Não me faltava mais nada. Agora dou por mim a alinhar com as mais extremas e as mais ortodoxas das esquerdas. Falo da perversa Lei das Secretas que o centrão político quer ver posta em prática e que só PC e Bloco parecem querer travar.
A verdade é que a Lei me (nos) repugna. Por duas razões. A primeira é do domínio dos princípios. A segunda é de ordem meramente prática.
A dicotomia liberdade / segurança é uma questão debatida desde sempre em política (ou pelo menos desde que há liberdade em política). Dito de outra forma, a segurança sempre foi usada como pretexto para cercear liberdades dos mais variados tipos. É assim em todas as repúblicas das bananas com os exemplos clássicos dos aprendizes de ditador que decretam e prolongam ao absurdo estados de emergência que mais não são do que fantochadas legais para concentrar poderes e eliminar as inúmeras maçadas políticas que as liberdades individuais sempre geram. Nos casos limite inventa-se uma ameaça externa, uma conspiração interna, e decreta-se o fim de todos os pilares de uma sociedade demoliberal: a separação entre o poder executivo e judicial, a liberdade de expressão e de imprensa, e todos os outros atropelos que queiram imaginar.
Infelizmente esta questão não se limita a ser suscitada por generais Tapiocas mais ou menos grotescos. No mundo ocidental, democrático e liberal, é preciso ser-se muito distraído para não se ter dado pela polémica dos atrozes abusos cometidos pelos próprios Estados Unidos em Guantánamo, a propósito da luta contra o terrorismo. No mundo ocidental, democrático e liberal, é preciso ser-se muito distraído para não se ter dado pelas polémicas de estilo wikileaks. Em nome vá lá saber-se do que ameaça, chefes de Estado ocidentais, escutam aliados e amigos com uma naturalidade e uma impunidade de pôr cabelos em pé.
Pois bem, reconhecendo que estamos perante um clássico trade-off, não menosprezando a ameaça real do terrorismo global, confesso-me um fanático da liberdade. Entre os dois polos, entre a segurança e a liberdade, o meu coração penderá sempre para o segundo.
Mas esta questão deve também ser analisada no domínio do prático. E aqui, lamento dizê-lo, mas a história recente das secretas portuguesas, com as suas guerras intestinas, com as suas ligações ao mundo empresarial, com o seu aparente desnorte, com as suas alegadas infiltrações maçónicas, não são exactamente o cartão de visita mais recomendável para lhes conferir um poder acrescido de devassa sobre a vida dos cidadãos que, no caso em apreço, só seria fiscalizado por uma qualquer comissão de controlo prévio sem estatuto judicial.
Por todas estas razões, esta é, repito, uma ideia repugnante e perigosa. Veremos se alguém neste imenso centrão vai ainda a tempo de mandar esta lei para o caixote de lixo de onde nunca devia ter saído.
PS. Há pessoas em relação a quem sentimos, à primeira vista, empatias difíceis de explicar. Juntaram-nos muitas vezes longos e chatíssimos eventos de negócios. Nunca falámos de banca, de spreads, de outras maçadorias que tais. Descobrimos afinidades no cinema, nos livros, em Zweig, em Einaudi e em mais um sem números de autores, compositores, e em livros e CD’s que passámos a trocar com alguma frequência. No caso dele sempre acompanhados por um cartão educado e afectuosamente simples. Neste tempo em que se usa e abusa da palavra amizade, quero confessar que não tive tempo de me tornar amigo de Rui Semedo. Acho que lá chegaríamos. Mas estou sobretudo certo que o recordarei como um dos bons amigos que gostaria de ter feito.