigação científica alberga também pessoas interessadas nos efeitos da utilização regular de calças de poliéster, algodão ou lã na vida sexual dos ratos e dos humanos (prémio IgNobel 2016 na categoria “Reprodução”), também há marketing para todos os bolsos e inteligências. Se na Rússia encontramos o mesmo grau de sofisticação no marketing que encontramos em qualquer país, temos também versões mais baratas e bastante mais irritantes.
Talvez a mais célebre seja a utilização de indivíduos com megafones que passam o dia à frente das lojas a anunciar os seus produtos. Em artérias mais movimentadas, vários destes declamadores profissionais competem num mesmo espaço físico no passeio, misturando assim as suas estridentes algaraviadas para (reduzido) benefício do consumidor. O pregão das melhores taxas de câmbio esgrima com o anúncio da espetada de carne a bom preço; o clamor pelo passeio pelos canais troveja por sobre o convite para um bar de strip. Algumas lojas e restaurantes dispensam o humano e colocam altifalantes directamente na fachada.
Dentro de portas a coisa não melhora. Tive um dia o infortúnio de entrar num restaurante que tinha a televisão e o rádio ligados simultaneamente, cada um com seu programa; não é o tipo de acompanhamento sonoro que ambicionamos para a nossa refeição. Só que de quando em vez há programas de marketing de rua que trazem grandes vantagens para o consumidor.
Ao pé de minha casa há uma simpática loja gerida por um simpático casal que nos providencia com iguarias como queijo suíço e baguettes, entre outras coisas boas. Recentemente começou a distribuir carne de alta qualidade e, para estimular a adopção e gerar notoriedade, teve a excelente ideia de convidar o empreendedor que produz esta carne para uma demonstração de rua.
O simpático homem aquiesceu e lá se pôs na rua a grelhar. Este senhor tinha tido várias empresas na área das TIs, até que um dia decidiu investir em carne de qualidade.
Já agora, importa dizer que, por tradição, a carne russa e o seu queijo não são particularmente bons nem têm a mesma escola que a carne tem na América do Norte ou do Sul ou que o queijo tem em França ou na Suíça. A cozinha russa não pressupõe o bife.
E esta sua nova paixão trouxe muita alegria, pelo menos à minha rua.
Logo ali à volta dele se juntou uma multidão verdadeiramente sui generis.
Eu e o meu amigo belga, descendente da aristocracia russa, um típico indivíduo do bairro com fato de treino e boné, um outro investidor em TIs que detém várias empresas e tem amigos em Silicon Valley, o patriota russo com boina à Che, óculos redondos e longa barba patriarcal e um estranho casal, em que o homem era francês e a esposa russa. Não é isso que é estranho, claro está, mas antes o facto de ela não falar francês e ele não falar russo. A avaliar pela cara dos dois, talvez nem através da linguagem do amor se conseguem entender.
Falou-se de carne e de política, e bebeu-se com galhardia.
Este é um marketing mix que finalmente dá prazer a alguém.
Muito se tem falado sobre o desaparecimento do comércio de rua e a preferência pelos grandes espaços comerciais.
Conselho – alimentem as gentes e têm o sucesso garantido.