Tenho sido “acusado” por vários amigos de ter bruscamente virado à esquerda por causa da minha posição sobre a Grécia. Não sei, nem me interessa muito saber se fui eu que virei à esquerda ou se foram eles que se perderam no labirinto do pensamento único. Mas estou disponível para esclarecer o que, modestamente, penso. E o que penso é tão linearmente simplório que provavelmente dispensa a tarefa de me encaixar numa gaveta.
PRIMEIRO PONTO. Procurar estereótipos facilitará o raciocínio mas em nada contribui para um reflexão serena e lúcida. Aceitemos abandonar por um momento a ideia de que todos os gregos são preguiçosos e que em cada alemão pulsa um nazi recalcado.
SEGUNDO PONTO. Por mais insustentável que fosse (e era) a dívida grega, por mais necessárias que fossem (e eram) reformas de fundo, a ideia que é possível fazer um ajustamento económico que provoque, sem sobressaltos sociais e políticos, uma queda do PIB em 25% e uma subida do desemprego de 9,6% para 26,4% no espaço de cinco anos, é, e tento ser simpático, francamente palerma. Os srs. Tsipras e Varoufakis serão dois loucos que causaram mais dano à Grécia em 6 meses do que a troika em 5 anos. Mas, isto dito, subsiste um pequeno problema. É que o sucesso eleitoral dos srs. Tsipras e Varoufakis, com os seus marxismos tresloucados de trazer por casa, é um produto do dogmatismo cego em que se transformou o pensamento econométrico dominante. É das receitas econométricas de laboratório desligadas de qualquer avaliação terrena que nascem os populismos, os Podemos e os Syrizas. E não dos Syrizas e dos Podemos que nasce a necessidade de receitas econométricas de laboratório. A ordem dos fatores não é, neste caso, arbitrária. Na condução do caso grego (e não vale a pena ir procurar as culpas até ao tempo do Heródoto) faltaram mínimos olímpicos (triste ironia) de realismo político. É de pragmatismo que estou a falar. A receita podia ser teoricamente perfeita (embora provavelmente não fosse).
Mas tinha de ser aplicada – maçada das maçadas – no campo do real e com a arte do possível.
TERCEIRO PONTO. Tudo isto dito, aquilo de que estivemos a tratar, de parte a parte, desde que o Syriza chegou ao poder, não foi da economia grega, da dívida grega, e muito menos dos gregos. Aquilo que tivemos a tratar foi dos equilíbrios políticos internos e dos calendários eleitorais dos vários países da zona euro. Grécia incluída. Concedo, a bem da honestidade intelectual, que havia que evitar a ideia de que o crime compensa. Mas no essencial o que os vencedores desta contenda quiseram verdadeiramente demonstrar (aos seus eleitorados) era que não existia nenhuma alternativa possível à receita de austeridade econométrica dominante. E aquilo que os derrotados queriam demonstrar (ao seu eleitorado) era que era possível o milagre de viver permanentemente acima das suas possibilidades. Como se em política tivéssemos de estar sempre condenados a escolher entre o preto e o branco.
QUARTO PONTO. A dimensão da humilhação política imposta ao Syriza é profundamente estúpida. Porque não é só o Syriza que sai humilhado. É um país, um povo inteiro que sai achincalhado. Ora a humilhação nunca produziu nada de bom. E da última vez que a Europa impôs uma humilhação semelhante a um derrotado (ironicamente à Alemanha, na paz de Versalhes) a coisa deu no que deu.
A partir daqui é o tudo ou nada. Ou ficamos à espera da próxima crise (tudo o que se conseguiu foi empurrar o problema com a barriga) ou aceitamos proferir sem ambiguidades essa palavra proscrita do léxico europeu bem-falante: federalismo.
Os meus amigos dirão. Será simplório mas não me parece que seja um pensamento de esquerda. A menos que alguém tenha decretado que a esquerda passou a ter o monopólio do bom senso.