Setembro é um mês cheio de emoção aqui no Chile. Em primeiro lugar porque setembro marca o princípio do fim do Inverno e a chegada da Primavera. “Pasar agosto” é uma expressão popular bem chilena. Especialmente para os idosos. Há municípios pelo país fora, sobretudo no Sul onde os invernos são rigorosos, em que no mês de setembro as autoridades locais entregam um diploma de “Pasar agosto” aos residentes mais idosos do município. A ideia é a de que estes idosos sobreviveram a mais um Inverno e por isso ganharam mais um ano de vida. Nos municípios mais abonados, além do certificado, organiza-se uma festa com comida e bailarico, porque os cidadãos idosos também merecem ter visibilidade social.
Depois temos o 11 de setembro… o “outro” 11 de setembro, aquele que marca o dia do golpe militar de Pinochet que pôs fim ao governo eleito liderado por Salvador Allende em 1973. É uma data complicada, a cada 11 de Setembro e a cada Dia do Jovem Combatente (29 de Março) é comum haver distúrbios na rua, carros incendiados e vários feridos. No caso de Santiago, há sectores da cidade mais problemáticos do que outros. Isso gera um ambiente parecido ao de um recolher obrigatório na cidade. O serviço de transporte público termina mais cedo nesse dia, as empresas dão tolerância de ponto aos funcionários que utilizam o transporte público para saírem mais cedo. O restaurante da esquina, a padaria, o ginásio, a creche do meu filho, todos enviam os seus trabalhadores mais cedo para casa nesse dia. Lá para as 18.30h já não se vê vivalma na rua.
Este ano calhou a um domingo e, talvez por isso, o dia passou relativamente tranquilo. Segundo o ministro do Interior houve sete carabineros feridos em todo o país, 12 automóveis incendiados e alguns danos a imóveis. Um 11 de setembro tranquilo, portanto. No ano em que cheguei ao Chile fazia 40 anos da data do golpe. 40 é um número redondo, houve muita atenção mediática e recordo que o ambiente na rua era bem pesado.
40 anos foi há muito tempo? Vários chilenos já me disseram isso mesmo, que o golpe foi há muito tempo e que não entendem porque é que ainda há gente a protestar… Uma pequena batota mental, pela qual fazem o regime militar nascer e morrer naquele dia 11 de setembro, esquecendo consciente ou inconscientemente tudo o que aconteceu nos 17 anos seguintes. Para relativizar um pouco, 40 anos é a idade da democracia em Portugal e em Espanha. Contudo, em ambos os países é comum o discurso de que 40 anos foi há pouco tempo e que por isso as nossas democracias são jovens… (esta opinião é 100% pessoal, por favor, por favor, por favooor não enviem hatemail à Visão!)
Como não há mal que dure sempre, e tal como depois de agosto chega setembro e com ele se passa do Inverno à Primavera, também depois do 11 de setembro vem o 18 e passamos todos simbolicamente da tristeza à alegria.
O que é então o 18 de setembro? O “18”, o mês da Chilenidad, das Fiestas Patrias e do tiqui-tiqui-tiiii! 18 de Setembro foi a data da primeira junta de governo nacional do Chile celebrada em 1810. Comemora-se o início do processo de independência. A independência oficial de Espanha só a alcançaram em fevereiro de 1818. Ao “18” segue-se o “19” em que se celebram as glórias do exército. É dia de parada militar. O “18”, na verdade, são quatro dias de feriado, se tivermos sorte com os fins de semana, em que todo o país se dedica a assar carne na brasa (um “asado”), comer empadas, beber vinho, passear nas feiras típicas (as “fondas”) e dançar o baile nacional uma espécie de fandango com esse ritmo tão característico do tiqui-tiqui-tiii!!!
As crianças, e não tão crianças, vestem trajes nacionais, sendo o mais comum a manta de huaso. Um huaso é uma espécie de campino, ex-líbris do campo chileno e da forma de vida chilensis (para terem uma ideia da relevância da cultura huasa para a identidade chilena, há até uma edição da boneca Barbie trajada de “huasa elegante”).
É difícil não se deixar contagiar pelo espírito das Fiestas Patrias, pelos papagaios de papel que lançam nesta época do ano, pelos concursos de quadras no trabalho. É impossível não ficar contente pelo final do Inverno (estes Invernos do hemisfério Sul, intermináveis sem Natal pelo meio para nos encher de luz). É nesta altura do ano em que julgo entender um pouco melhor o Chile. Um país que mais parece uma ilha, isolado do resto do mundo pela cordilheira dos Andes, pelo Pacífico, pelo deserto do Atacama e pelo gelo da Patagónia. Um país sem o tão sonhado ouro das Américas, cuja riqueza se foi descobrindo e desenvolvendo a custo, primeiro no salitre, agora no cobre. Uma história recente complicada. Um país com terremotos frequentes, tsunamis, cheias e deslizamentos de terra. E um povo terrivelmente teimoso. A cada adversidade, voltam-se a erguer com uma espécie de orgulho e de raiva. Sempre com a mesma determinação por avançar. Só com essa teimosia se pode entender o seu grito mais patriótico, aquele grito que até o então Presidente Piñera proferiu em público quando anunciou aos meios de comunicação social que os 33 mineiros se encontravam vivos depois de 17 dias subterrados numa mina: “Viva Chile, mierda!”
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 23 dias
Nas notícias por aqui: Queda de 1% no preço do cobre
Sabia que por cá… o baile nacional chama-se Cueca e é ensinado nas escolas de todo o país.
Um número surpreendente: 40.000 pessoas detidas, desaparecidas, executadas, torturadas ou presas políticas reconhecidas durante a ditadura militar (dados do Relatório Rettig/Comisión de Verdad y Reconciliación) e do Relatório Valech/Comisión de Verdad y Reconciliación).