Pensava que nada podia superar a experiência de ter visto, com os meus olhos, as Cristina Talks. Enganei-me: melhor ainda é assistir a essas talks através dos olhos de Natália Faria, jornalista do Público. Há qualquer coisa de mágico quando o discurso jornalístico, ancorado na objectividade, se cruza com a narrativa da auto-ajuda, onde a subjectividade é rainha. Quer dizer, princesa. Porque rainha só há uma: Cristina Ferreira. Os portugueses enchem pavilhões para a ouvir, como os britânicos enchem as ruas de Londres para saudar a família real. A rainha-mãe acenava com a mão, Cristina acena com as coisas que tem, tentando que os súbditos acreditem que também podem tê-las. Ao contrário do que acontece com a família real britânica, em que ninguém quer convencer o povo de que pode ter o seu próprio Palácio de Buckingham. Não me espanta nada que as pessoas acreditem tanto em Cristina, até porque é muito carismática, espanta-me é que ela acredite tão pouco em si. No arranque da sessão de Guimarães, Cristina queixou-se da anterior: “Aquilo que foi escrito a seguir [à aparição de Nossa Senhora nos Louboutin] magoou-me, não por mim, mas porque se pôs em causa a fé de todos. São os mistérios da fé. (…) quando encontrei dentro dos sapatos aquela imagem, senti que ia correr tudo bem. E correu.” Surpreende-me que a mulher que vendeu 12 mil ingressos para uma “talk” sobre o seu sucesso precise de uma aparição divina para ter a certeza de que ia correr bem.
O que poderia correr mal?! Desta vez Cristina convidou a americana Janet, que conheceu enquanto nadava numa piscina na Comporta (quem nada nas piscinas municipais de Rio Maior não terá encontros tão transformadores), e apresentou-a deste modo: “Foi ela que me disse a frase mais incrível de sempre e que passei a repetir todos os dias: ‘Cristina, os americanos só não gostam de ti porque não te conhecem.’” Cristina Ferreira precisa que uma americana que nunca viu mais gorda lhe garanta que os americanos, que nunca a viram mais gorda, a adorariam, caso a conhecessem. O amor-próprio, que advoga, é bom, mas o amor de desconhecidos, pelos vistos, é melhor. Segundo a reportagem, “Janet veio expressamente dos EUA para nos ensinar ‘how remarkable’ a Cristina é, um ‘symbol of strength’”. Creio que o Público errou. Janet não veio para nos ensinar isso a nós, veio para ensinar à Cristina o que já devia estar careca de saber. Há quem diga que Cristina não precisava de ser tão convencida, mas ela tem absoluta necessidade de ser convencida, seja por um enviado dos céus ou de Washington, de que “está tudo certo”, uma das frases estampadas nas t-shirts à venda na palestra. Lendo o artigo, ficamos também a saber que um dos oradores convidados, Pedro Chagas Freitas, “quando Cristina é mais violentamente torpedeada pela crítica, faz milagres com uma simples SMS em que escreve ‘Siga’ e imediatamente a entertainer sente que ‘está tudo certo’”. Quando alguém precisa de ser constantemente relembrado de que está tudo certo, é porque algo está errado.
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