1 Elogiar um Presidente a três meses de este desaparecer do mapa é uma tarefa razoavelmente inútil. Zurzir numa coligação que acaba de ganhar eleições é uma tarefa francamente estúpida. Mas o que é que querem? Foi para aqui que me deu.
No passado dia 4 os portugueses disseram com muita clareza o que queriam. E disseram com igual clareza o que não queriam. Desde logo disseram que querem um governo chefiado por Pedro Passos Coelho. Não vale a pena fazer interpretações rebuscadas. Não estou com a isto a dizer que outras soluções não tenham legitimidade formal e constitucional. Estou a tentar ler com humildade o sentir coletivo dos portugueses expresso em urnas.
Mas os portugueses disseram mais. Disseram que querem Passos, ma non troppo. Ou seja que estão um bocadinho, vá, aborrecidos com o seu poder absoluto. A partir daqui conjeturo. Disseram que lhe reconheciam os méritos para comandar o País mais quatro anos mas que não esqueceram o dogmatismo ideológico, o ir além da troika, a arrogância intelectual, as companhias, a falta de capacidade de fazer pontes de qualquer tipo, as linhas de indignidade social que foram ultrapassadas em troca de reformas que nunca chegaram a ser feitas.
É evidente que os portugueses disseram mais. Disseram que não reconhecem a António Costa a capacidade para chefiar um executivo mas não deixaram de dizer que olham para o PS como um fator de moderação essencial de uma coligação que, deixada sem freio nos dentes, não lhes oferece garantias de bom senso.
Se quiserem um resumo numa só palavra, os portugueses disseram a alto e a bom som: entendam-se! Eu, para que fique claro, sou dos que acho que os portugueses têm razão quanto à necessidade de consensos nesta fase da vida do País. Mas o que eu penso é – tenhamos a noção do ridículo – razoavelmente indiferente. Relevante é perceber que Cavaco, o ridicularizado Cavaco que há dois anos tentou obrigar Passos, Portas e Seguro a sentar-se à mesa, anda a clamar por isto, sozinho, há tempo demais. Azarucho. Os portugueses pensam como o seu Presidente.
Estou talvez, concedo, a levar um pouco longe de mais a minha leitura da vontade coletiva dos portugueses. Até porque em boa verdade não há uma vontade coletiva. Há uma soma de vontades individuais passíveis de ser interpretadas como uma vontade coletiva. Mas adiante. A minha interpretação continua assim: os portugueses disseram, a alto e a bom som, somos uma democracia adulta. Podemos viver com uma grande coligação mas também não está escrito em lugar nenhum que não podemos viver com governos minoritários assim estes tenham a humildade de perceber que não mandam sozinhos e que precisam de negociar os pactos de regime e os acordos que forem necessários para alcançar condições de governabilidade. Isso exige uma cultura de compromisso, bom senso e humildade que não tem abundado do lado da coligação? É verdade. Mas é o que os portugueses reclamam e é essa a leitura que, muito bem, o Presidente fez dos resultados eleitorais.
É pois chegada a hora dos homenzinhos.
2 É verdade que há outros cenários de governação possíveis que, como já disse, são inteiramente legítimos do ponto de vista constitucional. Mas estou sinceramente convencido que violariam, todos eles, o sentido profundo do voto expresso no dia 4. A prova dos nove só a tiraremos se Passos e Costa não estiverem à altura do mandato que receberam e quando os portugueses voltarem a pronunciar-se nas urnas. A mim, a coisa cheira-me a suicídio politico.