‘Hoje temos visitas”: de cada vez que estas palavras saíam da boca da minha mãe, sentia o chão a tremer debaixo dos meus pés. Não só porque já sabia o que me esperava, mas também porque ela já tinha ligado o aspirador, com a potência no máximo, para eliminar da nossa sala quaisquer vestígios de vida humana. A casa era passada a pente fino, como se estivessem a chegar não uns amigos da família, mas uma brigada dos serviços secretos. As nódoas do sofá eram camufladas com posicionamento estratégico de almofadas, a papelada que se acumulava há meses no móvel da entrada desaparecia, e aquela camisa que nunca saía do cabide era-nos fortemente sugerida como indumentária para o serão. Quando finalmente parecíamos outra família, estávamos prontos para a chegada das visitas. É igual, agora, em Lisboa: Carlos Moedas anda num afã para fazer a capital parecer outra. Começou pelo altar-palco, que além de caríssimo não terá préstimo no futuro, tal qual aquela terrina da Vista Alegre que a minha mãe comprou, para “visitas de cerimónia” que nunca chegaram a aparecer. Felizmente o Papa nunca visitou aquele modesto apartamento no concelho de Oeiras, porque se tivesse acontecido, aposto que nem as revistas Gina do meu irmão teriam sobrevivido. O presidente da CML tem tentado maquilhar a cidade de uma ponta à outra. E por falar em ponta… é de facto mais difícil varrer para debaixo do tapete uma escultura do Cutileiro do que pecinhas de Lego… O autarca lisboeta admitiu a possibilidade de tapar a obra com forma fálica, que se ergue no topo do Parque Eduardo VII.
Sabendo nós da posição oficial da Igreja a respeito do uso de preservativo, embalar um falo daquele tamanho parece-me uma provocação desnecessária aos católicos. Além do mais, estamos a privar os jovens que visitam o nosso país de ver uma das coisas que mais entusiasma jovens de qualquer país ou religião: genitália. Mesmo sendo de pedra. Quando as hormonas estão aos saltos, qualquer material serve. Se a ideia é esconder dos crentes tudo aquilo que temos de pornográfico em Portugal, há ainda muito trabalho pela frente: podem começar por tapar os estádios do Euro, o buraco da TAP, o processo Marquês, as listas de espera nos hospitais… Vamos deixar de ser um país nas lonas e passar a ser o País das lonas, com tanta superfície tapada. Moedas rejeita a ideia de estar a esconder aos fiéis a obra de Cutileiro, justificando-se com a necessidade imperiosa de obras. Há quem, maldosamente, desconfie desta explicação. É com certeza gente que nunca se entusiasmou com aqueles emails que propõem “aumente o seu pénis”. Quando essa oportunidade surge, há que aproveitar. Mesmo que, por azar, coincida com as Jornadas Mundiais da Juventude. “Há muito tempo que está em dificuldade”, diz Moedas, sobre o falo de Cutileiro. Uma vez que já está de pé desde 1997 é perfeitamente compreensível que precise de ajuda para se manter erecto, até porque com milhares de jovens à sua frente, podia ficar ansioso e perder a firmeza. Depois não ficava pedra sobre pedra, o que era uma chatice.
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