As notícias avançam a uma rapidez tal e são tantas vezes contraditórias que existe uma alta probabilidade, caro leitor, de esta crónica não fazer nenhum sentido quando lhe chegar à mão. Se assim for, acabe, pura e simplesmente por aqui.
Caso contrário, o meu ponto é simples. Tenho criticado muitas vezes Pedro Passos Coelho pela visão dogmática e laboratorial como olha a realidade política e social. Tenho-me queixado de falta de espessura no pensamento político dominante em Portugal, nos últimos quatro anos. Liberal que sou (e que não finjo agora ter deixado de ser), não tenho sido – não será grande segredo – um fã incondicional do Executivo. Dito isto, é chegada a hora de dar o braço a torcer. Não todo, porque também não me parece que mereça um integral castigo, mas no que toca a um episódio muito concreto.
Dou como certas, com todos os riscos que isso acarreta numa fase de tanta informação e contrainformação, duas teses. A primeira foi largamente difundida e nunca desmentida: no auge das complicações com o império, Ricardo Salgado terá pedido a intervenção do primeiro-ministro para apoiar, de forma mais ou menos direta, de forma mais ou menos escondida, o seu grupo familiar. A segunda foi publicamente defendida por José Gomes Ferreira, no Expresso Diário: “Ao contrário do que seria de esperar de um acionista normal, ao grupo BES interessava toda a turbulência que tem havido com as ações do BES porque ajudava a pressionar o Governo e o regulador para ajudarem o GES.” O que de qualquer forma é certo é que, em face deste segundo round, que atingiu o clímax com o pânico generalizado, na passada quinta-feira, Passos Coelho e o governador mantiveram-se firmes na sua recusa de qualquer tipo de ajuda ao GES. O segundo porque estará suficientemente convencido de que o BES é suficientemente sólido para não justificar qualquer ajuda aos seus acionistas de referência. O primeiro por pura convicção ideológica.
Só o tempo dirá se esta é a resposta eficaz para, no curto prazo, estancar um problema de contornos muito sensíveis. Problema que, é bom dizê-lo, arrastará culpados e inocentes. Gente que terá manipulado contas e malbaratado uma reputação secular que era um importante ativo de Portugal. Mas também gente a quem o único pecado que se pode apontar é o de ter confiado.
Seja como for, uma coisa é já hoje clara e é esse o meu ponto: Pedro Passos Coelho é um dos pouquíssimos primeiros-ministros, desde o 25 de Abril, que afrontaram o poder imenso de Ricardo Salgado. Fê-lo, estou convencido, por convicção ideológica, porque quis dar um sinal claro de que os portugueses têm de se habituar a deixar de olhar para o Estado como a solução de todos os seus privadíssimos problemas (e isto não é só válido para milionários), sobretudo porque quis dizer um sonoro “basta” às teias que tradicionalmente têm unido o poder político e o poder económico, numa destruidora dança macabra.
Ainda na minha última crónica aqui defendi que estou longe de estar seguro de que o descalabro do sistema de poder a que vamos assistir em Portugal signifique um País mais liberal, mais competitivo e menos concentrado. Mas nada disso invalida que era necessário mudar, afrontar poderes e romper bloqueios. Nessa frente, Pedro Passos Coelho revelou, naquele simbólico “não”, uma fibra e uma coragem que é obrigatório registar.